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Foi então que viu Peter Marlowe e o Rei junto à porta lateral. Desceu correndo a escada.

— Marlowe! Tem que me ajudar!

— O que foi?

— É o Sean, está tendo um chilique — falou Rodrick, ofegante. — Recusa-se a entrar em cena. Quer dar uma palavrinha com ele? Por favor. Não consigo nada dele. Por favor. Fale com ele, sim?

— Mas...

— Não vai demorar um segundo — interrompeu Rodrick. — Você é a minha última esperança. Por favor. Há semanas que ando preocupado com Sean. Seu papel já é bem difícil para uma mulher representar, que dirá... — Deteve-se, depois continuou, debilmente: — Por favor, Marlowe, temo por ele. Você nos prestaria a todos um grande serviço.

— Está bem — disse Peter Marlowe, hesitante.

— Nem sei como lhe agradecer, meu velho. — Rodrick enxugou a testa e foi abrindo caminho por entre o pandemônio até os fundos do teatro, Peter Marlowe seguindo-o, relutante. O Rei ia junto, distraído, ainda se concentrando em como, onde e quando tentar a fuga. Ficaram parados no pequeno corredor. Constrangido, Peter Marlowe bateu à porta.

— Sou eu, Peter. Posso entrar, Sean?

Sean ouviu-o em meio à névoa de terror que o envolvia, com a cabeça largada em cima dos braços, diante da penteadeira.

— Sou eu, Peter. Posso entrar?

Sean levantou-se, as lágrimas manchando a maquiagem, e destrancou a porta. Peter Marlowe entrou, hesitante, no camarim. Sean fechou a porta.

— Ah, Peter, não posso entrar em cena. Não agüento mais, cheguei ao fim — dizia Sean, desolado. — Não posso fingir mais, não dá mais. Estou perdido, perdido, Deus me ajude! — Enterrou o rosto nas mãos. — O que vou fazer? Não dá mais para agüentar. Não sou nada. Nada!

— Tudo bem, Sean, amigão — dizia Peter Marlowe, cheio de pena. — Não precisa preocupar-se. Você é muito importante. A pessoa mais importante do campo, se quer saber a verdade.

— Queria estar morto.

— Isso é fácil demais.

Sean virou-se e olhou para ele.

— Olhe para mim, pelo amor Deus! O que sou? Em nome de Deus, o que sou?

Mesmo a contragosto, Peter Marlowe só podia enxergar uma moça, uma moça num tormento patético. E a moça usava saia branca e saltos altos, e suas longas pernas estavam envoltas em meias de seda, e por baixo de sua blusa notava-se o contorno dos seios.

— Você é uma mulher, Sean — disse, igualmente desolado. — Sabe lá Deus como... ou por quê... mas é.

E então o terror, o tormento e o ódio de si mesmo abandonaram Sean.

— Obrigado, Peter — falou Sean. — Obrigado de todo o coração. Houve uma tênue batida na porta.

— Começamos daqui a dois minutos — chamou Frank, ansioso, do outro lado. — Posso entrar?

— Só um segundo. — Sean foi até a penteadeira, secou as manchas de lágrimas, refez a maquiagem e fitou seu reflexo no espelho. — Pode entrar, Frank.

Ao ver Sean, Frank ficou sem fôlego, como sempre.

— Está uma beleza! — exclamou. — Tudo bem?

— Tudo. Acho que banquei o idiota. Desculpe.

— É só excesso de trabalho — disse Frank, disfarçando a preocupação. Lançou um olhar para Peter Marlowe. — Alô, prazer em vê-lo.

— Obrigado.

— É melhor ir aprontar-se, Frank — disse Sean. — Já estou bem, agora.

Frank sentiu aquele sorriso feminino, bem dentro de si, e automaticamente caiu no esquema que ele e Rodrick tinham criado há três anos, e do qual se arrependiam amargamente, desde então.

— Vai sair-se maravilhosamente, Betty — falou, abraçando Sean. — Estou orgulhoso de você.

Mas agora, ao contrário das outras inúmeras vezes, subitamente eles eram homem e mulher, e Sean relaxou o corpo contra o dele, necessitando-o com cada molécula do seu ser. E Frank o percebeu.

— Vamos entrar em cena daqui a um minuto — gaguejou, abalado pela força inesperada dos seus próprios desejos. — Tenho... tenho que ir aprontar-me. — E foi embora.

— Bem, acho melhor voltar para o meu lugar — disse Peter Marlowe, profundamente perturbado. Pressentira, mais do que vira, a fagulha entre os outros dois.

— Sim — replicou Sean, mas mal notava Peter Marlowe.

Uma última espiada na maquiagem e depois Sean esperava sua deixa, nas coxias. O êxtase aterrorizado de costume. Depois, Sean pisou no palco e tornou-se. Os vivas, o assombro e a lúxuria derramavam-se sobre ela... olhos seguiam-na enquanto se sentava e cruzava as pernas, enquanto ela andava e falava... olhos que a buscavam, que a tocavam, que a devoravam. Juntos, ela e os olhos tornaram-se um só.

— Major — quis saber Peter Marlowe, enquanto ele, o Rei e Rodrick assistiam à peça das coxias — que história é essa de Betty?

— Ah, é parte de toda a sujeira — replicou Rodrick, com ar infeliz. — Este é o nome do personagem que Sean representa esta semana. Nós... Franke eu... sempre chamamos Sean pelo nome do seu personagem.

— Por quê? — quis saber o Rei.

— Para ajudá-lo. Ajudá-lo a entrar na pele do personagem. — Rodrick voltou a olhar para o palco, esperando sua deixa. — Tudo começou como um jogo — explicou, amargamente — agora é uma piada maldita. Nós criamos aquele... aquela mulher... Deus tenha piedade de nós.

— Por quê? — perguntou Peter Marlowe, devagar.

— Bem, você lembra como era duro em Java. — Rodrick olhou para o Rei. — Como era ator antes da guerra, deram-me a incumbência de começar a fazer teatro no campo. — Deixou o olhar voltar para o palco, para Frank e Sean. Havia algo estranho hoje com aqueles dois, pensou. Examinou suas atuações criticamente, e viu que estavam inspirados. — Frank era o único outro profissional no campo, portanto começamos a organizar a montagem de espetáculos. Quando chegou a hora de escolher os atores para os papéis, é claro que alguém tinha que fazer os papéis femininos. Ninguém quis ser voluntário, então as autoridades designaram dois ou três. Um deles era Sean. Ele se opôs violentamente à idéia, mas sabe como os oficiais superiores são teimosos. “Alguém tem que bancar a garota, pelo amor de Deus”, disseram-lhe. “Você é moço o bastante para se sair bem. Só faz a barba uma vez por semana. E é só vestir umas roupas durante pouco mais de uma hora. Pense no que isso fará ao moral de todos.” E não importa o quanto Sean esbravejasse, xingasse e suplicasse, não mudaram de idéia. Sean pediu-me que não o aceitasse. Bem, não é negócio trabalhar com atores que não querem cooperar, portanto tentei fazer com que o deixassem sair da companhia.

“Escutem — disse eu às autoridades — representar é um grande esforço psicológico...

“— Besteira! — disseram. — O que pode haver de mal nisso?

“— O fato de estar fazendo papel de mulher poderá afetá-lo. Se tiver a mínima inclinação para...

“— Quanta bobagem — disseram. — Vocês, gente de teatro, parece que têm idéia fixa de perversão. O Sargento Jennison? Impossível! Não há nada de errado com ele! Um piloto de caça danado de bom! Agora, escute aqui, Major. Assunto encerrado. Tem ordens de aceitá-lo e ele tem ordem de trabalhar!

“E assim Frank e eu tentamos acalmar Sean, mas ele jurava que ia ser a pior atriz do mundo, que ia fazer tudo para ser despedido depois da primeira atuação desastrosa. Dissemos a ele que para nós, tanto se nos dava. Sua primeira atuação foi terrível. Mas depois disso, não pareceu odiar tanto o trabalho. Para surpresa sua, até parecia gostar. Então, pusemos mãos à obra, de verdade. Era bom ter algo para fazer... ajudava a não pensar na merda da comida e na merda do campo. Ensinamos-lhe como uma mulher fala, anda, senta-se, fuma, bebe e se veste, e até mesmo como pensa. E então, para ajudá-lo a se adaptar melhor, começamos a brincar de faz-de-conta. Sempre que estávamos no teatro, nós nos levantávamos quando ele entrava, oferecíamos-lhe uma cadeira, sabe como é, o tratávamos como se fosse mulher de verdade. A princípio era emocionante, tentar manter a ilusão, não deixar nunca que Sean fosse visto vestindo-se ou despindo-se, fazer tudo para que as roupas dele sempre ocultassem, mas também insinuassem bastante. Conseguimos até uma permissão especial para que tivesse um quarto só para ele, com o seu próprio chuveiro.