Timsen pegou o dinheiro, sem conseguir tirar os olhos da pilha de dinheiro restante.
— Concluiu a venda, certo? Puta merda, nunca pensei que o faria. Mas fez, certo?
— Claro — falou o Rei, com displicência. — Tenho o bastante para durar um ou dois meses.
— Para durar um ano, meu chapa — disse Timsen, embasbacado. Virou-se e caminhou devagar até a porta, depois olhou para trás com uma risada repentina. — Mil, não é? Acho que isso trará resultados, certo?
— Sim — disse o Rei. — É só uma questão de tempo.
Dentro de uma hora a notícia da recompensa se havia espalhado pelo campo. Olhos começaram a vigiar com interesse redobrado. Ouvidos estavam atentos aos sussurros ao vento. Memórias eram vasculhadas, e vasculhadas de novo. Era apenas uma questão de tempo, até que os 1.000 dólares fossem reclamados.
Naquela noite, quando o Rei andou pelo campo, sentiu, como nunca sentira antes, o ódio, a inveja e a força daqueles olhos. Aquilo fez com que se sentisse bem, mais do que bem, pois sabia que todos eles sabiam que possuía uma pilha imensa de notas, enquanto eles nada possuíam... que só ele, entre todos, estava realmente numa boa.
Samson veio procurá-lo, e Brant... e muitos outros... e embora se sentisse enojado com a bajulação deles, ficou satisfeitíssimo por estarem agindo assim em público, pela primeira vez. Passou pela choça da PM, e até mesmo Grey, parado diante dela, simplesmente devolveu sua continência correta, e não o chamou para ser revistado. O Rei sorriu consigo mesmo, sabendo que até Grey estava pensando na pilha de notas e na recompensa.
Agora, nada podia tocar o Rei. As pilhas de notas significavam segurança, vida e poder. E eram só dele.
25
Quando Yoshima veio, desta vez, foi sorrateiramente, mas com grande rapidez. Não veio como de costume, atravessando o campo pela estrada, mas veio com muitos guardas, através da cerca, e quando Peter Marlowe viu o primeiro dos guardas, o bangalô já estava cercado e não havia para onde fugir. Mac ainda estava sob o mosquiteiro, ouvindo o noticiário no fone de ouvido, quando Yoshima invadiu o bangalô.
Peter Marlowe, Larkin e Mac foram levados para um canto. Então, Yoshima apanhou o fone e escutou. O rádio ainda estava ligado, e ele pôde ouvir o restinho do noticiário.
— Muito engenhoso — disse, largando o fone de ouvido. — Seus nomes, por favor?
— Sou o Coronel Larkin, este é o Major McCoy e este é o Capitão-Avia-dor Marlowe.
— Aceitam um cigarro? — perguntou Yoshima, com um sorriso.
Os três aceitaram, e Yoshima acendeu os seus cigarros, acendendo também um para si mesmo. Os quatro fumaram em silêncio. A seguir, Yoshima falou:
— Desliguem o rádio e venham comigo.
Os dedos de Mac tremiam, quando ele se debruçou sobre o aparelho. Olhou à sua volta nervosamente, quando outro oficial japonês apareceu, saído abruptamente de dentro da noite. O oficial murmurou algo com insistência ao ouvido de Yoshima. Durante um momento, Yoshima fitou-o sem dizer palavra, depois deu uma ordem brusca a um dos guardas, que se postou à porta, e se afastou apressadamente, com o oficial e todos os outros guardas.
— O que aconteceu? — perguntou Larkin, de olho no guarda, que apontava para eles um fuzil com baioneta.
Mac estava perto de sua cama, acima do rádio, joelhos trêmulos, quase sem poder respirar. Quando finalmente conseguiu falar, disse, com voz rouca:
— Acho que sei. Foram as notícias. Nato tive tempo de lhes contar. Temos... temos um tipo novo de bomba. Uma bomba atômica. Ontem, às nove e quinze da manhã uma delas foi largada sobre Hiroxima. A cidade inteira desapareceu. Dizem que as baixas vão ser às centenas de milhares... homens, mulheres e crianças!
— Ó, meu Deus! — Larkin sentou-se, subitamente, e o guarda nervoso já estava quase puxando o gatilho, quando Mac gritou em malaio:
— Espere, ele só se está sentando!
— Todos vocês, sentem-se! — gritou o guarda, também em malaio, xingando-os. Depois que obedeceram, falou: — Sois idiotas! Sede mais cautelosos ao vos moverdes... pois é responsabilidade minha que não escapeis. Ficai sentado onde estais. E não vos movais! Atirarei sem pestanejar!
E então eles ficaram sentados e calados. Acabaram por adormecer, cochilando irrequietamente sob a luz impiedosa da lâmpada elétrica, afastando com golpes os mosquitos, até a alvorada acabar com os insetos.
Ao alvorecer, o guarda foi trocado. Os três amigos continuaram sentados. Do lado de fora do bangalô, homens nervosos andavam pela trilha, mas olhavam para o outro lado até estarem bem longe do quarto condenado.
O dia era desolador, sob o Sol escaldante. O dia se arrastava, mais lentamente do que qualquer outro dia já se arrastara.
No meio da tarde, os três ergueram os olhos ao ver Grey se aproximar do guarda e bater continência. Trazia nas mãos duas vasilhas de comida.
— Posso dar-lhes isto? Makan?
Destampou as vasilhas e deixou que o guarda visse a comida. O guarda deu de ombros e concordou.
Grey atravessou a varanda e largou a comida no vão da entrada, os olhos vermelhos e penetrantes.
— Desculpe estar frio — falou.
— Veio rir de nossa desgraça, Grey, meu velho? — falou Peter Marlowe, com um sorriso sem alegria.
— Não me traz nenhuma satisfação saber que eles vão botá-lo na cadeia. Queria apanhá-lo infringindo as leis... na”o vê-lo apanhado por arriscar a vida pelo bem de todos nós. Típica sorte sua ainda sair cercado do esplendor da glória!
— Peter — sussurrou Mac — distraia o guarda!
Peter Marlowe levantou-se e foi rapidamente para perto da porta. Bateu continência para o guarda e pediu permissão para ir à latrina. O guarda indicou o chão, diante do bangalô. Peter Marlowe agachou-se no pó e evacuou, odiando ter que fazê-lo ali, abertamente, mas agradecido por na*o os obrigarem a evacuar dentro do quarto. Enquanto o guarda vigiava Peter Marlowe, Mac sussurrou as novidades para Grey, que ficou sem cor. Grey se levantou e fez um sinal de cabeça para Peter Marlowe, que retribuiu o cumprimento, depois bateu continência de novo para o guarda. Este apontou para o monte de fezes coberto de moscas e mandou que Grey voltasse com um balde para limpar a sujeira.
Grey contou as notícias para Smedly-Taylor, que as sussurrou para os outros, e logo Changi inteira sabia da novidade... muito antes de Grey ter pegado um balde, limpado a sujeira e ter deixado outro balde no chão para eles usarem.
O primeiro dos grandes temores permeou o campo. O temor da represália.
Ao pôr do sol, houve nova troca de guarda, e o novo guarda era Shagata. Peter Marlowe tentou falar com ele, mas Shagata simplesmente fez sinal com a baioneta para que ele ficasse dentro do guarto.
— Não posso falar convosco. Fostes apanhado com um rádio, o que é proibido. Atirarei até mesmo em vós, se qualquer um tentar escapar. Não desejo atirar em vós. — E voltou para junto da porta.
— Puta que o pariu! — exclamou Larkin. — Gostaria que acabassem logo com a gente.
Mac olhou para Shagata.
— Senhor — disse, indicando a cama — suplico-vos um favor. Posso descansar ali, por obséquio? Dormi mal a noite.
— Certamente. Descansai enquanto tendes tempo, ancião.
— Agradeço-vos. A paz esteja convosco.
— E convosco.
Mac foi até sua cama e se deitou, pousando a cabeça no travesseiro.
— Ainda está ligado — falou Mac, mantendo, com dificuldade, a voz controlada. — É um recital de música. Posso ouvir nitidamente.
Larkin viu o fone perto do ouvido de Mac e deu uma risada repentina. E então todos os três começaram a rir. Shagata apontou o fuzil para eles.
— Parem — ordenou, assustado com as risadas.
— Pedimos que nos desculpeis — falou Peter Marlowe. — É só que nós, que estamos tão perto da eternidade, achamos as pequenas coisas divertidas.
— Verdadeiramente estais perto da morte... e também sois tolos por vos
terdes deixado apanhar infringindo a lei. Mas espero ter a coragem de rir, quando chegar a minha hora. — Jogou um maço de cigarros dentro do quarto. — Tomai — falou. — Lamento que tenhais sido apanhados.