— Conte desde o começo.
— Tudo?
— Claro. Espalhe o saber, depois poderemos todos dar palpites.
— Muito bem. Encontramos o Vexley. Ele nos disse, textualmente: “O Rattus norvegicus, ou rato norueguês... às vezes chamado Mus decumanus...”
— Mas que papo-furado é esse? — indagou Max.
— Latim, ora essa. Qualquer idiota sabe disso — falou Tex.
— Você sabe latim, Tex? — perguntou Max, boquiaberto.
— Porra, não, mas esses nomes malucos são sempre latim...
— Pela madrugada, gente — falou o Rei. — Querem saber, ou não? — Fez sinal para que Peter Marlowe continuasse.
— Bem, o caso é que Vexley descreveu-os detalhadamente, peludos, sem pêlos na cauda, pesam até um quilo e oitocentos, mas o comum é cerca de novecentos gramas, nesta parte do mundo. Os ratos se acasalam promiscuamente em qualquer época...
— Que diabo quer dizer isso?
— O macho trepa com qualquer fêmea, indiscriminadamente — disse o Rei, impaciente — sem ter época certa.
— Igual a nós, não é isso? — interpôs Jones, afavelmente.
— É, acho que sim — disse Peter Marlowe. — Bem, o rato macho cruza em qualquer época, e a fêmea pode ter até doze ninhadas por ano, cerca de doze por ninhada, mas podendo chegar a quatorze. Os filhotes nascem cegos e indefesos vinte e dois dias após o... contato. — Escolheu a palavra com delicadeza. — Os filhotes abrem os olhos após um período de quatorze a dezessete dias e tornam-se sexualmente maduros em dois meses. Param de se reproduzir mais ou menos aos dois anos, e já são velhos aos três.
— Puxa vida! — exclamou Max, radiante, em meio ao silêncio espantado. — Sem dúvida que temos problemas. Ora, se os filhotes já se reproduzem aos dois meses, e tivermos doze... digamos dez por ninhada, para arredondar... façam as contas. Digamos que nasçam dez filhotes no Dia Um. Outros dez no Dia Trinta. No Dia Sessenta, os primeiros cinco pares já deram cria, e temos cinqüenta. No Dia Noventa, mais cinco pares deram cria, e são outros cinqüenta. No Dia Cento e Vinte, temos duzentos e cinqüenta, mais outros cinqüenta e mais cinqüenta, e nova ninhada de duzentos e cinqüenta. Pela madrugada, dá seiscentos e cinqüenta em cinco meses! No mês seguinte, temos quase seis mil e quinhentos...
— Jesus, mas temos uma mina de ouro! — exclamou Miller, coçando-se furiosamente.
— Temos uma ova — disse o Rei. — Não se não dermos tratos à bola. Primeiro, não podemos botar todos juntos. São canibais. Isso significa que vamos ter que separar os machos e as fêmeas, exceto quando estão cruzando. Outra coisa, eles vão brigar entre si, o tempo todo. O que significa ter que separar os machos dos machos e as fêmeas das fêmeas.
— Então separamos. Qual é o grilo?
— Nenhum, Max — disse o Rei, pacientemente. — Mas temos que ter gaiolas e organizar as coisas. Não vai ser fácil.
— Ora! — exclamou Tex — podemos fazer um monte de gaiolas, sem problemas.
— E você acha, Tex, que podemos fazer com que os ratos fiquem quietos? Enquanto fazemos as gaiolas?
— Não vejo por que não!
— Mais uma coisa — disse o Rei. Estava satisfeito com os homens e mais do que satisfeito com o plano. Era o tipo de negócio que curtia... nada a fazer, exceto esperar. — Eles comem qualquer coisa, viva ou morta. Qualquer coisa. Portanto, não teremos problemas de logística.
— Mas são umas criaturas nojentas e fedem como o diabo — disse Byron Jones III. — Já temos fedor que chegue por aqui, sem ter que botar mais sob nossa própria cabana. E além disso, os ratos são transmissores da peste.
— Quem sabe este é um tipo especial de rato, como o mosquito especial que transmite a malária — disse Dino, esperançoso, com os olhos escuros correndo os homens.
— Claro que os ratos transmitem a peste — disse o Rei, dando de ombros. — E também um monte de moléstias humanas. Mas isso não quer dizer nada. Temos uma fortuna nas mãos e vocês só conseguem ver o lado negativo, seus filhos da mãe. Isso é antiamericano!
— Bem, cara, mas essa história da peste. Como vamos saber se são limpos ou não? — perguntou Miller, enojado.
O Rei achou graça.
— Perguntamos isso ao Vexley e ele disse, abrir aspas: “Vocês logo saberiam. Estariam mortos.” Fechar aspas. Porra, é igual às galinhas. Mantenha-as limpas e bem alimentadas, e correrá tudo bem! Não há com que se preocupar.
E então começaram a discutir a criação, seus perigos e potenciais (e todos se davam conta dos potenciais), contanto que eles não tivessem que comer os frutos; e debateram os problemas ligados a uma operação em tão larga escala. Foi então que Kurt entrou na choça, tendo nas mãos uma coberta que se retorcia.
— Arranjei outro — falou, com azedume.
— Arranjou?
— Claro. Enquanto vocês ficam aí papeando, seus sacanas, eu estou agindo. É uma fêmea. — Kurt cuspiu no chão.
— Como sabe?
— Espiei. Vi bastante ratos na Marinha Mercante para ter certeza. E o outro é macho. Também espiei.
Todos se enfiaram debaixo da choça e viram Kurt botar Eva na trincheira. Imediatamente os dois ratos se grudaram ferozmente, e os homens tiveram que se controlar para não dar vivas. A primeira ninhada estava a caminho. Os homens votaram no Kurt para tomar conta dos ratos, e Kurt ficou feliz.
Assim, tinha certeza de que ganharia sua parte. Claro que cuidaria dos ratos. Comida era comida. Kurt sabia que ia sobreviver, mesmo que nenhum outro filho da mãe sobrevivesse.
11
Vinte e dois dias mais tarde, Eva teve cria. Na gaiola ao lado, Adão tentava rasgar a tela de arame para chegar aos alimentos vivos, e quase o conseguiu, mas Tex percebeu o rasgão bem na horinha. Eva dava de mamar aos filhotes. Eram Caim, Abel, Grey e Alliluha; Beulah, Mabel, Junt, Princesa e Princesinha; e Mabel Grande, Junt Grande e Beulah Grande. Dar nome aos machos foi fácil. Mas nenhum dos homens queria dar às fêmeas os nomes das namoradas, irmãs ou mães. Até mesmo os nomes das sogras lembravam a algum outro homem uma paixão ou relacionamento do passado. Levaram três dias para concordar com Beulah e Mabel.
Quando os filhotes estavam com 15 dias, foram postos em gaiolas separadas. O Rei, Peter Marlowe, Tex e Max deram à Eva até o meio-dia para se recuperar; depois, colocaram-na junto com Adão. Foi o início da segunda ninhada.
— Peter — disse o Rei suavemente, enquanto subiam pelo alçapão e voltavam à choça — a nossa fortuna está feita.
O Rei resolvera abrir o alçapão porque sabia que tantas idas à vala sob a choça despertariam curiosidade. Era vital para o sucesso da criação que permanecesse em segredo. Até mesmo Mac e Larkin desconheciam sua existência.
— Onde está o pessoal, hoje? — perguntou Peter Marlowe, fechando o alçapão. Somente Max estava na choça, deitado em seu catre.
— Os infelizes pegaram um destacamento de trabalho. Tex está no hospital. O resto está pilhando por aí.
— Acho que também vou fazer o mesmo. Pelo menos me ocupo. O Rei baixou a voz.
— Tenho uma coisa para ocupá-lo. Amanhã à noite vamos à aldeia. — A seguir, berrou para Max. — Ei, Max, conhece o Prouty? O Major australiano? Da Choça Onze?
— O velhote? Claro.
— Ele não é velho. Não pode ter mais de quarenta anos.
— Por mim, quarenta anos é velho como Deus. Vou levar dezoito anos para chegar lá.
— Se tiver sorte — falou o Rei. — Vá procurar o Prouty. Diga que o mandei.
— E daí?
— Nada. Vá procurá-lo, só isso. E certifique-se de que Grey não está por perto... ou algum dos olheiros dele.
— Já estou indo — disse Max, relutante, deixando-os a sós.
Peter Marlowe estava olhando para os lados da cerca, de onde se partia para o litoral.
— Estava começando a me perguntar se você tinha mudado de idéia.
— Sobre levá-lo comigo?
— É.
— Não precisa preocupar-se, Peter. — O Rei apanhou o café e passou uma caneca para Peter Marlowe. — Quer almoçar comigo?