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— Não há muita coisa que se passe por aqui que Ele desconheça. — Donovan tinha absoluta certeza, e uma paz completa. — Estamos em boas mãos. — Depois acrescentou, com uma risadinha abafada. — Até mesmo vocês três.

— Bem, já é alguma coisa — disse Mac — embora eu ache que o Coronel é um caso perdido.

Após o jogo, e depois que Donovan se fora, Mac fizera sinal para Larkin.

— Fique de vigia. Vamos ouvir as notícias, antes de dormir.

Larkin ficou vigiando a estrada, e Peter Marlowe ficou sentado na varanda, tentando manter os olhos alerta. Dois dias. Agulhas enfiadas no braço, e agora estava curado, tinha o braço de volta. Dias estranhos, dias de sonho, e agora estava tudo bem.

As notícias foram excelentes, e todos voltaram para suas camas. Dormiram um sono satisfeito, sem sonhos.

De madrugada, Mac foi até o galinheiro e achou três ovos. Trouxe-os consigo, fez uma omelete, encheu-a com um pouco do arroz que poupara na véspera e perfumou-a com uma lasca de alho.

Depois, levou-a à choça de Peter Marlowe, acordou-o, e ficou olhando enquanto ele raspava o prato.

De repente, Spence entrou correndo na choça.

— Ei, pessoal! — gritava. — Chegou correspondência no campo!

O estômago de Mac deu uma cambalhota. Ó, Deus, que haja uma carta para mim.

Mas não havia carta para Mac.

Entre os 10.000 do campo, só foi distribuído um total de 43 cartas. Os japoneses só haviam entregue correspondência em duas oportunidades, em três anos. Umas poucas cartas. E em três ocasiões, os homens tiveram permissão para escrever um cartão-postal de 25 palavras. Mas se esses postais haviam sido despachados, isso nunca souberam.

Larkin estava entre os que receberam uma carta. A primeira que lhe chegava às mãos.

A carta dele estava datada de 21 de abril de 1945. Quatro meses atrás. As datas das outras cartas variavam entre três semanas e mais de dois anos.

Larkin leu e releu a carta. A seguir, leu-a para Mac, Peter Marlowe e o Rei, sentados na varanda do bangalô.

Querido, Esta é a carta 205, começava ela. Estou bem, e Jeannie está bem, e Mamãe está morando conosco, e moramos no mesmo lugar de sempre. Não tivemos notícias suas desde sua carta de 1? de fevereiro de 1942, posta no correio em Gngapura. Mas, mesmo assim, sabemos que está bem e feliz, e rezamos para que volte em segurança.

Comecei todas as cartas do mesmo jeito, portanto, se já leu antes o que está escrito acima, perdoe-me. Mas é difícil, sem saber se esta irá chegar às suas mãos, se alguma das outras chegou. Eu o amo. Preciso de você. E sinto sua falta, às vezes de modo insuportável.

Hoje, estou triste. Não sei por que, mas estou. Não quero ficar deprimida, e gostaria de contar-lhe um monte de coisas maravilhosas.

Quem sabe estou triste por causa da Sra. Gurble. Ela recebeu um cartão-postal, ontem, e eu não. Creio que sou muito egoísta. Mas sou assim. De qualquer modo, não se esqueça de contar a Vic Gurble que a mulher dele, Sarah, recebeu um postal datado de 6 de janeiro de 1943. Ela está bem, e o filho deles está uma graça. Sarah está tão feliz por estar novamente em contato com ele. Ah, sim, e as moças do Regimento estão bem. A mãe de Timsen está ótima. E não se esqueça de dar lembranças minhas a Tom Masters. Encontrei a mulher dele ontem à noite. Vai bem, ganhando muito dinheiro para ele, num ramo novo de negócios. Ah, sim, encontrei também Elizabeth Ford, Mary Vickers...

Larkin levantou os olhos da carta.

— Ela menciona umas doze mulheres. Mas os homens estão mortos. Todos eles. O único que está vivo é Timsen.

— Continue a ler, meu rapaz — disse Mac depressa, notando dolorosamente a agonia estampada nos olhos de Larkin.

Hoje está quente — continuou Larkin — e estou sentada na varanda e Jeannie está brincando no jardim, e acho que este fim de semana irei para o chalé em Blue Mountatns.

Gostaria de escrever sobre o noticiário, mas não é permitido.

Ó, Deus, como se escreve para dentro de um vácuo? Como posso saber? Onde está você, meu amor, pelo amor de Jesus, onde está você? Não vou escrever mais. Vou terminar a carta por aqui, e não vou mandá-la... ô, meu amor, rezo por você... reze por mim. Por favor, reze por mim, reze por mim...

Após uma pausa, Larkin falou:

— Não há assinatura e... o endereço foi escrito com a letra da minha mãe. Bem, o que acham disso?

— Sabe como são as mulheres — falou Mac. — Ela provavelmente enfiou a carta numa gaveta, e sua mãe a encontrou e botou no Correio, sem ler, sem falar com ela. Sabe como são as mães. O mais provável é que Betty tenha-se esquecido da carta, e no dia seguinte escreveu outra, quando se estava sentindo melhor.

— O que ela quer dizer com “Reze por mim”? — perguntou Larkin. — Sabe que rezo, todo dia. O que está acontecendo? Pelo amor de Deus, será que está doente, ou coisa assim?

— Não há motivo para se preocupar, Coronel — disse Peter Marlowe.

— O que você entende das coisas? — explodiu Larkin, abruptamente. — Que diabo, como não me vou preocupar?

— Bem, pelo menos você sabe que ela está bem, e sua filha está bem — explodiu Mac, também alucinado de saudade. — Abençoe sua sorte por isso! Nós não recebemos uma só carta! Nenhum de nós! Você tem sorte! — E foi saindo, furioso.

— Desculpe, Mac. — Larkin correu atrás dele, e trouxe-o de volta. — Desculpe, é que depois de tanto tempo...

— Não, rapaz, não foi nada que você tenha dito. Fui eu, eu é que tenho que pedir desculpas. Fiquei doente de inveja. Acho que odeio essas cartas.

— É isso aí — comentou o Rei. — Deixam um cara maluco. Quem recebe fica maluco, quem não recebe também. Só criam problemas.

Passava do anoitecer, pouco depois da hora do rancho. Toda a choça americana estava reunida.

Kurt cuspiu no chão e largou a bandeja.

— Aqui tem nove. Fiquei com uma. Os meus dez por cento. — Cuspiu de novo e foi embora.

Todos olharam para a bandeja.

— Acho que vou vomitar de novo — disse Peter Marlowe.

— Nato o culpo — concordou o Rei.

— Não sei por que. — Max pigarreou. — Parecem pernas de coelho. Pequeninas, mas pernas de coelho.

— Quer provar uma? — perguntou o Rei.

— Porra, não. Só falei que pareciam com elas. Posso ter a minha opinião, não posso?

— Puta que o pariu! — exclamou Timsen. — Nunca pensei que chegaríamos a vendê-los.

— Se eu não soubesse... Tex se interrompeu. — Estou com tanta fome. E nunca vi tanta carne junta, desde que pegamos aquele cachorro...

— Que cachorro? — perguntou Max, desconfiado.

— Ah, porra, foi há muitos anos — disse Tex. — Lá por... hã... 1943.

— Ah.

— Porra! — exclamou o Rei, ainda fascinado pela bandeja. — Parece legal. — Inclinou-se e farejou a carne, mas não encostou demais o nariz. — Tem um cheiro legal...

— Mas não é legal — interrompeu Byron Jones III, acidamente. — É carne de rato.

O Rei afastou bruscamente a cabeça.

— Por que teve que dizer isso, seu filho da puta! — exclamou, em meio às risadas.

— Puta que o pariu, mas é rato. Do jeito que você falava, estava-me dando fome.

Peter Marlowe pegou uma perna com cuidado e colocou-a numa folha de bananeira.

— Esta é minha — falou, voltando para sua choça. Foi para seu beliche, e sussurrou para Ewart.

— Quem sabe vamos comer muito bem, hoje à noite.

— O quê?

— Deixe pra lá. Uma coisa especial. — Peter Marlowe sabia que Drink-water podia ouvir o que diziam; furtivamente, botou a folha de bananeira na sua prateleira, e disse para Ewart: — Volto num momento.

Meia hora depois, estava de volta, e a folha de bananeira tinha sumido, e Drinkwater também.

— Você saiu? — perguntou Peter Marlowe à Ewart.

— Só um momentinho. Drinkwater me pediu para ir buscar um pouco d’água para ele. Não se sentia bem.