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O rosto de Sutra se enrugou. Muito bem dito. Assim, aceitou o elogio e disse, simplesmente:

— Um ditado sábio. Talvez, futuramente, os olhos possam ter fome de novo. Precisamos discutir a sabedoria dos antigos numa outra oportunidade.

— Que cara de convencido é essa, Peter?

— Não estou com cara de convencido, apenas satisfeito comigo mesmo. Estava dizendo a ele que achávamos a sua garota bonita.

— E é! Uma uva! Que tal convidá-la para tomar café conosco?

— Pelo amor de Deus. — Peter tentou manter a voz calma. — Você não pode simplesmente marcar um programa, desse jeito. É preciso levar tempo, ir aos poucos.

— Porra, este não é o jeito americano. Você conhece uma dona, gosta dela e ela de você, e vão para a cama.

— Você não tem finura.

— Pode ser. Mas tenho mulher às pampas.

Eles riram, e Cheng San perguntou qual fora a piada, e Peter Marlowe lhes contou que o Rei dissera: “Deveríamos abrir uma loja na aldeia e nem pensar em voltar para o campo.”

Depois de terem tomado o café, Cheng San deu o primeiro passo.

— Imagino que é arriscado vir do campo, à noite. Mais arriscado do que a minha vinda aqui para a aldeia.

O primeiro roundé nosso, pensou Peter Marlowe. Segundo o estilo oriental, Cheng San estava em desvantagem, pois se desmoralizara ao dar o primeiro passo. Virou-se para o Rei.

— Muito bem, Rajá. Pode começar. Já ganhamos um ponto.

— Foi?

— Foi. O que quer que eu lhe diga?

— Diga-lhe que tenho um grande negócio. Um diamante. Quatro quilates. Engastado em platina. Perfeito, branco-azulado. Quero trinta e cinco mil dólares por ele. Cinco mil dólares malaios britânicos, o resto em dinheiro japonês falsificado.

Os olhos de Peter Marlowe se arregalaram. Estava de frente para o Rei, portanto sua surpresa não foi aparente para o chinês. Mas Sutra a notou. Como não era parte do negócio, simplesmente ganhava uma porcentagem como intermediário, recostou-se para assistir aos golpes e contragolpes. Não havia necessidade de se preocupar com Cheng San — Sutra sabia, à própria custa, que o chinês podia cuidar-se muito bem.

Peter Marlowe traduziu. A enormidade da transação cobriria qualquer lapso de boas maneiras. E ele queria dar uma sacudidela no chinês.

Cheng San, pegado de surpresa, ficou palpavelmente interessado. Pediu para ver o diamante.

— Diga-lhe que não está comigo. Diga-lhe que farei a entrega em dez dias. Diga-lhe que preciso ter o dinheiro comigo três dias antes da entrega, porque o dono só o soltará depois que tiver o dinheiro.

Cheng San sabia que o Rei era um negociante honesto. Se dizia que tinha o anel e o entregaria, então o faria. Sempre fizera. Mas arranjar uma tal quantia e deixá-la entrar no campo, onde nunca podia saber onde o Rei se encontrava... bem, era um risco enorme.

— Quando poderei ver o anel? — perguntou.

— Diga-lhe, que, se quiser, pode vir ao campo, em sete dias.

Quer dizer que devo entregar o dinheiro sem sequer ter visto o diamante!, pensou Cheng San. Impossível, e o Tuan Rajá sabe disso. Negócio muito ruim. Se realmente for de quatro quilates, posso obter 50... 100.000 dólares por ele. Afinal de contas, conheço o chinês dono da máquina que imprime o dinheiro. Mas os 5.000 em dólares malaios britânicos... isso já é outra história. Teria que comprá-los no mercado negro. E a que taxa? Seis para um seria caro, 20 para um, barato.

— Diga ao meu amigo o Rajá — falou — que este é um estranho acordo comercial. Sendo assim, preciso pensar, por mais tempo do que é costume um homem de negócios pensar.

Foi até a janela e ficou olhando para fora.

Cheng San estava cansado da guerra e das maquinações escusas que um comerciante tinha que suportar para ter lucro. Pensou na noite e nas estrelas e na estupidez do homem, lutando e morrendo por coisas que não teriam valor permanente. Ao mesmo tempo, sabia que os fortes sobrevivem e os fracos perecem. Pensou na mulher e nos filhos, três homens e uma mulher, e nas coisas que gostaria de comprar para dar-lhes conforto. Pensou também na segunda mulher que gostaria de comprar. De um jeito ou de outro, tinha que fechar este negócio. E valia o risco de ter que confiar no Rei.

O preço é justo, raciocinou. Mas como salvaguadar o dinheiro? Achar um intermediário em quem pudesse confiar. Teria que ser um dos guardas. O guarda poderia ver o anel. Poderia entregar o dinheiro se o anel fosse de verdade e o peso correto. E depois o Tuan Rajá poderia fazer a entrega, aqui na aldeia. Não havia necessidade de confiar no guarda para pegar o anel e passá-lo às suas mãos. Como confiar num guarda?

Quem sabe poderíamos inventar uma história... que o dinheiro era um empréstimo ao campo dado pelos chineses de Cingapura... não, não servia, pois o guarda teria que ver o anel. Assim, o guarda teria que estar completamente “por dentro”. E esperaria uma gratificação substancial.

Cheng San voltou-se para o Rei. Notou que o Rei suava muito. Ah, pensou, quer desesperadamente vender! Mas talvez saiba que quero desesperada-mente comprar. Você e eu somos os únicos em condições de fechar um tal negócio. Ninguém tem fama de comerciante honesto como você... e ninguém salvo eu, entre todos os chineses que negociam com o campo, é capaz de entregar uma quantia tão grande.

— Bem, Tuan Marlowe. Tenho um plano que talvez proteja tanto ao meu amigo o Rajá quanto a mim mesmo. Primeiro, concordamos com um preço. O preço mencionado é alto demais, mas isso não interessa, no momento. Segundo, concordamos com um intermediário, um guarda em quem ambos possamos confiar. Dentro de dez dias, darei a metade do dinheiro ao guarda, que examinará o anel. Se for mesmo o que o dono diz que é, ele passará o dinheiro às mãos do meu amigo o Rajá. Este fará a entrega aqui, a mim. Trarei um perito para pesar a pedra. A seguir, pagarei a outra metade do dinheiro, e levarei a pedra.

O Rei prestou muita atenção enquanto Peter Marlowe traduzia.

— Diga-lhe que está bem. Mas tenho que ter o preço integral. O sujeito não entregará o anel sem a grana nas mãos.

— Então, diga ao meu amigo o Rajá que darei ao guarda três quartos do preço combinado para ajudá-lo a negociar com o dono.

Cheng San achava que 75% certamente cobririam a quantia paga ao dono. O Rei estaria meramente jogando com seu lucro, pois sem dúvida era um negociante suficientemente bom para obter uma comissão de 25%.

O Rei já contava com os três quartos; aquilo lhe daria dinheiro de sobra para manobrar. Quem sabe poderia abater alguns dólares do preço inicial pedido pelo dono, 19.500. É, até o momento, ia tudo bem. Agora, vamos ao principal.

— Diga-lhe que está bem. Quem ele sugere que seja o intermediário?

— Torusumi.

O Rei sacudiu a cabeça. Pensou por um momento, depois disse, diretamente para Cheng San:

— Que tal Immuri?

— Diga ao meu amigo que prefiro outro. Quem sabe Kimina?

O Rei soltou um assobio. Um Cabo! Nunca negociara com ele. Perigoso demais. Tem que ser alguém que eu conheça.

— Shagata-san?

Cheng San concordou. Este era o homem que queria, mas não queria sugerir seu nome. Queria ver quem o Rei queria... Uma verificação final da honestidade do Rei.

É, o Shagata era uma boa escolha. Não inteligente demais, mas inteligente o bastante. Já lidara com ele anteriormente. Ótimo.

— Agora, quanto ao preço — disse Cheng San. — Sugiro que o discutamos. Quatro mil dólares falsificados por quilate. Totaclass="underline" dezesseis mil. Quatro mil em dólares malaios à taxa de quinze por um.