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Ainda é muito cedo, pensou. A troca dos guardas ainda ia demorar um pouco. E quando fosse feita, de sua choça poderia ver o guarda substituído arrastar-se campo afora, subindo a estrada na direção da casa da guarda, passando por sua choça. O homem em questão é o novo guarda. Quem será? Que diferença faz? Logo vou saber. É mais seguro esperar e observar até a hora certa, depois dar o bote. Cuidadosamente. Apenas interrompê-los educadamente. Ver o guarda com o Rei e Marlowe. Melhor vê-los quando o dinheiro trocar de mãos ou quando o Rei entregar o dinheiro ao Prouty. E então, um relatório para o Coronel Smedly-Taylor: “Ontem à noite testemunhei um intercâmbio de dinheiro”, ou quem sabe: “Vi o Cabo americano e o Capitão-Aviador Marlowe, Choça 16, com um guarda coreano. Tenho motivos para crer que o Major Prouty, dos Pioneiros, estava envolvido, e colocou o relógio à venda.”

Isso resolveria o problema. Os regulamentos, pensou satisfeito, eram claros e definidos: “Nada de vendas aos guardas!” Pegos com a boca na botija. E então haveria uma corte marcial.

Uma corte marcial para começo de conversa. Depois a minha cadeia, minha cadeiazinha. Sem extras e ensopados de carne. Sem nada. Apenas engaiolados, engaiolados como os ratos que são. A seguir, serão soltos, cheios de raiva e ódio. E os homens raivosos cometem erros. E da próxima vez, quem sabe Yoshima estaria esperando. Melhor deixar que os japoneses façam seu próprio serviço... não é direito ajudá-los. Talvez nesse caso seja direito. Mas, não. Talvez só uma cutucadinha?

Vou vingar-me de você, maldito Peter Marlowe. Quem sabe mais cedo do que eu esperava. E a minha vingança, de você e daquele vigarista, será um êxtase.

O Rei deu uma olhada no seu relógio de pulso. 21:04. A qualquer segundo, agora. Uma coisa era certa com os japoneses, sempre se sabia o que iriam fazer, cronometrado em segundos, pois uma vez que um esquema fosse traçado, era cumprido.

E então, ouviu os passos. Torusumi dobrou a esquina da choça e veio depressa para o abrigo do toldo de lona. O Rei levantou-se para recebê-lo. Peter Marlowe também se levantou, relutante, detestando-se por isso.

Torusumi era uma figurinha difícil entre os guardas. Muito conhecido. Perigoso e imprevisível. Tinha um rosto, quando a maioria era sem rosto. Estava no campo há cerca de um ano. Gostava de dar duro nos prisioneiros, deixá-los no Sol, gritar com eles, e chutá-los quando tinha vontade.

— Tabe — cumprimentou o Rei, sorrindo. — Quer fumar? — Ofereceu um pouco de fumo cru de Java.

Torusumi deixou à mostra os dentes de ouro, entregou o fuzil a Peter Marlowe e sentou-se. Tirou do bolso um maço de Kooas e ofereceu-os ao Rei, que aceitou um. A seguir, o coreano olhou para Peter Marlowe.

— Amigo ichi-bon — explicou o Rei.

Torusumi resmungou, mostrou os dentes, aspirou o ar por entre os dentes e ofereceu um cigarro. Peter Marlowe hesitou.

— Aceite, Peter — disse o Rei.

Peter Marlowe obedeceu, e o guarda sentou-se à mesinha.

— Diga-lhe — falou o Rei para Peter Marlowe — que ele é bem-vindo.

— Meu amigo diz que sois bem-vindo e que está feliz por ver-vos aqui.

— Ah, agradeço-vos. O meu digno amigo tem alguma coisa para mim?

— Ele quer saber se tem alguma coisa para ele.

— Diga-lhe exatamente o que eu disser, Peter. Seja preciso.

— Terei que passá-lo para o vernáculo. Não dá para traduzir exatamente.

— Tudo bem... mas certifique-se de que está certo... não tenha pressa.

O Rei entregou o relógio. Peter Marlowe notou, surpreso, que estava como novo, todo polido, e com um novo mostrador de plástico, num estojo de couro acamurçado.

— Diga-lhe o seguinte: um sujeito que conheço quer vendê-lo. Mas é caro, e talvez não seja o que ele quer.

Até mesmo Peter Marlowe notou o brilho de avareza nos olhos do coreano quando tirou o relógio do estojo e levou-o ao ouvido, resmungou casualmente e colocou-o sobre a mesa.

Peter Marlowe traduziu a resposta do coreano.

— Tendes alguma outra coisa? Lamento dizer que os Omegas não estão valendo muito em Cingapura, atualmente.

— O vosso malaio é excepcionalmente bom, senhor — Torusumi acrescentou para Peter Marlowe, aspirando o ar por entre os dentes, polidamente.

— Agradeço-vos — disse Peter Marlowe, contrafeito.

— O que foi que ele disse, Peter?

— Só que falo malaio muito bem.

— Ah! Bem, diga-lhe que lamento, mas que é só o que tenho.

O Rei esperou até que isso fosse traduzido, depois sorriu e deu de ombros, pegou o relógio, botou-o no estojo, enfiou-o no bolso e se levantem.

— Salamat! — disse.

Torusumi deixou os dentes à mostra de novo, depois fez sinal para o Rei sentar-se.

— Não é que eu queira o relógio — falou para o Rei. — Mas porque sois meu amigo e tivestes tanto trabalho, devo indagar quanto o homem que possui este relógio insignificante quer por ele?

— Três mil dólares — replicou o Rei. — Sinto que esteja pedindo tão caro.

— Claro que está pedindo caro. O dono tem doença na cabeça. Sou um homem pobre, apenas um guarda, mas como já negociamos no passado e para fazer-vos um favor, ofereço 300 dólares.

— Lamento. Não ouso. Ouvi dizer que há outros compradores que dariam um preço mais razoável através de outros intermediários. Concordo que sois um homem pobre e não deveríeis oferecer dinheiro por um relógio tão insignificante. Claro, os Omegas não valem muito, mas em deferência ao dono, compreendeis que seria um insulto oferecer-lhe menos do que vale um relógio de segunda classe.

— É verdade. Talvez eu deva aumentar o preço, pois mesmo um homem pobre tem honra, e seria honroso tentar diminuir o sofrimento de qualquer homem nesses tempos difíceis. Quatrocentos.

— Agradeço seu interesse pelo meu conhecido. Mas este relógio... sendo um Omega... e sendo que o preço dos Omegas caiu do seu alto nível aceito anteriormente, obviamente há um motivo mais definido para não quererdes negociar comigo. Um homem de honra é sempre honrado...

— Também sou um homem de honra. Não desejo impugnar vossa reputação ou a reputação do vosso conhecido que é dono do relógio. Talvez eu deva arriscar minha reputação e tentar ver se consigo persuadir aqueles miseráveis comerciantes chineses com quem tenho que tratar a dar um preço justo, pelo menos uma vez nas suas miseráveis existências. Estou certo de que concordareis que quinhentos seria o máximo que um homem justo e honrado pagaria por um Omega, mesmo antes de o preço deles baixar.

— Verdade, meu amigo. Mas tenho um pensamento para vós. Talvez os preços dos Omegas não tenham baixado de sua posição ichi-bon. Talvez os miseráveis chineses se estejam aproveitando de um homem honrado. Ora, semana passada mesmo outro de vossos amigos coreanos veio procurar-me e comprou um relógio desses e pagou três mil dólares por ele. Somente ofereci-o a vós por causa da minha longa amizade e da confiança que deve existir entre sócios de tanto tempo.

— Falais a verdade? — Torusumi cuspiu com veemência no chão, e Peter Marlowe preparou-se para o golpe que acompanhara anteriormente tais explosões.

O Rei continuou sentado, imperturbável. Deus, pensou Peter Marlowe, mas ele tem nervos de aço. O Rei pegou um pouco de fumo e começou a preparar um cigarro. Quando Torusumi percebeu, parou de esbravejar e ofereceu o maço de Kooas e se acalmou.

— Estou abismado que os miseráveis comerciantes chineses por quem arrisco a vida sejam tão corruptos. Estou horrorizado ao ouvir o que vós, meu amigo, me dissestes. Pior, estou estarrecido. Pensar que abusaram da minha confiança. Há um ano que venho lidando com o mesmo homem. E pensar que me enganou durante tanto tempo. Acho que vou matá-lo.

— É melhor — falou o Rei — lográ-lo.

— Como? Gostaria muito que meu amigo me dissesse.