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Assim, Timsen deu um preço inicial extorsivo, e depois foi baixando. Mas manteve um preço alto, pois sabia que o Rei podia pagar, e se dissesse que arranjaria a mercadoria por um preço baixo, o Rei ficaria muito desconfiado.

— Está bem — concordou o Rei, mal-humorado. — Negócio fechado. -Por dentro, não estava tão mal-humorado assim. Esperara que Timsen lhe fosse tirar o couro; porém, embora o preço fosse maior do que gostaria de pagar, era um preço justo.

— Vai levar três dias — falou Timsen, sabendo que daí a três dias seria tarde demais.

— Preciso deles para hoje à noite.

— Então, vai custar mais quinhentos.

— Sou seu amigo! — falou o Rei, sofrendo de verdade. — Somos “do peito”, e você me cobra mais quinhentos!

— Está certo, camarada. — Timsen parecia um cachorrinho triste. — Mas sabe como é. Três dias é o melhor que posso fazer.

— Puta que o pariu. Está bem!

— E o enfermeiro vai custar mais quinhentos.

— Puta merda! Mas para que enfermeiro, porra? Timsen estava gostando de ver o Rei sofrer.

— Bem — falou, afavelmente — o que vai fazer com os remédios, quando estiverem em sua mão? Como vai tratar o paciente?

— E eu lá sei, porra?

— Pra isso é que são os quinhentos. Suponho que não vai entregar o material ao inglês, para ele levá-lo ao hospital e dizer ao médico mais próximo: “Tenho antitoxina e sulfa, consertem a droga do meu braço”; para o médico responder: “Não temos antitoxina, onde, diabo, foi que arranjou isso?”; e quando o inglês não quisesse dizer, os filhos da mãe tirariam os remédios dele e dariam a algum nojento Coronel inglês, com um leve caso de hemorróidas. — Tirou habilmente o maço de cigarros do bolso do Rei, e serviu-se calmamente. — E — continuou, agora falando bem sério — precisa achar um lugar onde possa tratá-lo em particular. Onde possa ficar deitado. Essas antitoxinas afetam muito alguns homens. E parte da transação é que não assumo nenhuma responsabilidade, se der galho no tratamento.

— Se tivermos a antitoxina e a sulfa, que galho pode dar?

— Há pessoas que não as suportam. Náusea. Das brabas. E talvez não funcione. Vai depender de quanta toxina já estiver no organismo dele. — Timsen se levantou. — Hoje à noite, a qualquer hora. Ah, e o equipamento vai custar-lhe mais quinhentos.

— Que equipamento, pela madrugada! — explodiu o Rei.

— Agulhas, ataduras e sabonete. Puxa vida! — Timsen estava quase revoltado. — Está pensando que a antitoxina é um supositório para enfiar no rabo dele?

O Rei fitou azedamente a figura de Timsen que se afastava, chutando-se

mentalmente. Pensou que era tão sabido, não é, descobrindo pelo preço de um cigarro o que curava a gangrena, e depois, cretino, esquece de perguntar que diabo se faz com os remédios, quando estão na sua mão.

Bem, que fosse tudo para o diabo. A grana está apalavrada, e Pete vai ter o braço de volta, e o preço não foi tão alto assim.

E então o Rei se lembrou do assaltante matreiro e sorriu de orelha a orelha. É, estava muito satisfeito com o dia de trabalho.

21

Naquela noite, Peter Marlowe ofereceu a outro o seu jantar. Não deu a Mac ou Larkin, como devia, mas a Ewart. Sabia que, se desse para sua unidade, eles o forçariam a revelar o que havia. E não havia por que contar-lhes.

À tarde, doido de dor e preocupação, fora ver o Dr. Kennedy. Novamente, quase enlouquecera de sofrimento, quando a atadura foi arrancada. E então, o médico dissera, simplesmente:

— O veneno está acima do cotovelo. Posso amputar abaixo mas é perda de tempo. É melhor logo fazer a operação toda de uma vez. Ficará com um coto de bom tamanho, a uns doze centímetros do ombro. O bastante para permitir a colocação de um braço artificial. Sem dúvida, o bastante. — Kennedy juntara os dedos, em forma de triângulo, calmamente. — Não perca mais tempo, Marlowe. — Dera uma risada seca e pilheriara: — Domara ê troppo tardi.

Quando Peter Marlowe olhara para ele, estupefato, sem entender, o médico dissera, com voz inexpressiva:

— Amanhã será tarde demais.

Peter Marlowe voltara aos tropeções para seu beliche, onde ficara deitado numa poça de medo. O jantar chegara, e dera-o ao Ewart.

— Está com febre? — perguntou Ewart, todo feliz, cheio da comida suplementar.

— Não.

— Quer que lhe arranje alguma coisa?

— Pelo amor de Deus, deixe-me em paz! — Peter Marlowe deu as costas a Ewart. Depois de algum tempo, levantou-se e saiu da choça, lamentando ter concordado em jogar bridge com Mac, Larkin e Padre Donovan, durante cerca de uma hora. Você é um idiota, disse a si mesmo, amargamente, deveria ter ficado na cama até a hora de cruzar a cerca e ir buscar o dinheiro.

Mas sabia que não poderia ficar deitado na cama, hora após hora, até ser seguro partir. Era melhor ter algo com que se ocupar.

— Oi, meu camarada! — cumprimentou Larkin, o rosto enrugado num sorriso.

Peter Marlowe não retribuiu o sorriso. Ficou sentado no vão da porta, com ar sombrio. Mac lançou um olhar a Larkin, que deu de ombros, imperceptivelmente.

— Peter — disse Mac, forçando o bom humor — as notícias estão cada dia melhores, não é? Não vai demorar muito para sairmos daqui.

— Isso mesmo! — concordou Larkin.

— Vocês estão vivendo uma fantasia. Jamais sairemos de Changi. — Peter Marlowe não queria ser bruto, mas não pôde conter-se. Sabia que Mac e Larkin tinham ficado magoados, mas não fez nada para suavizar a mágoa. Estava obcecado com o coto de 12 centímetros. Um arrepio gelado dissolveu sua espinha e penetrou nos seus testículos. Que diabo, como o Rei ia poder ajudá-lo? Como? Seja realista. Se fosse o braço do Rei... o que eu ia poder fazer, por mais que seja seu amigo? Nada. Não creio que haja nada que ele possa fazer... a tempo. É melhor enfrentar a verdade, Peter. É amputar ou morrer. Simples. E parando para pensar, a verdade é que não posso morrer. Ainda não. Uma vez que a gente nasce, tem obrigação de sobreviver, custe o que custar.

É, Peter Marlowe disse para si mesmo, o melhor é ser realista. Não há nada que o Rei possa fazer, nada. E não deveria tê-lo imprensado. O problema é seu, não dele. Vá buscar o dinheiro, e o entregue a ele; vá para o hospital, deite-se na mesa e deixe que cortem fora seu braço.

E assim, os três — Peter Marlowe, Mac e Larkin — ficaram sentados dentro da noite fétida. Calados. Quando Padre Donovan veio juntar-se a eles, forçaram-no a comer um pouco de arroz com blachang. Tiveram que forçá-lo a comer na hora, pois, se não o tivessem feito, ele daria a comida a outrem, como fazia com a maior parte de suas rações.

— São muito bons para mim — disse o Padre Donovan. Seus olhos brilharam maliciosamente, quando acrescentou: — Agora, se quiserem admitir seus pecados e passar para o lado certo da cerca, minha noite estará completa.

Mac e Larkin riram com ele. Peter Marlowe não riu.

— O que há, Peter? — perguntou Larkin, com uma ponta de irritação na voz. — Está a noite toda num humor negro!

— Não há mal nenhum em estar um pouco emburrado — disse Donovan rapidamente, preenchendo o silêncio pesado. — Puxa vida, mas as notícias são muito boas, não é?

Somente Peter Marlowe estava de fora do companheirismo que havia no pequeno aposento. Sabia que sua presença era sufocante, mas não havia nada que pudesse fazer. Nada.

O jogo começou, e o Padre Donovan abriu com duas espadas.

— Passo — disse Mac, com ar rabugento.

— Três ouros — disse Peter Marlowe, e mal acabara de pronunciar as palavras, desejou poder engoli-las, pois havia apostado mal, dissera ouros quando devia ter dito copas.