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— Obrigado.

— Quer um cigarro?

Os olhos do homem se arregalaram ao ver o Kooa que lhe era oferecido. Hesitou, depois pegou-o. Seu espanto aumentou quando o Rei fez funcionar o Ronson, mas tentou ocultá-lo, e tragou com gosto o cigarro.

— Bom, muito bom — falou, saboreando. — Obrigado.

— Como se chama?

— Marlowe. Peter Marlowe. — Depois, acrescentou, ironicamente: — E você?

O Rei achou graça. Ótimo, pensou, o sujeito tem senso de humor, e não é nenhum puxa-saco. Arquivou a informação, depois perguntou:

— É inglês?

— Sou.

O Rei nunca notara Peter Marlowe antes, mas isso não era incomum, quando havia 10.000 rostos tão parecidos. Examinou Peter Marlowe silenciosamente, e os olhos azuis tranqüilos devolveram o exame.

— Os Kooas são os melhores cigarros por aqui — disse o Rei, finalmente. — Claro que não se comparam com os Camels. Cigarros americanos, os melhores do mundo. Já provou?

— Já — disse Peter Marlowe — mas são um pouco secos, para o meu gosto. A minha marca é Gold Flake. — A seguir, acrescentou educadamente. — Questão de gosto, suponho.

Fez-se novo silêncio, e ele aguardou que o Rei fosse direto ao assunto. Enquanto esperava, concluiu que simpatizava com o Rei, a despeito da sua reputação, e essa simpatia devia-se ao humor que rebrilhava nos seus olhos.

— Você fala malaio muito bem — disse o Rei, fazendo um sinal de cabeça para o malaio, que esperava pacientemente.

— É, acho que não falo mal.

O Rei abafou uma praga pela modéstia forçada inevitável dos ingleses.

— Aprendeu aqui? — perguntou, pacientemente.

— Não. Em Java. — Peter Marlowe hesitou e olhou ao seu redor. — Você tem uma bela moradia.

— Gosto de conforto. Que tal essa poltrona?

— Boa — replicou, demonstrando uma ponta de surpresa.

— Custou-me oitenta dólares — disse o Rei, com orgulho. — Há um ano. Peter Marlowe olhou vivamente para o Rei, para ver se aquilo era uma brincadeira, dizer-lhe o preço sem mais nem menos, mas viu apenas felicidade e orgulho evidentes. Que extraordinário, pensou, dizer uma coisa dessas a um estranho.

— É muito confortável — replicou, disfarçando o embaraço.

— Vou preparar minha bóia. Quer fazer-me companhia?

— Acabei de... almoçar — respondeu Peter Marlowe, cautelosamente.

— Provavelmente ainda tem lugar para mais comida. Quer um ovo? Agora, Peter Marlowe não podia mais esconder seu assombro, e arregalou os olhos. O Rei sorriu e achou que valia a pena tê-lo convidado para comer, só para ter uma reação daquelas. Ajoelhou-se ao lado da sua caixa preta, e destrancou-a com cuidado.

Peter Marlowe fitou o que ela continha, aparvalhado. Meia dúzia de ovos, sacos de grão de café. Vidros de gula malacca, o delicioso açúcar puxa-puxa do Oriente. Bananas. Pelo menos meio quilo de tabaco javanês. Dez ou 11 maços de Kooas. Um vidro cheio de arroz. Outro com um tipo de feijão nativo, katchang idju. Óleo. Muitas guloseimas enroladas em folhas de bananeira. Há anos que não via tantos tesouros em tais quantidades.

O Rei apanhou o óleo e dois ovos, e trancou de novo a caixa. Quando voltou a olhar para Peter Marlowe, viu que os olhos estavam novamente reservados, a fisionomia composta.

— Como quer seu ovo? Frito?

— Bem, parece-me um tanto injusto aceitar. — Peter Marlowe tinha dificuldade em falar. — Quero dizer, não se anda por aí oferecendo ovos, sem quê nem por quê.

O Rei sorriu. Era um sorriso gostoso e fez bem a Peter Marlowe.

— Nem pense nisso. Ponha na conta “das mãos estendidas sobre o mar”... empréstimos e arrendamentos.

Uma ponta de irritação apareceu no rosto do inglês, e seu queixo endureceu.

— O que foi? — perguntou o Rei, abruptamente. Depois de uma pausa, Peter Marlowe respondeu:

— Nada. — Olhou para o ovo. A sua vez de comer ovo seria daí a seis dias. — Se tem certeza que não estou abusando, gostaria dele frito.

— Já vai sair — disse o Rei. Sabia que tinha cometido algum erro, pois a irritação era real. Os estrangeiros são esquisitos, pensou. Nunca se sabe como vão reagir. Botou o fogareiro elétrico em cima da mesa e ligou-o na tomada. — Legal, não é?

— É.

— Foi o Max quem o preparou para mim — disse, fazendo um sinal para a outra extremidade da cabana.

Peter Marlowe acompanhou seu olhar.

Max ergueu os olhos, sentindo o peso dos olhares.

— Quer alguma coisa?

— Não — disse o Rei. — Só estou contando a ele como você ajeitou a fiação da chapa quente.

— Ah! Está funcionando direitinho?

— Claro.

Peter Marlowe levantou-se e debruçou-se na janela, chamando em malaio:

— Rogo-vos que não espereis. Ver-vos-ei novamente amanhã, Suliman.

— Muito bem, tuan, a paz esteja convosco.

— E convosco também. — Peter Marlowe sorriu e sentou-se novamente, e Suliman se afastou.

O Rei quebrou os ovos com cuidado e jogou-os no óleo quente. A gema era amarelo-ouro, e a massa gelatinosa à sua volta chiou e crepitou contra o calor e começou a endurecer, e de repente o frigir encheu a choça. Encheu as mentes e os corações e fez as bocas ficarem cheias d’água. Mas ninguém disse ou fez nada. Exceto Tex. Ele se forçou a levantar e sair da choça.

Muitos homens que cruzavam a trilha sentiram a fragrância e detestaram o Rei com novo vigor. O aroma desceu a ladeira e invadiu a choça da PM. Grey e Masters souberam logo de onde vinha.

Grey levantou-se, nauseado, e foi até a porta. Ia dar uma volta pelo campo, para fugir do aroma. Depois, mudou de idéia, e voltou.

— Vamos, Sargento — chamou. — Vamos fazer uma visitinha à choça americana. É uma boa hora de verificarmos a história de Sellars!

— Está bem — disse Masters, quase derrubado pelo cheiro. — O filho da mãe nojento bem que podia cozinhar antes do almoço... não logo depois... não quando ainda faltam cinco horas para o jantar.

— Os americanos hoje estão no segundo turno. Ainda não comeram.

Dentro da choça americana, os homens iam-se recompondo. Dino tentou dormir de novo, e Kurt continuou a costurar, e o jogo de pôquer prosseguiu, e Miller e Byron Jones III recomeçaram sua interminável partida de xadrez. Mas o frigir destruiu o drama de uma seqüência, e Kurt espetou o dedo e praguejou obscenamente, Dino perdeu a vontade de dormir e Byron Jones III olhou apalermado enquanto Miller tomava sua rainha com um mísero peão.

— Puta merda! — exclamou Byron Jones III, engasgado, para ninguém em especial. — Queria que chovesse.

Ninguém respondeu. Pois ninguém ouvia outra coisa senão o crepitar e o chiar.

O Rei também estava concentrado na frigideira. Orgulhava-se de que ninguém sabia preparar um ovo melhor do que ele. Para ele, um ovo frito tinha que ser preparado com olho de artista, e rapidamente... embora não depressa demais.

O Rei levantou os olhos e sorriu para Peter Marlowe, mas os olhos deste encontravam-se grudados nos ovos.

— Cristo — disse baixinho, mas era uma bênção, não um desrespeito. — Que cheiro bom.

O Rei ficou satisfeito.

— Espere até eu terminar. Vai ver o ovo mais fabuloso que jamais viu. — Polvilhou os ovos delicadamente com pimenta, depois acrescentou sal. — Gosta de cozinhar?

— Gosto — respondeu Peter Marlowe. A voz dele não se parecia com a sua voz verdadeira, aos próprios ouvidos. — Sou eu que preparo a maior parte da comida para minha unidade.

— Como gosta que o chamem? Pete? Peter?

Peter Marlowe disfarçou a surpresa. Apenas amigos antigos e de confiança chamavam a gente pelo primeiro nome... que outro modo de diferençar os amigos dos conhecidos? Olhou para o Rei e viu apenas afabilidade, e então, sem pensar, respondeu: