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A seguir, Grey olhou para Masters, que assistia a tudo nervosamente.

— Sargento, quer dar-me um pouco d’água, por favor? Cansadamente, Masters foi pegar o cantil pendurado na parede.

— Pronto, senhor.

— Essa é de ontem — disse Grey, sabendo que não era. — Encha-o com água fresca.

— Eu podia jurar que já o tinha feito — falou Masters. Depois, sacudindo a cabeça, afastou-se.

Grey deixou o silêncio pesar, enquanto o Rei ficava esperando, tranqüilamente. Uma aragem sacudiu os coqueiros que subiam acima da mata do lado de fora da cerca, trazendo a promessa de chuva. Já havia nuvens negras orlando o céu oriental, e logo cobririam todo o céu. Logo elas virariam o pó em lama, e tornariam o ar úmido respirável.

— Quer um cigarro? Senhor — disse o Rei, oferecendo o maço.

A última vez que Grey fumara um cigarro comprado pronto fora há dois anos, no dia do seu aniversário. Seu 22? aniversário. Fitou o maço e teve vontade de fumar um, de fumar todos.

— Não — falou sombriamente. — Não quero um dos seus cigarros.

— Não se importa que eu fume? Senhor.

— Importo-me, sim!

O Rei manteve os olhos fitos nos de Grey e calmamente pegou um cigarro. Acendeu-o e deu uma boa tragada.

— Tire isso da boca! — ordenou Grey.

— Claro. Senhor. — O Rei deu uma chupada longa e lenta no cigarro, antes de obedecer. Depois, endureceu. — Não estou sob suas ordens, e não há lei que diga que não posso fumar quando tenho vontade. Sou americano e não estou sujeito a nenhum inglês metido a patriota! Já lhe explicaram isso, não foi? Largue o meu pé! Senhor.

— Agora estou atrás de você, Cabo — explodiu Grey. — Logo vai escorregar, e quando o fizer, estarei à espera e então você irá para lá. — O dedo dele tremia enquanto apontava para a jaula tosca de bambu que fazia as vezes de cela. — Lá é que é o seu lugar.

— Não estou infringindo nenhuma lei...

— Então, onde arranja o dinheiro?

— Jogando. — O Rei acercou-se de Grey. A raiva dele estava controlada, mas ele era mais perigoso do que de costume. — Ninguém me dá nada. O que tenho é meu e eu o ganhei. Como o ganhei só a mim diz respeito.

— Não enquanto eu for o Chefe da Polícia Militar. — Os punhos de Grey se cerraram. — Muitas drogas foram roubadas nesses meses. Talvez você saiba alguma coisa sobre elas.

— Ora, seu... Ouça — disse o Rei, furioso — nunca roubei nada na minha vida. Nunca vendi drogas na vida, e não se esqueça disso! Porra, se o senhor não fosse oficial, eu...

— Mas eu sou, e gostaria de vê-lo tentar. Por Deus, como gostaria! Você pensa que é tão durão. Bem, eu sei que não é.

— Vou dizer-lhe uma coisa. Quando sairmos dessa merda de Changi, venha procurar-me para ajustarmos as contas...

— Não me esquecerei! — Grey tentou acalmar o coração que disparava. — Mas lembre-se, até lá estarei vigiando e esperando. Nunca ouvi falar de uma maré de sorte que não se acabasse. E a sua vai acabar!

— Ah, não vai, não! Senhor. — Mas o Rei sabia que havia grande dose de verdade naquilo. A sua sorte fora boa. Muito boa. Mas a sorte é dar duro, planejar e algo mais, e não jogar. Pelo menos se não for um jogo calculado. Como hoje e os diamantes. Quatro quilates inteiros. Finalmente sabia como botar as mãos neles. Quando estivesse pronto. E se ele pudesse fazer esse único negócio, seria o último, e não haveria mais necessidade de jogar... não aqui em Changi.

— Sua maré de sorte vai acabar — disse Grey, maldosamente. — Sabe por quê? Porque você é como todos os criminosos. Ambicioso...

— Não sou obrigado a engolir isso do senhor — falou o Rei, sem conseguir controlar a raiva. — Não sou mais criminoso do que...

— Ah, mas é, sim. Infringe a lei o tempo todo.

— Infrinjo uma ova. A lei japonesa pode dizer...

— Para o diabo a lei japonesa. Estou falando da lei do campo. A lei do campo diz: nada de comércio. E é isso o que você faz.

— Prove!

— Acabo provando. Você vai cometer um deslize. E então veremos como vai sobreviver junto com o resto de nós. Na minha jaula. E depois da minha jaula, providenciarei pessoalmente para que seja mandado para Utram Road!

O Rei sentiu um horror gelado no coração e nos testículos.

— Jesus — falou, tensamente. — Você é bem filho da mãe para fazer isso.

— No seu caso — disse Grey, com os lábios espumando — seria um prazer. Os japoneses são seus amigos!

— Ora, seu filho da puta! — O Rei cerrou o punho imenso e avançou para Grey.

— O que está havendo aqui? — perguntou o Coronel Brant, subindo pesadamente os degraus e entrando na choça. Era um homem pequeno, mal passava de l,52m, com a barba enrolada sob o queixo, à moda sikh. Carregava um bastão militar. O quepe de pala dele já não tinha pala, e estava todo remendado com pano de saco. No centro do quepe, o emblema de um regimento brilhava como ouro, após anos de polimento.

— Nada... nada, senhor. — Grey afastou a súbita nuvem de moscas, tentando controlar a respiração. — Estava apenas... revistando o Cabo...

— Ora, vamos, Grey — interrompeu o Coronel Brant, irritado. — Ouvi o que você disse sobre Utram Road e os japoneses. É perfeitamente legal revistá-lo e interrogá-lo, como todos sabem, mas não há motivo para ameaçá-lo ou destratá-lo. — Virou-se para o Rei, a testa perolada de suor. — Quanto a você, Cabo. Agradeça aos céus que eu não o denuncie por indisciplina ao Capitão Brough. Devia ter mais bom senso e não andar vestido desse jeito. Isso basta para deixar qualquer um maluco. Está pedindo encrenca.

— Sim, senhor — disse o Rei, externamente calmo, mas internamente se amaldiçoando por ter perdido a cabeça... exatamente o que Grey estava querendo que ele fizesse.

— Olhe para minhas roupas — dizia o Coronel Brant. — Que diabo, como acha que me sinto?

O Rei não respondeu. Pensava: Problema seu, cara... cuide de si mesmo, estou cuidando de mim. O Coronel usava apenas uma tanga, feita de metade de um sarongue, amarrada na cintura como um saiote escocês, e por baixo do saiote não havia nada. O Rei era o único homem em Changi que usava cuecas. Tinha seis delas.

— Acha que não tenho inveja dos seus sapatos? — perguntou o Coronel Brant, com irritação. — Quando só o que tenho para usar são essas drogas? — Estava usando os chinelos regulamentares: um pedaço de madeira e uma tira de lona no peito do pé.

— Não sei, senhor — disse o Rei, com humildade velada, tão cara aos ouvidos dos oficiais.

— Certo. Certo. — O Coronel Brant virou-se para Grey. — Acho que lhe deve uma desculpa. É muito errado ameaçá-lo. Temos que ser justos, hem, Grey? — E tirou mais um pouco de suor do rosto.

Grey fez um esforço enorme para deter o palavrão que lhe tremia na ponta dos lábios.

— Desculpe. — A palavra era baixa e tensa, e o Rei quase não conseguiu conter o sorriso.

— Muito bem. — O Coronel Brant meneou a cabeça, depois olhou para o Rei. — Está certo, pode ir. Mas, vestido desse jeito, está pedindo encrenca! A culpa é só sua!

O Rei fez uma bela continência.

— Obrigado, senhor. — E saiu da choça, e do lado de fora, ao calor do Sol, respirou com tranqüilidade e amaldiçoou-se de novo. Jesus, mas fora por pouco. Quase batera no Grey, o que teria sido o ato de um maníaco. Para acabar de se controlar, parou ao lado da trilha e acendeu outro cigarro, e os muitos homens que passaram por ele viram o cigarro e sentiram seu aroma.

— Maldito sujeito — falou, finalmente, o Coronel, ainda seguindo-o com o olhar, e enxugando a testa. Depois, voltou-se para Grey. — Francamente, Grey, você deve estar maluco, provocando-o daquele jeito.

— Sinto muito. Suponho que ele...

— Seja lá o que ele for, não fica bem a um oficial e um cavalheiro perder a calma. Ruim, muito ruim, não acha?

— Sim, senhor. — Nada mais havia que Grey pudesse dizer. O Coronel Brant resmungou, e depois franziu os lábios.