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— Eu sou o primeiro — disse Timsen, contrafeito. — Steven não pode vir agora para cá. Vai substituir-me, depois.

— Sabe direito o que está fazendo?

— Acendam uma bosta de uma luz — falou Timsen. — Claro que sei. Tem água fervendo?

— Não.

— Então bote já um pouco para ferver! Será que vocês ianques não entendem de nada?

— Agüenta as pontas! — O Rei fez sinal para Tex, e este foi ferver água. Timsen abriu a sacola cirúrgica e estendeu uma toalhinha.

— Pela madrugada! — exclamou Tex — nunca vi nada tão limpo antes. Ora, chega a estar azul, de tão branco.

Timsen deu uma cusparada e lavou as mãos com cuidado com uma barra virgem de sabonete, e começou a ferver a seringa e o fórceps. Depois, debruçou-se sobre Peter Marlowe e deu-lhe umas palmadinhas na cara.

— Ei, camarada!

— O que é? — respondeu Peter Marlowe, debilmente.

— Vou limpar o ferimento, está legal? Peter Marlowe teve que se concentrar.

— Como?

— Vou dar-lhe a antitoxina...

— Tenho que ir para o hospital — falou, como se estivesse bêbado. — Está na hora, agora... de cortar... estou-lhe dizendo... — Apagou, mais uma vez.

— Ainda bem — comentou Timsen.

Quando a seringa estava esterilizada, Timsen aplicou uma injeção de morfina.

— Você ajuda — disse, bruscamente, para o Rei. — Não deixe o raio do suor entrar nos meus olhos.

Obediente, o Rei pegou uma toalha. Timsen esperou até a injeção fazer efeito, depois arrancou a atadura velha e deixou a ferida à mostra.

— Santo Deus! — Toda a área do ferimento estava túmida, roxa e verde. — Acho que já é tarde demais.

— Meu Deus! — exclamou o Rei. — Não admira que o coitado do filho da puta estivesse maluco.

Cerrando os dentes, Timsen cortou fora, com cuidado, a parte mais estragada e apodrecida da pele; cutucou fundo e lavou a ferida da melhor maneira que pôde. Depois polvilhou-a com sulfa, e botou uma atadura nova. Quando acabou, endireitou o corpo e suspirou.

— Ai, a porra das minhas costas! — Fitou a alvura da atadura, depois virou-se para o Rei. — Tem um pedaço de camisa?

O Rei arrancou uma camisa da parede e a entregou nas mãos do australiano. Timsen rasgou fora o braço da camisa, fez uma atadura grosseira e colocou-a por cima da outra atadura.

— Para que diabo é isso? — perguntou o Rei, com a visão turva.

— Camuflagem — explicou Timsen. — Ou acha que ele vai poder andar pelo campo com uma atadura alvinha no braço sem ser detido pelos médicos e PMs curiosos, querendo saber onde a arranjou?

— Ah, entendo!

— Não diga!

O Rei ignorou a gracinha. Estava nauseado demais com a lembrança do braço de Peter Marlowe, do cheiro, do sangue e da atadura viscosa e sanguinolenta que jazia no chão.

— Ei, Tex, livre-se desta coisa nojenta.

— Quem, eu? Por que...

— Livre-se dela.

Tex apanhou a atadura, com relutância, e foi lá para fora. Afastou com o pé a terra fofa, enterrou o pano, e depois vomitou. Quando voltou, disse:

— Graças a Deus não tenho que fazer isso todo dia.

Timsen encheu a seringa com mãos trêmulas e debruçou-se sobre o braço de Peter Marlowe.

— Tem que olhar. Olhe, pela madrugada — rosnou, ao ver o Rei desviar o rosto. — Se Steven não vier, pode ser que você tenha que fazer isso. A injeção precisa ser intravenosa, certo? Ache a veia. Depois enfie a agulha e puxe o embolo para fora até entrar um tiquinho de sangue na seringa. Está vendo? Assim, tem certeza de que a agulha pegou a veia. Depois que tiver certeza, basta ir aplicando a antitoxina. Mas não depressa demais. Leva uns três minutos para o centímetro cúbico.

O Rei ficou olhando, com o estômago revoltado, até Timsen arrancar a agulha e apertar um pedacinho de algodão em cima do furo.

— Puta que o pariu! — exclamou o Rei. — Nunca vou conseguir fazer isso.

— Se quer deixar que ele morra, tudo bem. — Timsen suava e também estava nauseado. — E meu velho queria que eu fosse médico! — Afastou o Rei do caminho com um empurrão, botou a cabeça para fora da janela e vomitou até as tripas. — Arranje-me um pouco de café, pelo-amor de Deus.

Peter Marlowe se mexeu, ficando semidesperto.

— Vai ficar bom, meu camarada. Está entendendo? — Timsen inclinou-se sobre ele, meigamente.

Peter Marlowe balançou a cabeça, com cara de tonto, em seguida levantou o braço. Fitou-o por um momento, incrédulo, depois murmurou:

— O que aconteceu? Ele ainda está no lugar... está no lugar!

— Claro que está no lugar — disse o Rei, com orgulho. — Cuidamos de você. Antitoxina, a tralha toda. Eu e Timsen!

Mas Peter Marlowe só olhou para ele, movendo os lábios, sem dizer palavra. Finalmente, conseguiu sussurrar:

— Ainda está... no lugar. — Usou a mão direita para sentir o braço que não deveria estar lá, mas estava. E quando teve certeza de que não estava sonhando, recostou-se numa poça de suor, fechou os olhos e começou a chorar. Alguns minutos mais tarde, estava dormindo.

— Pobre infeliz — falou Timsen. — Deve ter pensado que estava na mesa de operação.

— Quanto tempo vai ficar desacordado?

— Mais umas duas horas. Escute — falou Timsen — ele tem que tomar uma injeção a cada seis horas, até a toxina sair do seu organismo. Digamos, umas 48 horas. E ataduras novas todos os dias. E mais sulfa. Porém, é preciso não esquecer. Ele tem que continuar com as injeções. E não se surpreenda se vomitar por tudo que é canto. Deve haver uma reação. Braba. Dei uma primeira dose bem forte.

— Acha que ele vai ficar bom?

— Dou a resposta daqui a dez dias. — Timsen fez um embrulhinho caprichado com a toalha, o sabonete, a seringa, a antitoxina, e a sulfa em pó. — Agora, vamos acertar as contas, está bem?

O Rei pegou o maço de cigarros que Shagata lhe dera.

— Aceita?

— Sim.

Quando os cigarros estavam acesos, o Rei falou, com naturalidade:

— Podemos acertar as contas, quando fecharmos o negócio do diamante.

— Oh, não, meu chapa, entrego a mercadoria, quero o pagamento. O outro negócio não tem nada a ver com este — disse Timsen, vivamente.

— Não faz mal esperar um dia ou dois.

— Você tem dinheiro de sobra com o lucro... — Deteve-se subitamente, atinando com a resposta. — A-rá! — exclamou, com um sorriso amplo, indicando Peter Marlowe com o polegar. — Não há dinheiro até que seu cupincha vá buscá-lo, acertei?

O Rei tirou o relógio do pulso.

— Quer ficar com isto como garantia?

— Não precisa, meu chapa, confio em você. — Lançou um olhar para Peter Marlowe. — Bem, meu velho, parece que muita coisa depende de você. —

Quando voltou a olhar para o Rei, tinha os olhos quase fechados, num sorriso alegre. — Isso também me dá mais tempo, não é?

— Como? — perguntou o Rei, com ar de inocente.

— Corta essa, meu chapa. Está sabendo que o anel foi surripiado. Você é o único no campo que pode negociar com ele. Se eu pudesse, acha que ia envolvê-lo na história? — O sorriso amplo de Timsen era angelical. — Então, isso me dá tempo para encontrar o assaltante, certo? Se ele vier procurá-lo primeiro, você não terá dinheiro para pagar-lhe, certo? Sem o dinheiro, ele não soltará a mercadoria. Sem grana, nada de negócio. — Timsen esperou, depois falou, simpaticamente: — Claro que você podia contar-me quando o filho da mãe vier oferecê-lo, não é? Afinal de contas, é minha propriedade, certo?

— Certo — respondeu o Rei, afavelmente.

— Mas não vai contar — suspirou Timsen. — Que bando de ladrões safados! — Debruçou-se sobre Peter Marlowe, verificando seu pulso. — Hum — falou, pensativo. — O pulso está melhor.

— Obrigado pela ajuda, Tim.

— Nem pense nisso, meu chapa. Também tenho interesse investido no filho da mãe, certo? E vou vigiá-lo feito uma águia. Certo? — Riu novamente, e partiu.