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— É verdade. Mas, deferentemente, sugiro que pelo menos lhe deis a oportunidade de recusar uma última oferta, dada por amizade verdadeira, e na qual eu próprio não terei lucro. E talvez lhe deis uma oportunidade de se retratar por sua grosseria.

— Tentarei, porque sois meu amigo.

O Rei deixou Peter Marlowe e o coreano. O tempo foi passando, e eles esperando. Peter Marlowe escutou a história de como Torusumi foi forçado a se alistar, e de como não tinha estômago para a guerra.

E então o Rei saltou pela janela.

— O homem é um porco, um sacana sem honra. Cuspiu em mim e disse que contaria a todos que sou mau negociante, que me poria na cadeia antes de aceitar menos de dois mil e quatrocentos...

Torusumi esbravejou e ameaçou. O Rei ficou sentado, quietinho, pensando, Jesus, perdi a minha bossa, fui longe demais desta vez, e Peter Marlowe pensou, Santo Cristo, por que, diabo, fui meter-me nisso?

— Dois mil e duzentos — cuspiu Torusumi.

O Rei deu de ombros, desanimado, derrotado.

— Diga-lhe que está bem — resmungou para Peter Marlowe. — Ele é durão demais para mim. Diga-lhe que terei que desistir do raio da minha comissão para compensar a diferença. O filho da puta não vai aceitar nem um centavo a menos. Mas que diabo, onde fica o meu lucro nisso tudo?

— Sois um homem de ferro — disse Peter Marlowe, em nome do Rei. — Direi ao miserável dono Coronel que vai ter o seu preço, mas para isso terei que desistir da minha comissão para compensar a diferença entre o preço que ofereceis e o preço que ele, homem miserável, aceitará. Mas onde fica o meu lucro, nisso tudo? Negociar é uma coisa honrosa, mas mesmo entre amigos deve haver lucro de ambos os lados.

— Porque sois meu amigo, acrescentarei cem dólares. Assim, não ficareis desmoralizado, e da próxima vez não precisareis aceitar a mercadoria de um freguês tão avarento e miserável.

— Agradeço-vos. Sois mais esperto do que eu.

O Rei entregou o relógio no seu estojinho acamurçado e contou o dinheiro do bolo enorme de notas novinhas. Dois mil e duzenros dólares formavam uma bela pilha. A seguir, Torusumi entregou os outros 100. Sorrindo. Passara a perna no Rei, cuja reputação como astuto comerciante era conhecida de todos os guardas. Podia vender o Omega facilmente por 5.000 dólares. Bem, pelo menos por 3.500. Não era um lucro ruim, por uma noite de guarda.

Torusumi deixou o maço aberto de Kooas e um outro maço cheio como compensação pelo mau negócio que o Rei fechara. Afinal, pensou, temos uma longa guerra pela frente, e os negócios vão bem. E se a guerra for curta... bem. seja como for, o Rei seria um aliado útil.

— Saiu-se muito bem, Peter.

— Pensei que ele ia explodir.

— Eu também. Fique à vontade, já volto.

O Rei encontrou Prouty ainda nas sombras. Deu-lhe 900 dólares, quantia que o infeliz Coronel tivera que aceitar, relutantemente, e pegou sua comissão de 90 dólares.

— As coisas estão ficando mais difíceis a cada dia que passa — comentou o Rei.

Estão mesmo, seu filho da mãe, pensou Prouty consigo mesmo. Contudo, 810 não era tão pouco assim, por um Omega fajuto. Riu consigo mesmo: passara a perna no Rei.

— Estou terrivelmente desapontado, Cabo. Era a última coisa que possuía. — Vejamos, pensou, satisfeito, levaremos duas semanas para aprontar um outro. Timsen, o australiano, pode cuidar da venda seguinte.

De repente, Prouty viu Grey que se aproximava. Meteu-se no labirinto das choças, confundindo-se com as sombras, em segurança. O Rei pulou uma janela, para dentro da choça americana, e entrou no jogo de pôquer, sibilando para Peter Marlowe:

— Pegue as cartas, pelo amor de Deus.

Os dois homens cujos lugares ocuparam ficaram calmamente peruando o jogo, e viram o Rei distribuir o monte de notas, até que houvesse uma pilha pequena diante de cada homem, e então Grey chegou à porta.

Ninguém prestou atenção nele até o Rei erguer os olhos, amavelmente.

— Boa-noite. Senhor.

— Boa-noite. — O suor escorria pelo rosto de Grey. — Quanto dinheiro! — Mãe de Deus, nunca vi tanto dinheiro na vida. Não num só lugar. E o que não faria com só um pouquinho dele.

— Gostamos de jogar, senhor.

Grey virou-se e sumiu na noite. Maldito Samson, que fosse para o inferno!

Os homens jogaram algumas rodadas até que foi dado o sinal de “tudo-em-paz”. Então o Rei pegou o dinheiro, não sem dar uma nota de 10 a cada homem, e eles agradeceram em coro. Deu a Dino 10 dólares para cada vigia lá fora, fez um sinal de cabeça para Peter Marlowe, e os dois juntos foram para o seu canto da cabana.

— Merecemos uma xícara de café. — O Rei estava um pouco cansado. O esforço de se manter no topo era desgastante. Esticou-se na cama, e Peter Marlowe fez o café.

— Acho que não lhe trouxe muita sorte — falou Peter Marlowe, suavemente.

— Como?

— A venda. Não foi muito boa, não é? O Rei deu uma gargalhada.

— Tudo de acordo com o planejado. Tome — disse, destacando 110 dólares do bolo e dando-os a Peter Marlowe. — Está-me devendo dois mangos.

— Dois mangos? — Olhou para o dinheiro. — Para que é isso?

— É a sua comissão.

— Porquê?

— Ora essa, não acha que ia botá-lo para trabalhar de graça, acha? O que pensa que sou?

— Falei que teria prazer em fazê-lo. Não mereço nada somente por servir de intérprete.

— Está maluco. Cento e oito mangos — dez por cento. Não é esmola. É seu. Fez jus a ele.

— É você que está maluco. Como é que posso ganhar cento e oito dólares de uma venda de dois mil e duzentos, quando esse foi o preço total e não houve lucro? Não vou ficar com o dinheiro que ele lhe deu.

— Não tem bom uso para ele? Você, Mac ou Larkin?

— Claro que sim. Mas isso não é justo. E não entendo por que cento e oito dólares.

— Peter, não sei como sobreviveu nesse mundo, até agora. Olhe, vou explicar-lhe direitinho: ganhei mil e oitenta dólares nesse negócio; dez por cento são cento e oito; cento e dez menos dois são cento e oito; dei-lhe cento e dez dólares. Você agora me deve dois dólares.

— Mas que diabo, como ganhou tudo isso se...

— Vou contar-lhe. Lição número um no comércio: compra-se barato e vende-se caro, se for possível. Veja essa noite, por exemplo.

O Rei explicou todo contente como passara a perna em Prouty. Quando acabou, Peter Marlowe ficou calado por muito tempo. Depois, disse:

— Parece... bem, parece desonesto.

— Não há nada de desonesto nisso, Peter. Todos os negócios baseiam-se na teoria de que você tem que vender mais caro do que comprou... ou entra pelo cano.

— Sei. Mas sua margem de lucro não está... um pouco alta?

— Porra, não. Todos sabíamos que o relógio era fajuto. Exceto Torusumi. Não se importa de sacaneá-lo, não é? Embora ele possa passá-lo adiante com facilidade para um chinês, e com lucro.

— Acho que não.

— Certo. Veja o Prouty. Estava vendendo mercadoria falsa. Talvez a tenha roubado, raios, não sei. Mas obteve um mau preço porque foi um mau comerciante. Se tivesse tido o peito de pegar o relógio de volta e descer a rua, eu teria ido atrás dele e aumentado o preço. Podia ter barganhado comigo. Está pouco se lixando se der galho com o relógio. Parte do negócio é que sempre protejo meus fregueses... portanto, Prouty está seguro, e sabe disso... enquanto eu posso estar-me metendo numa fria.

— O que vai fazer quando Torusumi descobrir e voltar?

— Ele voltará — sorriu o Rei, de repente, e o calor do seu sorriso era uma alegria de se ver — mas não para dar berros. Que diabo, se fizesse isso, estaria desmoralizado. Jamais admitiria que eu lhe houvesse passado a perna numa transação. Ora, os colegas gozariam loucamente com a cara dele, se eu espalhasse a história. Vai voltar, sem dúvida, mas para tentar lograr-me da próxima vez.