— O.K. Só isso?
— Não. — Disse-lhe a senha e onde encontrar o Major Barry, depois Tex seguiu seu caminho, e o Rei se refestelou. No todo, o dia fora muito lucrativo.
Grey atravessou rapidamente a trilha de chão batido e subiu os degraus da Choça 16. Era quase na hora do almoço, e ele estava morto de fome.
Os homens já estavam formando uma fila, impacientes para receber a comida. Rapidamente, Grey foi até sua cama, pegou as duas latas de rancho, a caneca, a colher e o garfo e entrou na fila.
— Por que ela ainda não chegou? — perguntou, cansadamente, ao homem que estava na sua frente.
— E eu lá sei? — retrucou Dave Daven, secamente. O sotaque dele era de um colégio exclusivo — Eton, Harrow ou Charterhouse — e era alto como bambu.
— Só estava perguntando — disse Grey, irritado, desprezando Daven por seu sotaque e berço.
Depois de esperarem durante uma hora, a comida chegou. Um homem levou dois recipientes até o começo da fila, e os pousou no chão. Os recipientes antigamente continham cinco galões de gasolina de alta octanagem. Agora, um deles estava cheio até a metade de arroz seco, translúcido. O outro estava cheio de sopa.
A sopa de hoje era de tubarão... pelo menos, um tubarão fora dividido, grama por grama, em sopa para 10.000 homens. Estava morna e tinha um leve gosto de peixe, e nela havia pedaços de berinjela e repolho, 45 quilos para 10.000. O grosso da sopa era feito de folhas, vermelhas e verdes, amargas mas nutritivas, plantadas com tanto carinho e cuidado nas hortas do campo. Era temperada com sal e pó de carril e pimenta-malagueta.
Em silêncio, cada homem se adiantava na sua vez, observando servirem o homem à sua frente e o homem às suas costas, comparando as porções deles com a que recebia. Mas agora, depois de três anos, as porções eram todas iguais.
Uma xícara de sopa por cabeça.
O arroz fumegava ao ser servido. Hoje serviam arroz de Java, bem solto, o melhor do mundo. Uma xícara por cabeça.
Uma caneca de chá.
Cada homem se afastava com sua ração, e comia silenciosa e rapidamente, numa agonia exótica. Os gorgulhos do arroz eram um alimento adicional, e o inseto ou o verme da sopa eram retirados sem raiva, caso fossem vistos. Mas a maioria dos homens nem prestava atenção na sopa, após o primeiro rápido olhar, para ver se havia nela um pedaço de peixe.
Naquele dia, sobrou um pouco depois de todos terem sido servidos, e verificou-se a lista, e os três homens que a encabeçavam receberam a sobra e agradeceram pelo dia. E então a comida acabou e o almoço acabou, e o jantar era ao pôr-do-sol.
Mas embora houvesse apenas sopa e arroz, aqui e ali no campo de concentração um homem podia ter um pedaço de coco, ou meia banana, ou um pedaço de sardinha, ou um filete de carne salgada ou até mesmo um ovo para misturar ao arroz. Um ovo inteiro era coisa rara. Uma vez por semana, se as galinhas do campo botassem ovo conforme o planejado, cada homem recebia um ovo. Era um grande dia. Alguns homens recebiam um ovo por dia, mas ninguém queria ser um dos poucos contemplados.
— Ei, escutem aqui, homens! — O Capitão Spence estava no centro da choça, mas sua voz podia ser ouvida do lado de fora. Ele era o oficial da semana, o ajudante da choça, um homem pequeno e moreno com feições retorcidas. Esperou até que todos tivessem vindo para dentro.
— Temos que fornecer mais dez caras para o destacamento do bosque, amanhã. — Verificou sua lista, chamou os nomes, depois ergueu os olhos.
— Marlowe? — Não houve resposta. — Alguém sabe onde anda o Marlowe?
— Acho que está com a unidade dele — respondeu Ewart.
— Diga-lhe que está destacado para o grupo de trabalho na pista de pouso, amanhã, está bem?
— Certo.
Spence começou a tossir. A asma dele estava bem ruinzinha, hoje, e depois que os espasmos passaram, continuou:
— O Comandante do Campo teve outra entrevista com o General japonês, hoje de manhã. Pediu rações maiores e suprimentos médicos. — Pigarreou um pouco, no silêncio momentâneo. Depois continuou, com voz inexpressiva. — Recebeu o fora de costume. A ração de arroz permanece cento e vinte e cinco gramas por homem, diariamente. — Spence olhou para as portas, verificando que os dois vigias estavam em posição. Depois, baixou a voz, e todos os homens escutaram com atenção. — Os Aliados estão a uns cem quilômetros de Mandalay, e ainda prosseguindo firme. Estão botando os japoneses para correr. Os Aliados ainda estão lutando na Bélgica, mas o tempo está péssimo. Tempestades de neve. No front oriental, a mesma coisa, mas os russos estão mandando brasa, e esperam tomar Krakov nos próximos dias. Os ianques estão se saindo bem em Manila. Estão perto de... — hesitou, tentando recordar o nome — acho que é do Rio Agno, em Luzon. É só. Mas é bom.
Spence estava contente por esta parte ter acabado. Decorava as notícias diariamente na reunião dos ajudantes das choças, e cada vez que se levantava para repeti-las em público, suava gelado e sentia um vazio no estômago. Um dia desses um delator poderia dedurá-lo e dizer ao inimigo que ele era um dos homens que davam as notícias, e Spence sabia que não era forte o bastante para ficar calado. Ou então, um dia desses um japonês poderia ouvi-lo contando para os outros, e então, então...
— É só isso, pessoal. — Spence foi até o seu catre, nauseado até a alma. Tirou a calça e saiu da choça com uma toalha jogada sobre o braço.
O Sol estava muito forte. Duas horas ainda, até a chegada da chuva. Spence atravessou a rua asfaltada e entrou na fila para tomar uma chuveirada. Ele sempre tinha que tomar uma chuveirada depois das notícias, para tirar o fedor acre de suor do corpo.
— Que tal, meu chapa? — perguntou Tinker.
O Rei olhou para as unhas. Estavam bem manicuradas. Sentia o rosto esticado pelas toalhas quentes e frias, e cheiroso de loção.
— Formidável — disse, enquanto pagava. — Obrigado, Tink. — Saiu da cadeira, botou o chapéu e fez um sinal de cabeça para Tinker e para o Coronel que esperava, pacientemente, sua vez de cortar o cabelo.
Os dois homens ficaram olhando para sua figura que se afastava.
O Rei percorreu a trilha de novo, andar animado, passando pelas cabanas agrupadas, indo para casa. Estava com uma sensação agradável de fome.
A choça americana ficava separada das demais, perto o bastante dos muros para partilhar da sombra da tarde, perto o bastante da trilha circundante que era o fluxo vital do campo, e perto o bastante da cerca. Era perfeito. O Capitão Brough, da Força Aérea Americana, o oficial americano mais antigo, insistira que os soldados americanos tivessem sua própria choça. A maioria dos oficiais americanos teria preferido mudar-se para lá, também — era difícil para eles viverem entre estrangeiros — mas isso não era permitido, pois os japoneses haviam ordenado que os oficiais fossem separados dos soldados. As outras nacionalidades achavam duro engolir isso, os australianos menos do que os ingleses.
O Rei pensava no diamante. Não seria fácil fazer esse negócio, mas ele tinha que fazê-lo. E então, enquanto se acercava da choça, reparou num jovem agachado ao lado da trilha, falando rapidamente em malaio com um nativo. A pele do homem estava bem queimada, e os músculos apareciam sob a pele. Ombros largos. Quadris estreitos. O homem usava apenas um sarongue, que ficava muito bem nele. Seu rosto era irregular, e embora tivesse a magreza típica de Changi, seus movimentos eram graciosos, e ele tinha vida.
O malaio — moreno-escuro, minúsculo — escutava atentamente o que o outro dizia; depois riu, deixando à mostra dentes estragados pela noz-de-areça, e respondeu, acentuando o idioma melodioso com um gesto da mão. O homem riu também, e interrompeu-o com um jorro de palavras, indiferente ao olhar fixo do Rei.