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Peter Marlowe tentou levantar-se. Ficar de pé só aumentava sua náusea, portanto tropeçou até junto da mesa do Rei, e se apoiou nela.

Yoshima estava olhando para o dinheiro sobre a mesa. Brough já o vira e se crispara. Grey também o notara, e seu pulso batia mais depressa.

— De onde veio este dinheiro? — perguntou Yoshima. Fez-se um enorme silêncio.

Então, Yoshima gritou:

— De onde veio este dinheiro?

O Rei morria por dentro. Tinha visto Shagata, e sabia que Shagata estava nervoso, e o Rei sentia que estava por um fio de ser mandado para Utram Road.

— É dinheiro de jogo, senhor.

Yoshima atravessou toda a extensão da cabana, até parar diante do Rei.

— Não do mercado negro? — perguntou.

— Não, senhor — respondeu o Rei, forçando um sorriso.

Peter Marlowe sentiu o vômito subir-lhe à garganta. Oscilou violentamente e quase caiu, e não conseguia focalizar as coisas.

— Posso... sentar-me... por favor? — perguntou. Yoshima olhou em sua direção, e notou a braçadeira.

— O que faz aqui um oficial inglês? — Estava surpreso, pois seus informantes lhe tinham dito que havia muito pouca confraternização com os americanos.

— Estou... só... de visita... — Mas Peter Marlowe não pôde continuar. — Com licença... — correu até a janela e vomitou.

— O que há com ele? — perguntou Yoshima.

— Acho... que está com febre, senhor.

— Você — ordenou Yoshima a Tex — sente-o naquela cadeira.

— Sim, senhor — disse Tex. Yoshima voltou a olhar para o Rei.

— Como pode haver tanto dinheiro sem mercado negro? — perguntou, com voz sedosa.

O Rei sentia os olhos sobre si, sentia o silêncio apavorante, sentia o diamante dentro de si, sentia a presença de Shagata junto à porta. Pigarreou.

— É só que... guardamos nossa grana para jogar!

A mão de Yoshima estalou no rosto do Rei, lançando-o para trás.

— Mentiroso!

A bofetada não chegou a doer, de verdade, mas, ao mesmo tempo, parecia um golpe mortal. Meu Deus, pensou o Rei, estou morto. Minha sorte acabou.

— Capitão Yoshima. — Brough começou a atravessar a choça. Sabia que não ia adiantar nada interferir... talvez até piorasse as coisas... mas tinha que tentar.

— Cale-se! — disse Yoshima. — O homem está mentindo. Todo mundo sabe disso. Ianque nojento!

Yoshima deu as costas a Brough e ergueu os olhos para o Rei.

— Entregue-me seu cantil!

Como num sonho, o Rei tirou o cantil da prateleira e entregou-o a Yoshima. O japonês esvaziou toda a água, sacudiu o cantil e espiou lá para dentro. Depois, jogou-o no chão e dirigiu-se a Tex.

— Entregue-me seu cantil.

O estômago de Peter Marlowe ficou revoltado de novo. Por que os cantis?, gritava seu cérebro. Será que Mac e Larkin estão sendo revistados? E o que vai acontecer se Yoshima pedir meu cantil? Teve nova ânsia e cambaleou até a janela.

Yoshima percorreu toda a choça, examinando cada cantil. Finalmente, parou diante de Peter Marlowe.

— O seu cantil.

— Eu... — começou Peter Marlowe, e foi novamente acometido de náusea, e seus joelhos cederam, e foi incapaz de falar.

Yoshima virou-se para Shagata e disse-lhe algo em japonês, furiosamente.

— Hai — disse Shagata.

— Você! — Yoshima apontou para Grey. — Vá com este homem e o guarda e traga o cantil.

— Pois não.

— Com licença, senhor — disse o Rei, rapidamente. — O cantil dele está aqui.

O Rei enfiou a mão debaixo da cama e tirou de lá o seu cantil sobressalente, guardado em segredo para alguma emergência.

Yoshima segurou-o. Era muito pesado. Pesado o bastante para conter um rádio, ou parte de um rádio. Tirou a rolha e virou o cantil de ponta-cabeça. Um rio de grãos de arroz secos jorrou lá de dentro. E continuou jorrando até o cantil ficar vazio e leve. Nenhum rádio lá dentro.

Yoshima jogou o cantil longe. . — Onde está o rádio? — berrou.

— Não há rádio... — começou Brough, torcendo para que Yoshima não lhe perguntasse por que um inglês, de visita, enfiaria seu cantil debaixo de uma cama.

— Cale-se.

Yoshima e os guardas revistaram a choça, certificando-se de que não havia mais nenhum cantil, depois Yoshima revistou novamente todos os cantis.

— Onde está o cantil com o rádio? — berrou. — Sei que está aqui. Que está com um de vocês! Onde está?

— Não há rádio algum aqui — repetiu Brough. — Se quiser, podemos virar a choça de ponta-cabeça para vocês.

Yoshima soube que havia algum erro em sua informação. Desta feita não lhe haviam revelado o esconderijo, somente que o rádio estava num cantil, ou em cantis, e que esta noite um dos donos dele estava, naquele momento, na choça americana. Olhou atentamente para cada homem. Quem? Claro que poderia levá-los a todos para a casa da guarda, mas isso de nada adiantaria... nâ”o sem o rádio. O General não gostava de fracassos. E sem o rádio... Assim, desta vez, falhara. Virou-se para Grey.

— Informará ao Comandante do Campo que todos os cantis estão confiscados. Deverão ser entregues ainda esta noite à casa da guarda!

— Sim, senhor — falou Grey. Seu rosto estava que era só olhos. Yoshima se dava conta de que, quando os cantis fossem levados à casa da guarda, aquele ou aqueles que continham o rádio já estariam enterrados ou escondidos. Mas não fazia mal... tornaria a revista mais fácil, pois o esconderijo teria que ser mudado, e quando fosse mudado, haveria olhos atentos. Quem iria imaginar que um rádio pudesse ser posto num cantil?

— Porcos ianques — rosnou. — Acham-se tão espertos. Tão fortes, tão grandes. Bem, lembrem-se: nem que esta guerra dure cem anos, nós os derrotaremos. Mesmo que tenham vencido os alemães. Continuaremos a luta sozinhos. Jamais nos vencerão, jamais. Podem matar muitos de nós, porém mataremos ainda mais de vocês. Nunca nos conquistarão. Porque somos pacientes, e não temos medo de morrer. Mesmo que leve duzentos anos... acabaremos por destruí-los. — Em seguida, retirou-se, intempestivamente. Brough virou-se, furioso, para o Rei.

— Você tem fama de esperto, e deixa aquele filho da mãe amarelo e seus guardas entrarem na choça, com todo esse dinheiro espalhado por aí. Precisa mandar examinar sua cabeça.

— Sim, senhor. Preciso mesmo.

— E mais uma coisa. Cadê o diamante?

— Que diamante, senhor? Brough sentou-se.

— O Coronel Smedly-Taylor me chamou e avisou que o Capitão Grey tinha informações de que você está de posse de um anel de diamantes, que não deveria estar com você. Os dois... você e o Capitão-Aviador Marlowe. Claro, se tiver que ser feita uma revista, tenho que estar presente. E não faço nenhuma objeção a que o Capitão Grey procure... desde que eu esteja presente. Estávamos prestes a nos mandar para cá, quando Yoshima entrou com seus guardas, e começou a deblaterar que iria revistar esta choça... um de vocês teria um rádio escondido num cantil... já viram que loucura? E mandou que Grey e eu viéssemos com ele. — Agora que a revista tinha acabado, agradecia a Deus não havei nenhum cantil com rádio ali, e tinha certeza de que Peter Marlowe e o Rei estavam metidos na transa do rádio. Por que outro motivo o Rei fingiria que um cantil americano pertencia ao inglês?

— Muito bem — disse Brough ao Rei — dispa-se. Vai ser revistado. E o seu beliche e a sua caixa preta. — Deu meia-volta. — O resto de vocês fique quieto, e continue jogando. — Voltou a olhar para o Rei. — A não ser que queira entregar-me o diamante.

— Que diamante, senhor?

Quando o Rei começou a se despir, Brough foi até junto de Peter Marlowe.

— Posso arranjar-lhe alguma coisa, Pete? — perguntou.

— Só um pouco d’água.

— Tex — ordenou Brough — traga um pouco d’água. — E para Peter Marlowe: — Está com cara terrível, o que foi?