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— Mas que bicho o mordeu, Max? — indagou Tex.

— Nenhum, seu filho da puta! Esta merda de dinheiro não presta.

— Hem?

— Acabo de vir da loja. É. Tive vontade de comprar um coco. Mas aquele maldito china não aceitou minha grana. Não aceitou. Disse que vendera todo o seu estoque para o maldito Comandante do Campo. Por uma promissória: “O Governo inglês promete pagar X dólares malaios britânicos.” Podem limpar a bunda com os dólares japoneses... só servem para isso!

— Uau! — exclamou Tex. — Agora não há mais dúvida. Se os chineses não aceitam a grana, é porque estamos mesmo por cima, hem, Peter?

— Pôde apostar que sim. — Peter Marlowe sentia-se feliz com a amizade deles. Até mesmo o olhar malévolo de Max não conseguia destruir sua felicidade. — Nem sei dizer o quanto vocês me ajudaram, rapazes, brincando, pilheriando, e tudo o mais.

— Porra! — exclamou Dino. — Você é um de nós. — Deu-lhe um soco de brincadeira. — Até que você não é mau, para um danado de um inglês!

— É melhor se mandar para os Estados Unidos, quando sairmos daqui. Pode ser até que a gente o deixe virar americano! — falou Byron Jones III.

— Tem que conhecer o Texas, Peter, meu velho. Se vai aos Estados Unidos, tem que conhecer o Estado!

— Não é muito provável — falou Peter Marlowe, em meio aos assovios e apupos. — Mas se algum dia eu for, pode apostar que apareço por lá. — Olhou para o canto do Rei. — Onde está o nosso intrépido líder?

— Está morto! — Max se sacudia, rindo obscenamente.

— O quê! — exclamou Peter Marlowe, sem poder deixar de sentir medo.

— Ainda está vivo — falou Tex. — Mas, mesmo assim, está morto.

Peter Marlowe olhou indagadoramente para Tex. Depois, viu a expressão no rosto de todos. De repente, sentiu-se muito triste.

— Não acham que foi um tanto abrupto?

— Abrupto, uma ova. — Max cuspiu. — Está morto. Trabalhamos feito uns burros para aquele filho da puta, e agora ele está morto.

Peter Marlowe virou-se violentamente para Max, detestando-o.

— Mas quando as coisas estavam pretas, ele lhes deu comida, dinheiro e...

— Não foi de graça, a gente trabalhou! — berrou Max, os tendões do pescoço distendidos. — Comi muita merda por causa daquele filho da mãe! -Seus olhos detiveram-se na insígnia de oficial no braço de Peter Marlowe. — E por sua causa, seu filho da mãe inglês! Quer puxar o meu saco como puxava o dele?

— Cale-se, Max — falou Tex, ameaçadoramente.

— Vá à merda, seu cafetão texano! — Max cuspiu na direção de Tex, e a saliva manchou o chão tosco de madeira.

Tex enrubesceu. Lançou-se sobre Max e jogou-o contra a parede com um bofetão na cara, dado com as costas da mão. Max cambaleou e caiu sobre o beliche, mas pôs-se de pé rapidamente, agarrou uma faca de cima da prateleira e lançou-se sobre Peter Marlowe. Tex conseguiu segurar o braço de Max bem na hora, e a faca apenas arranhou a barriga de Peter Marlowe. Dino agarrou Max pelo pescoço e o empurrou de volta ao beliche.

— Está louco varrido? — perguntou, ofegante.

Max olhava para cima, o rosto todo se mexendo, concentrado em Peter Marlowe. De repente, começou a berrar e se jogou para fora do beliche, lutando insanamente, braços se agitando em desespero, lábios afastados dos dentes, unhas feito garras. Peter Marlowe agarrou-lhe um braço e todos caíram em cima de Max e o arrastaram de volta ao beliche. Foram necessários três homens para segurá-lo, enquanto chutava, berrava, debatia-se e mordia.

— Endoidou de vez! — berrou Tex. — Alguém, bata na cabeça dele!

— Arranjem uma corda! — gritava Peter Marlowe, desesperadamente, enquanto agarrava Max, com o antebraço enfiado sob o queixo de Max, para fugir aos dentes raivosos.

Dino mudou de posição, soltou um braço e deu um forte soco no queixo de Max, deixando-o inconsciente.

— Puxa vida — falou para Peter Marlowe, enquanto se levantavam. — Ele quase acabou com sua raça!

— Rápido — disse Peter Marlowe, com urgência. — Enfiem alguma coisa entre os dentes dele, senão vai arrancar fora a língua.

Dino achou um pedaço de madeira e eles o prenderam entre os dentes de Max. Depois, amarraram-lhe as mãos. Quando Max estava bem preso, Peter Marlowe relaxou, tonto de alívio.

— Obrigado, Tex. Se você não tivesse segurado o braço dele, eu não estaria aqui para contar a história.

— Nem pense mais nisso. Foi ação reflexa. O que vamos fazer com ele?

— Chamar um médico. Ele teve um ataque, só isso. Nem se menciona a faca. — Peter Marlowe esfregou o arranhão na barriga, enquanto olhava para Max, que se sacudia espasmodicamente. — Pobre coitado!

— Graças a Deus você o deteve, Tex — falou Dino. — Chego a suar frio, só de pensar.

Peter Marlowe olhou para o canto do Rei. Parecia muito solitário. Inconscientemente, flexionou o braço e a mão, ufanando-se de sua força.

— Como está ele, Peter? — indagou Tex.

Peter Marlowe levou muito tempo para achar as palavras certas.

— Vivo, Tex, vivo... não morto. — Em seguida, virou-se e saiu da choça para o Sol.

Quando finalmente encontrou o Rei, já escurecia. O Rei estava sentado num toco de coqueiro partido na horta norte, meio escondido pelas trepadeiras. Olhava para longe, sombriamente, e não deu sinal de notar a aproximação de Peter Marlowe.

— Alô, meu velho — disse Peter Marlowe, alegremente, mas a alegria morreu dentro de si ao ver os olhos do Rei.

— O que deseja? Senhor? — perguntou o Rei, insultantemente.

— Queria vê-lo. Só queria vê-lo. — Ó, meu Deus, pensou cheio de pena, ao ver o estado do amigo.

— Pois bem, já me viu. E daí? — O Rei virou-lhe as costas. — Dê o fora! Peter Marlowe agachou-se junto ao toco de coqueiro e tirou dois cigarros comprados prontos do bolso.

— Tome um cigarro. Consegui-os com Shagata!

— Fume-os o senhor mesmo.

Por um momento, Peter Marlowe desejou não ter encontrado o Rei. Mas não foi embora. Acendeu com cuidado os dois cigarros e passou um para o Rei. Este não fez menção de pegá-lo.

— Aceite, por favor.

O Rei jogou longe o cigarro da mão dele.

— Fodam-se você e o seu maldito cigarro. Quer ficar aqui? Pois bem! — Levantou-se e começou a se afastar, em largas passadas. Peter Marlowe segurou-lhe o braço.

— Espere! Este é o dia mais importante de nossas vidas. Não o estrague por causa de uma atitude impensada dos seus companheiros de cela.

— Tire essa mão daí — falou o Rei, entredentes — ou a tiro na marra!

— Não se preocupe com eles — disse Peter Marlowe, as palavras jorrando de sua boca. — A guerra acabou, isso é que é importante. Acabou e nós sobrevivemos. Lembra-se de como vivia tentando enfiar isso na minha cabeça? Como era preciso cuidar do “número um”? E então, você está bem! Conseguiu sobreviver! O que importa o que eles digam?

— Estou-me lixando para eles! Não tem porra nenhuma a ver com isso. E estou-me lixando para você, também!

O Rei soltou o braço, com violência. Peter Marlowe fitou o Rei, desolado.

— Mas que merda, sou seu amigo. Deixe-me ajudá-lo!

— Não preciso de sua ajuda!

— Sei disso. Mas gostaria que continuássemos amigos. Olhe — continuou, com dificuldade. — Logo vai voltar para casa...

— Vou, porra nenhuma — explodiu o Rei, o sangue fazendo pressão em seus ouvidos. — Não tenho casa!

O vento agitava as folhas. Os grilos cantavam monotonamente. Nuvens de mosquitos os cercavam. As luzes das choças começavam a formar sombras desgraciosas, e a Lua navegava num céu de veludo.

— Não se preocupe, amigão — disse Peter Marlowe, compassivamente. — Tudo vai dar certo. — Não recuou ante o medo estampado nos olhos do Rei.