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— Tem tempo de sobra...

— Pelo amor de Deus, Robin, pare! Vai estragar minha maquiagem!

— Pro diabo sua maquiagem. Não estarei aqui amanhã.

— Talvez seja melhor. Não o acho muito gentil ou bondoso.

— E como espera que eu seja? É errado um marido desejar a mulher?

— Pare de gritar. Meu Deus, os vizinhos vão ouvir.

— Eles que ouçam, porra!

Dirigira-se para ela, mas Trina batera a porta do banheiro na cara dele.

Ao retornar ao quarto, estava fresca e cheirosa. Usava sutiã, combinação curta, calcinhas sob a combinação e meias presas por um minúsculo prende-dor. Pegou o traje de coquetel e começou a vesti-lo.

— Trina... — dissera ele.

— Não.

Ficara de pé diante dela, e os joelhos não o sustentavam.

— Desculpe eu ter gritado.

— Não faz mal.

Inclinara-se para beijar-lhe os ombros, mas ela se afastara.

— Andou bebendo de novo, não é? — falara ela, franzindo o nariz. E então, a raiva dele explodira:

— Vá à merda, só tomei um drinque — berrara, fazendo-a girar, rasgando-lhe o vestido e o sutiã, e jogando-a na cama. Arrancara-lhe todas as roupas, deixando-a nua, exceto pelas meias em tiras. E o tempo todo ela ficara imóvel, fitando-o.

— Ah, Deus, Trina, eu a amo — gemera, desalentado; depois, foi-se afastando, odiando-se pelo que fizera, e pelo que quase fizera.

Trina apanhara as roupas em farrapos. Como que num sonho, ele ficara vendo a moça voltar para junto do espelho, sentar-se diante dele, começar a retocar a maquiagem, cantarolando uma melodia, sem parar.

E então, Grey batera a porta com força e voltara para sua unidade, e no dia seguinte tentara ligar para ela. Não houve resposta. Era tarde demais para voltar para Londres, apesar de suas súplicas desesperadas. A unidade mudou-se para Greenock, para o embarque, e todos os dias, todos os minutos de todos os dias, ele lhe telefonava, mas ela não atendia, nem respondia a seus telegramas alucinados, e então a costa da Escócia foi engolida pela noite, e a noite era apenas navio e mar, e ele era apenas lágrimas.

Grey estremeceu, ao Sol da Malásia. A 16.000 quilômetros de distância. Não foi culpa de Trina, pensou, tonto de nojo de si mesmo. Não foi ela, fui eu. Era ansioso demais. Quem sabe sou maluco. Quem sabe deveria ir ao médico. Quem sabe penso demais em sexo. Tem que ser eu, não ela. Ah, Trina, meu amor.

— Está-se sentido bem, Grey? — perguntou o Coronel Jones.

— Ah, sim, senhor, obrigado. — Grey voltou ao presente e notou que se apoiava debilmente contra a choça de suprimentos. — Foi apenas... um pouquinho de febre.

— Não está com boa cara. — Sente-se um minutinho.

— Está tudo bem, obrigado. Vou... vou buscar um pouco d’água.

Grey foi até a bica, tirou a camisa e enfiou a cabeça debaixo do jato de água. Seu cretino, descontrolar-se desse jeito, pensou. Mas, a despeito de sua determinação, o pensamento voltava inexoravelmente para Trina. Hoje à noite, hoje à noite vou permitir-me pensar nela, prometeu. Hoje à noite, e todas as outras noites. Para o inferno tentar viver sem comida. Sem esperança. Quero morrer. Ah, como eu quero morrer.

E foi então que viu Peter Marlowe subindo o morro. Nas mãos, trazia uma vasilha de rancho americana, segurando-a com cuidado. Por quê?

— Marlowe! — Grey bloqueou-lhe a passagem.

— Que diabo está querendo?

— O que leva aí?

— Comida.

— Não é contrabando?

— Pare de me encher, Grey.

— Não o estou enchendo. “Diga-me com quem andas e te direi quem és.”

— Fique bem longe de mim.

— Infelizmente, não posso, meu velho. É o meu serviço. Quero ver o que leva. Por favor.

Peter Marlowe hesitou. Grey estava no seu direito de ver, e no seu direito de levá-lo ao Coronel Smedly-Taylor, se saísse da linha. E no seu bolso estavam os 20 tabletes de quinino. Ninguém podia ter reservas particulares de remédios. Se fossem descobertos, teria que contar onde os arranjara, e o Rei teria que contar onde os arranjara, e de qualquer modo, Mac precisava deles agora. Assim, destampou a vasilha.

A mistura de carne com katchang idju cheirou divinamente a Grey. Seu estômago deu voltas, e tentou não deixar transparecer a fome que sentia. Inclinou a vasilha com cuidado para enxergar o fundo. Não havia nada ali além da deliciosa comida.

— Onde arranjou isso?

— Ganhei.

— Foi ele quem deu?

— Foi.

— Para onde o está levando?

— Para o hospital.

— Para quem?

— Para um dos americanos.

— E desde quando um Capitão-Aviador, detentor da Cruz do Mérito Aeronáutico, virou menino de recados para um Cabo?

— Vá pro diabo!

— Pode ser que vá. Mas antes de ir, vou ver vocês dois receberem o que merecem.

Calma, Peter Marlowe disse para si mesmo, vá com calma. Se agredir Grey, vai ferrar-se de verdade.

— Acabou de fazer as perguntas, Grey?

— Por enquanto. Mas lembre-se... — Grey deu um passo à frente e o cheiro da comida era uma tortura. — Você e seu maldito amigo vigarista estão na minha lista. Ainda não esqueci do isqueiro.

— Não sei do que está falando. Não desobedeci qualquer ordem.

— Mas vai desobedecer, Marlowe. Se você vende sua alma, chega o dia em que tem que pagar.

— Você está maluco!

— Ele é um vigarista, um mentiroso e um ladrão...

— É meu amigo, Grey. Não é vigarista ou ladrão...

— Mas é mentiroso.

— Todo o mundo é mentiroso. Até você. Negou conhecimento do rádio. E preciso ser mentiroso para ficar vivo. É preciso fazer um bocado de coisas...

— Como puxar o saco de um Cabo para conseguir comida?

A veia da testa de Peter Marlowe inchou, como uma pequena cobra escura. Mas sua voz era macia, e o veneno coberto de mel.

— Devia dar-lhe uma surra, Grey. Mas é falta de educação brigar com as classes inferiores. É injusto, sabe.

— Por Deus, Marlowe... — começou Grey, mas as palavras lhe faltaram, a raiva dentro dele subiu-lhe à garganta, sufocando-o.

Peter Marlowe olhou fundo nos olhos de Grey, e viu que vencera. Por um momento, saboreou a destruição do homem, e depois sua fúria se evaporou, ultrapassou Grey e subiu a colina. Não há necessidade de prolongar uma batalha vencida. Isso também é falta de educação.

Juro pelo Senhor Deus, pensou Grey. Vou fazê-lo pagar por isso. Você vai ficar de joelhos, implorando o meu perdão. Mas não o perdoarei. Nunca!

Mac pegou seis dos tabletes e fez uma careta quando Peter Marlowe ajudou-o a levantar-se um pouco para tomar a água que lhe oferecia. Engoliu e largou-se de novo.

— Deus o abençoe, Peter — sussurrou. — Isso vai dar um jeito em mim. Deus o abençoe, meu rapaz. — Caiu no sono, o rosto queimando e o baço quase estourando, e o cérebro fabricou pesadelos. Viu a mulher e o filho boiando nas profundezas do oceano, comidos pelos peixes, e gritando lá debaixo. E viu a si mesmo, lá no fundo, atacando os tubarões, mas suas mãos não tinham força o bastante, nem sua voz era alta o bastante, e os tubarões arrancavam pedaços enormes da carne de sua carne, e sempre havia mais pedaços para arrancar. E os tubarões tinham vozes, e a risada deles era demoníaca, mas os anjos estavam a seu lado e lhe diziam, rápido, rápido, Mac, rápido ou chegará tarde demais. E a seguir não havia mais tubarões, somente homens amarelos com baionetas e dentes de ouros, pontiagudos como agulhas, cercando-o, e a sua família, no fundo do mar. As suas baionetas eram imensas, afiadas. Eles não, eu!, gritava Mac. Matem a mim! E ficava assistindo, impotente, enquanto matavam sua mulher e matavam seu filho, e depois viravam-se para ele, e os anjos olhavam e sussurravam em coro, Rápido, Mac, rápido. Corra. Corra. Fuja e estará a salvo. E corria, sem querer correr, fugia do filho e da mulher e do mar cheio de sangue, e fugia no meio do sangue e sufocava. Mas ainda assim corria, e eles o perseguiam, os tubarões de olhos rasgados e dentes de agulha dourados, com seus fuzis e baionetas, rasgando sua carne até que ficou acuado. Lutou e suplicou,’ mas não paravam, e agora estava cercado. E Yoshima enfiou a baioneta com toda a força nas suas entranhas. E a dor foi imensa. Além da agonia. Yoshima puxou fora a baioneta e ele sentiu o sangue jorrar de dentro de si, pelo buraco irregular, por todas as aberturas do corpo, pelos próprios poros, até que só sobrou sua alma na casca. Finalmente, a alma lhe fugiu e misturou-se ao sangue do mar. Um alívio imenso e delicioso invadiu-o, infinito, e ficou feliz por estar morto.