— Negócio fechado. A que horas?
— Fique esperando aí. Venho vê-lo, quando a barra estiver limpa. E o homem sumira, tão repentinamente quanto aparecera.
O Rei se ajeitara mais confortavelmente, gozando intimamente com a cara do Timsen. O pobre do filho da puta entrou pelo cano! Vou ficar com o anel pela metade do preço.
— Bom-dia, meu camarada — disse Timsen. — Mandou chamar-me?
O Rei abriu os olhos e cobriu um bocejo com a mão, enquanto Tiny Timsen atravessava a choça.
— Oi. — O Rei jogou as pernas para fora da cama e se espreguiçou gostosamente. — Estou cansado, hoje. Movimentação demais. Quer um ovo? Tenho dois cozinhando.
— Pode apostar que quero um ovo.
— Fique à voltade. — O Rei podia dar-se ao luxo de ser hospitaleiro. — Bem, agora vamos ao que interessa. Fechamos o negócio hoje à tarde.
— Não. — Timsen sacudiu a cabeça. — Hoje não. Amanhã.
O Rei teve que fazer um esforço para não abrir um sorriso de orelha a orelha.
— Até lá a pressão terá acabado — dizia Timsen. — Ouvi dizer que Grey saiu do hospital. Vai ficar de olho nesse lugar. — Timsen parecia preocupadíssimo. — Temos que tomar cuidado. Você e eu. Não queremos que nada saia errado. Tenho que cuidar de você, também. Não se esqueça de que somos cu-pinchas.
— O amanhã que vá para o diabo — disse o Rei, fingindo estar desapontado. — Vamos fazer a coisa hoje à tarde.
E escutou, dando gargalhadas homéricas por dentro, enquanto Timsen explicava como era importante ser cauteloso; o dono está com medo, imagine que chegou a ser espancado ontem à noite, e se não fosse eu com meus homens, o pobre infeliz entraria bem. E assim, o Rei teve a certeza de que Timsen estava sangrando por dentro, que o diamante havia escorregado de suas mãos pegajosas, que estava tentando ganhar tempo. Ora, pensou o Rei, eufórico, aposto que os australianos estão procurando o assaltante como loucos. Não gostaria de estar na pele dele... se o encontrarem. Assim, permitiu que Timsen o persuadisse. Para o caso de o Timsen achar o cara, e o negócio inicial ainda prevalecer.
— Bom, vá lá — concordou o Rei. — Suponho que você não deixe de ter certa razão. Fica para amanhã. — Acendeu outro cigarro, deu uma tragada e passou-o para o outro, dizendo docemente, ainda dentro do jogo: — Nessas noites quentes poucos dos meus rapazes dormem. Pelo menos quatro ficam acordados. A noite toda.
Timsen entendeu a ameaça. Mas tinha outras preocupações na cabeça. Pelo amor de Deus, quem emboscara o Townsend? Rezava para que seus homens encontrassem logo os veados. Sabia que precisava encontrar os assaltantes antes que levassem o diamante ao Rei, caso contrário estaria ferrado.
— Sei como é. A mesma coisa acontece com os meus rapazes... é uma sorte serem tão chegados ao meu pobre amigo Townsend. — Filho da mãe burro. Porra, mas como é que um sujeito podia ser tão fraco a ponto de se deixar assaltar e não berrar antes que fosse tarde demais? — Todo cuidado é pouco, hoje em dia.
Tex trouxe os ovos e os três homens os comeram com o arroz do almoço, junto com um bocado de café forte. Quando Tex levou os pratos para lavar, o Rei tinha conduzido a conversa para o ponto que o interessava.
— Conheço um sujeito que está querendo comprar medicamentos. Timsen sacudiu a cabeça.
— Pode esperar sentado, o infeliz. Não é possível. Nem pensar! — Ah, refletiu. Medicamentos! Para quem seriam? Não para o Rei, sem dúvida, está com cara de quem vende saúde, e também não é para revender. O Rei jamais lida com drogas e medicamentos, o que para mim é ótimo, o mercado fica nas minhas mãos. Mas deve ser para alguém ligado ao Rei, caso contrário, nunca se envolveria. Comércio de drogas e medicamentos não faz o seu gênero. O velho McCoy! Claro. Ouvi dizer que não andava muito bem, ultimamente. Quem sabe o Coronel. Também não andava com boa cara. — Ouvi falar de um inglês que tem um pouco de quinino. Mas, puta que o pariu, quer uma fortuna por ele.
— Quero um pouco de antitoxina. Um vidro. E sulfa em pó. Timsen soltou um assobio.
— Nem pensar! — falou. Antitoxina e sulfa! Gangrena! O inglês. Santo Cristo, gangrena! E tudo se encaixou direitinho. Tem que ser o inglês. Não fora apenas por astúcia que Timsen tomara conta do mercado de medicamentos. Conhecia um bocado sobre drogas, aprendera na vida civil, onde fora auxiliar de farmácia, coisa que só ele sabia, porque senão aqueles filhos da mãe o meteriam no Corpo Médico, o que significaria nada de lutar ou matar, e nenhum australiano que se desse ao respeito desapontaria seu país e a velha Inglaterra, servindo apenas como um nojento auxiliar médico, não combatente. — Nem pensar — falou de novo, sacudindo a cabeça.
— Ouça — disse o Rei. — Vou abrir o jogo com você. — Timsen era o único homem que poderia conseguir os remédios, no mundo inteiro, portanto, tinha que obter sua ajuda. — É para o Peter.
— Dureza — falou Timsen, mas morto de pena, intimamente. Pobre infeliz. Gangrena. Um bom homem, cheio de garra. Ainda sentia o soco que o inglês lhe acertara, na véspera, quando os quatro haviam caído em cima dele e do Rei.
Timsen descobrira tudo sobre Peter Marlowe, quando o Rei se tornara seu amigo. Nunca é demais ser cuidadoso, a informação é sempre importante. E Timsen sabia sobre os quatro aviões alemães, sobre os três japoneses, sobre a aldeia, e como o inglês tentara fugir de Java, não como muitos que apenas ficaram sentados humildemente, aceitando a coisa. No entanto, quando se parava para pensar, era uma cretinice tentar. Era preciso fugir para muito longe. Longe demais. É, este inglês era mesmo uma figura.
Timsen ficou pensando se deveria arriscar-se a mandar um homem ao alojamento dos médicos japoneses, para pegar as drogas. Era arriscado, mas o caminho e o alojamento já eram “manjados”. Pobre coitado do Marlowe, deveria estar doente de preocupação. Claro que vou pegar os remédios... e vai ser de graça, ou só vou cobrar as despesas.
Timsen detestava vender drogas, mas alguém tinha que fazê-lo, e antes ele do que outro qualquer, pois o preço era sempre razoável, o mais razoável possível, e sabia que podia ganhar uma fortuna vendendo para os japoneses, mas nunca o fazia, apenas para o campo, e somente por um lucro mínimo, se se levasse em conta os riscos da operação.
— Faz a gente ficar doente — falou Timsen — pensar em todos aqueles suprimentos médicos da Cruz Vermelha na Rua Kedah.
— Qual, é só boato.
— Não é, não. Eu mesmo vi, meu chapa. Eu estava num grupo de trabalho. Cheinho de material da Cruz Vermelha... plasma, quinino, sulfa... tudo, do chão até o teto, ainda nas caixas. Ora, aquele depósito deve ter quase cem metros de comprimento por trinta de largura. E tudo vai para aqueles sacanas amarelos. Eles deixam o material entrar. Ao que me consta, vem através de Chungking. A Cruz Vermelha dá para os siameses, eles entregam para os japoneses... tudo destinado aos PRISIONEIROS DE GUERRA, Changi. Cristo, eu mesmo vi as etiquetas, mas os amarelos usam tudo com seu próprio pessoal.
— Mais alguém sabe disso?
— Contei ao Coronel e ele contou ao Comandante do Campo, que contou àquele filho da mãe amarelo... como é mesmo o nome dele, ah, Yoshima... e o Comandante do Campo exigiu os medicamentos. Mas os amarelos riram na cara dele e disseram que era boato, e fim de papo. Nenhum outro grupo de trabalho foi mandado para lá. Nunca mais. Filhos da puta, nojentos. Não é justo, quando a gente precisa tanto dos remédios. Podiam dar um pouco para nós. Um amigo meu morreu faz seis meses por falta de insulina... e eu vi caixas dela. Caixas. — Timsen preparou um cigarro, tossiu e cuspiu, e estava tão furioso que chutou a parede.
Sabia que não havia vantagem em ficar aborrecido por causa disso. E não havia meio de entrar naquele depósito. Mas podia arranjar a antitoxina e a sulfa para o inglês. Puta que o pariu, claro que podia... e daria tudo, de graça para ele.
Mas Timsen era esperto demais para deixar que o Rei percebesse o que estava pensando. Seria uma criancice, deixar o Rei saber que tinha um ponto fraco, pois tão certo como a terra de Deus ser a Austrália, o Rei tiraria vantagem disso, mais cedo ou mais tarde. É, e ainda tinha que negociar o diamante com o Rei. Merda! Tinha esquecido daquele sujo da emboscada.