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O Rei sabia da aversão de Peter Marlowe, mas não se importava. Um homem tem direito às suas opiniões, é o que sempre dizia. E contanto que essas opiniões não conflitassem com seus propósitos, então, tudo bem.

Max entrou na choça e desabou no beliche.

— Passei uma hora procurando o filho da puta. Depois, fui encontrá-lo na horta. Jesus, com todo aquele mijo que usam como fertilizante, aquele lugar filho da puta fede como um bordel do Harlem num dia de verão.

— Você é bem o tipo de filho da mãe que usaria um bordel do Harlem. A irritação e a aspereza da voz do Rei espantaram Peter Marlowe.

O sorriso e a fadiga de Max desapareceram com igual rapidez.

— Puxa vida, não falei por mal. É só um ditado.

— Então, por que escolher o Harlem? Quer dizer que fede feito um bordel, tudo bem. Todos eles fedem do mesmo jeito. Não há diferença porque um é preto e o outro é branco.

O Rei estava uma fera, a pele do seu rosto estava esticada como uma máscara.

— Calma. Desculpe. Não falei por mal.

Max tinha-se esquecido de que o Rei não gostava que se pixassem os negros. Jesus, quando se mora em Nova York, o Harlem está com você, queira ou não. E lá há bordéis, e comer uma negrinha é danado de bom, para variar. Mesmo assim, pensou com amargura, eu lá vou saber por que ele é todo cheio de dedos quando se trata de crioulos!

— Não falei por mal — repetiu Max, esforçando-se para não olhar para a comida. Sentira o cheiro dela de longe. — Encontrei-o e disse o que você mandou.

— E daí?

— Bem, hã, ele me deu uma coisa para você — falou Max, olhando para Peter Marlowe.

— Porra, entregue-me logo!

Max esperou pacientemente enquanto o Rei examinava de perto o relógio, dava-lhe corda e encostava-o ao ouvido.

— O que você quer, Max?

— Nada. Hã... quer que lave a louça para você?

— Quero. Lave, e depois trate de se mandar daqui.

— Claro.

Max pegou os pratos sujos e levou-os para fora, humildemente, jurando para si mesmo que algum dia ia pegar o Rei. Peter Marlowe ficou calado. Estranho, pensou. Estranho e selvagem. O Rei tem gênio. Isto pode ser valioso, mas na maior parte das vezes é perigoso. Se você parte numa missão, é importante saber o valor do seu companheiro. Numa missão perigosa, como a ida à aldeia, talvez, é de bom alvitre saber ao certo quem está guardando suas costas.

O Rei desatarrachou com cuidado o fundo do relógio. Era de aço inoxidável, e à prova d’água.

— Hum — resmungou o Rei. — Logo vi.

— O quê?

— É fajuto. Olhe só.

Peter Marlowe examinou atentamente o relógio.

— Para mim parece legal.

— Claro. Mas não é o que devia ser. Um Omega. A parte externa é boa, mas a interna é velha. Algum cretino trocou o mecanismo.

O Rei atarrachou de novo o relógio, depois ficou pensativo.

— Está vendo, Peter. É o que eu lhe dizia. A gente tem que ser cuidadoso. Digamos que eu venda esse relógio como sendo um Omega, mas sem saber que é fajuto, posso meter-me numa bela encrenca. Mas contanto que eu saiba a verdade, antecipadamente, posso proteger-me. Todo cuidado é pouco. — Abriu um sorriso. — Vamos tomar mais uma xícara de café, os negócios estão prosperando.

O sorriso se desvaneceu, quando Max voltou com os pratos limpos e guardou-os. Max não disse nada, fez um sinal de cabeça servil e saiu de novo.

— Filho da puta — falou o Rei.

Grey ainda não se havia recuperado do dia em que Yoshima encontrara o rádio. Enquanto subia a trilha na direção da choça de suprimentos, ia remoendo os novos deveres que lhe haviam sido impostos pelo Comandante do Campo na frente de Yoshima, e mais tarde comentados pelo Coronel Smedly-Taylor. Grey sabia que, embora oficialmente tivesse que cumprir as novas ordens, na verdade tinha mais é que ficar de olhos fechados e não fazer nada. Santa Mãe de Deus, pensou, não importa o que eu faça, estarei errado.

Grey sentiu um espasmo crescer no estômago. Parou, enquanto ele ia e vinha. Não era disenteria, apenas diarréia; e a febre ligeira que sentia não era malária, apenas um toque de dengue, uma febre mais fraca, porém mais traiçoeira e caprichosa. Estava com muita fome. Não tinha estoques de comida, nenhuma lata de reserva e nenhum dinheiro para comprar uma. Tinha que sobreviver das rações, sem nenhum extra, e as rações não eram o suficiente, não eram o suficiente.

Quando sair daqui, pensou, juro por Deus que nunca mais vou sentir fome. Terei 1.000 ovos e uma tonelada de carne e açúcar, café, chá e peixe. Vamos cozinhar o dia todo, Trina e eu, e quando não estivermos cozinhando ou comendo, estaremos fazendo amor. Amor? Não, fazendo apenas dor. Trina, aquela vaca, sempre dizendo “Estou muito cansada”, ou “Estou com dor de cabeça”, ou “Pelo amor de Deus, de novo?”, ou “Está bem, acho que vou ter que fazer”, ou “Podemos fazer amor agora, se você quiser” ou “Será que não me pode deixar em paz dessa vez?”, quando ele não pedia com tanta freqüência, e na maioria das vezes se controlava e sofria, ou então o irado “Ah, está bem”, e então ela acendia a luz e ia para o banheiro “se aprontar”, e ele enxergava apenas a glória do seu corpo através da fazenda transparente, até que a porta se fechava, e ele ficava esperando, esperando e esperando até que a luz do banheiro fosse desligada e ela voltasse ao quarto deles. Sempre levava uma eternidade para vir da porta até a cama, e ele via apenas a beleza pura da mulher sob a seda, e sentia a frieza dos seus olhos enquanto o observava, e não tinha coragem de olhar nos olhos dela, e se detestava. E então ela se deitava ao seu lado, e tudo logo acabava silenciosamente e ela se levantava para ir ao banheiro e se lavar, como se o amor dele fosse sujeira, e a água corria, e quando voltava estava toda perfumada, e ele se detestava de novo, insatisfeito, por tê-la possuído quando não queria ser possuída. Fora sempre assim. Nos seus seis meses de casado — 21 dias de licença, foi o que tiveram juntos — haviam feito dor nove vezes. E ele não conseguira tocá-la nem uma vez.

Pedira-a em casamento uma semana depois de tê-la conhecido. Houvera dificuldades e recriminações. A mãe dela o detestava por querer sua única filha logo agora que estava começando a carreira, e era tão moça, só 18 anos. Os pais dele disseram espere, a guerra pode acabar logo e você não tem dinheiro, e bem, ela não é exatamente de boa família, e ele correra os olhos pela casa deles, um prédio velho ligado a 1.000 outros prédios velhos em meio às linhas de bonde retorcidas de Streatham, e viu que os quartos eram estreitos e a mente dos pais era estreita e classe baixa, e que o amor deles era retorcido como as linhas de bonde.

Casaram-se um mês depois. Grey estava muito elegante de farda e espada (alugada por hora). A mãe de Trina não compareceu à cerimônia desenxabida, realizada às pressas entre os alertas dos ataques aéreos. Os pais dele usavam máscaras de desaprovação, seus beijos foram mecânicos e Trina se desmanchou em lágrimas e a certidão de casamento ficou molhada de lágrimas.

Naquela noite, Grey descobriu que Trina não era virgem. Claro que ela agiu como se fosse, e queixou-se durante vários dias, por favor querido, estou toda doída, tenha paciência. Mas não era virgem, e aquilo magoou Grey, pois insinuara muitas vezes que era. Mas fingiu não saber que ela o havia enganado.

A última vez em que vira Trina fora seis dias antes de embarcarem para além-mar. Achavam-se no apartamento deles, e Grey estava deitado na cama, vendo-a vestir-se.

— Sabe para onde vai? — perguntara a moça.

— Não.

O dia fora ruim, a briga da véspera fora ruim, e a falta dela e o fato de que a sua licença terminava naquele dia o oprimiam.

Levantara-se e ficara por trás dela, enfiando as mãos pelo vestido, segurando-lhe os seios firmes, adorando-a.

— Pare!

— Trina, será que podíamos...

— Não seja bobo. Sabe que o espetáculo começa às oito e meia.