— Amaldiçoai-o. Dizei-lhe que vos deram informações que provam que é um trapaceiro. Dizei-lhe que, se não vos der um preço justo no futuro... um preço justo e mais vinte por cento para compensar-vos pelos erros anteriores... então podereis sussurrar nos ouvidos das autoridades. E então elas o pegarão, e pegarão suas mulheres e pegarão seus filhos, e os castigarão até estardes satisfeito.
— Que conselho soberbo. Estou feliz com a idéia do meu amigo. Por causa de sua idéia e da amizade que lhe dedico, ofereço mil e quinhentos dólares. É todo o dinheiro que tenho no mundo, e mais algum dinheiro que me foi confiado por um amigo que está com a doença das mulheres naquele pardieiro chamado hospital, e que não pode trabalhar por si mesmo.
O Rei abaixou-se e bateu nas nuvens de mosquitos que lhe atacavam os tornozelos. Agora está melhorando, rapaz, pensou. Vejamos. Dois mil seria alto. Mil e oitocentos O.K. Mil e quinhentos não é mau.
— O Rei pede-vos que espereis — traduziu Peter Marlowe. — Precisa consultar o miserável que deseja vender-vos mercadoria por preço tão exagerado.
O Rei entrou pela janela e cruzou toda a cabana, verificando. Max estava no seu lugar. Dino num dos lados da trilha, Byron Jones III no outro.
Foi encontrar o Major Prouty, suando de ansiedade, na sombra da choça vizinha à americana.
— Puxa, senhor, lamento — sussurrou o Rei, desanimado. — O cara não está muito interessado.
A ansiedade de Prouty aumentou. Tinha que vender. Ó, meu Deus, pensou, mas que azar. Preciso arranjar o dinheiro, de qualquer jeito.
— Não ofereceu nada?
— O máximo que consegui foi 400.
— Quatrocentos! Ora, todo mundo sabe que um Omega vale pelo menos dois mil dólares.
— Parece que isso é balela, senhor. Ele, bem, ficou desconfiado. De que não Seja um Omega.
— Ele está maluco. Claro que é um Omega.
— Desculpe, senhor — disse o Rei, enrijecendo o corpo de leve. — Só estou relatando...
— Culpa minha, Cabo. Não quis descontar em você. Esses sacanas amarelos são todos iguais. — O que faço agora, Prouty se perguntou. Se não o vender através do Rei, não vou vendê-lo, e a nossa unidade precisa de dinheiro e todo nosso esforço terá sido em vão. O que vou fazer?
Prouty pensou por um minuto, depois falou:
— Veja o que pode fazer, Cabo. Não posso aceitar menos de mil e duzentos. Não posso, mesmo.
— Bem, senhor, não creio que possa fazer muita coisa, mas vou tentar.
— Isso, meu rapaz. Estou contando com você. Não o venderia por tão pouco, mas, bem, a comida está escassa. Sabe como é.
— Sim, senhor — disse o Rei, educadamente. — Vou tentar, mas temo não conseguir que suba muito o preço. Disse que os chineses não estão comprando como antes. Mas farei o possível.
Grey notara Torusumi patrulhando o campo, e sabia que logo chegaria a hora. Esperara muito, e agora estava na hora. Levantou-se e saiu da choça, ajeitando a braçadeira, endireitando o chapéu. Não havia necessidade de testemunhas, a palavra dele bastava. Portanto, foi sozinho.
Seu coração batia agradavelmente. Sempre batia assim, quando ia fazer uma prisão. Atravessou a fila de choças, desceu os degraus e entrou na rua principal. Este era o caminho mais longo. Escolheu-o deliberadamente, pois sabia que o Rei postava vigias quando estava negociando. Mas conhecia as posições deles. E sabia que havia um caminho, através do campo de minas humano.
— Grey!
Olhou na direção do chamado. O Coronel Samson vinha-se aproximando.
— Sim, senhor.
— Ah, Grey, prazer em vê-lo. Como vão indo as coisas?
— Bem, obrigado, senhor — replicou, surpreso por ser cumprimentado de modo tão amistoso. A despeito da pressa em se afastar, não deixou de se sentir muito satisfeito.
O Coronel Samson tinha um lugar especial no futuro de Grey. Samson era Autoridade, mas Autoridade com A maiúsculo. Ministério da Guerra. E com excelentes ligações. Um homem assim seria muitíssimo útil... mais tarde. Samson pertencia ao Estado-Maior do Extremo Oriente e tinha uma função vaga mas importante dentro do Gabinete. Conhecia todos os generais e contava como os recebia socialmente, na sua casa de campo, em Dorset, e como a pequena nobreza comparecia, e as festas ao ar livre e os bailes e caçadas que organizava. Um homem como Samson podia muito bem equilibrar a balança contra a folha de serviços falha de Grey. E a sua classe.
— Queria falar com você, Grey — dizia Samson. — Tenho uma idéia que você talvez ache que valha a pena desenvolver. Sabe que estou compilando a história oficial da campanha. Claro — acrescentou com bom humor — ainda não é a oficial, mas quem sabe será. O General Sonny Wilkinson é o historiador do Ministério da Guerra, como sabe, e estou certo que Sonny se interessará por uma versão in loco. Será que você estaria interessado em verificar alguns dados para mim? Sobre o seu regimento?
Será que estaria, pensou Grey. Ora! Daria qualquer coisa para fazê-lo! Mas não agora.
— Adoraria fazê-lo, senhor. Sinto-me lisonjeado que queira considerar minhas opiniões. Será que amanhã está bem? Depois do café.
— Oh! — exclamou Samson. — Pensei que poderíamos conversar um pouquinho agora. Bem, quem sabe outro dia. Eu o avisarei...
E Grey compreendeu instintivamente que era agora ou nunca. Samson nunca falara muito com ele antes. Quem sabe, pensou desesperadamente, quem sabe posso dar-lhe o bastante para um começo, e ainda assim pegar aqueles dois. Às vezes, as negociações levavam horas. Vale a pena arriscar!
— Pode ser agora, se quiser, senhor. Mas só um pouquinho, se não se importa. Estou com uma ponta de dor de cabeça. Alguns minutos, se não se importa.
— Ótimo. — O Coronel Samson estava muito contente. Tomou o braço de Grey e levou-o de volta para a choça. — Sabe, Grey, seu regimento era um dos meus favoritos. Fez um belo trabalho. Você foi mencionado nos despachos, não foi? Em Kota Bharu?
— Não, senhor. — Por Deus, devia ter imaginado. — Não houve tempo de requisitar condecorações. Não que eu as merecesse mais do que qualquer outro.
Falava a sério. Muitos dos homens mereciam a Cruz da Vitória, e no entanto não receberiam nem uma menção. Não agora.
— Nunca se sabe, Grey — falou Samson. — Talvez, depois da guerra, possamos rever muitas coisas. — Fez Grey sentar-se. — Diga-me, qual era o estado das linhas de batalha, quando você chegou a Cingapura?
— Lamento dizer ao meu amigo — falou Peter Marlowe, em nome do Rei — que o miserável dono deste relógio riu de mim. Disse que o mínimo que aceitaria seriam dois mil e seiscentos dólares. Sinto-me envergonhado de dizer-vos, mas como sois meu amigo, faz-se necessário que o diga.
Torusumi ficou obviamente vexado. Por intermédio de Peter Marlowe, falaram do clima e da falta de comida, e Torusumi lhes mostrou uma foto gasta e vincada da mulher e dos três filhos, e contou-lhes um pouco de sua vida na aldeia dos arredores de Seul, como ganhava a vida como fazendeiro, embora tivesse um diploma universitário, e como odiava a guerra. Contou-lhes como odiava os japoneses, como todos os coreanos odiavam os seus senhores japoneses. Os coreanos nem podem entrar no Exército japonês, falou. São cidadãos de segunda classe e não têm voz ativa em nada, e podem ser chutados daqui para lá, segundo os caprichos do mais inferior dos japoneses.
E assim, ficaram conversando até que, finalmente, Torusumi se levantou. Pegou o fuzil com Peter Marlowe, que o segurara o tempo todo, obcecado pela idéia de que estava carregado e de como seria fácil matar. Mas. por que motivo? E o que aconteceria depois?
— Direi ao meu amigo uma última coisa, por que não gosto de ver-vos de mãos vazias, sem lucro, nesta noite fedorenta, e gostaria que consultásseis o dono ganancioso deste relógio miserável. Dois mil e cem dólares!
— Mas, com todo o respeito, devo lembrar ao meu amigo que o miserável dono, que é Coronel, e como tal, um homem sem humor, falou que só aceitaria dois mil e seiscentos. Sei que não gostaríeis que ele cuspisse em mim.