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— E se o fizer? — perguntou Tex. — Temos só mais um ou dois dias aqui. — Depois, voltar para o Texas, pensava. Será que vão dar-me meu antigo emprego de volta? Onde vou morar? Como vou arranjar dinheiro? Quando for trepar, vai dar certo?

— E quanto ao oficial inglês, Tex? Acha que a gente deve ir falar com ele?

— Sim. Mas que diabo, logo mais, ou amanhã. A gente tem que se acostumar à idéia. — Tex controlou um estremecimento. — Quando olhou para mim... era como se, bem como se estivesse olhando para uma... aberração! Pela madrugada, o que há de tão errado comigo? Estou legal, não estou?

Todos examinaram Tex, tentando ver o que o oficial vira. Mas viam apenas Tex, o mesmo Tex com quem conviviam há três anos e meio.

— Para mim, você está legal — disse Dino, finalmente. — Se tem alguém que é uma aberração, é ele. Imagine se eu ia saltar de pára-quedas em Cingapura, sozinho. Não com esse monte de japonês à solta. Ele sim, é que é a verdadeira aberração.

O Rei acompanhava o muro da cadeia. Você é um filho da puta burro, falou consigo mesmo. Por que está tão chateado, afinal? Tudo vai bem no mundo. Claro. E você ainda é o Rei. Ainda é o único cara que sabe ficar numa boa.

Inclinou o quepe mais atrevidamente, e riu baixinho, lembrando-se do Dino. É, aquele filho da mãe estaria xingando, perguntando-se se iria mesmo comer a galinha, sabendo que fora engabelado para trabalhar. Ele que vá para o diabo, que sofra por antecipação, pensou o Rei, alegremente.

Atravessou a trilha entre duas das choças. Cercando as choças havia grupos de homens. Todos olhavam para o norte, para o portão, calados e imóveis. “Rodeou outra choça, e viu o oficial de pé, numa poça de isolamento, olhando confuso à sua volta, de costas para ele. Viu o oficial dirigir-se para alguns dos homens, e riu sardonicamente ao vê-los recuarem.

Que loucura, pensou, cinicamente. Loucura total, Ter medo do quê? O sujeito é só um Capitão. É, ele vai precisar de uma mãozinha. Mas de que diabo ele tem medo é que não sei!

Estugou o passo, mas pisava sem fazer ruído.

— Bom-dia, senhor — disse, vivamente, batendo continência. 0 Capitão Forsyth deu meia-volta, sobressaltado.

— Ah! Alô. — Retribuiu a continência com um suspiro de alívio. — Graças a Deus alguém aqui é normal.— Depois, deu-se conta do que dissera. — Oh, desculpe. Não quis dizer...

— Tudo bem — replicou o Rei, afavelmente. — Este buraco deixa qualquer um descontrolado. Puxa, mas que prazer em vê-lo. Bem-vindo a Changi!

Forsyth sorriu. Era bem mais baixo do que o Rei, mas parecia um tanque.

— Obrigado. Sou o Capitão Forsyth. Mandaram-me para cuidar do campo até a chegada da esquadra.

— E quando será isso?

— Daqui a seis dias.

— Não dá para chegarem mais depressa?

— Imagino que essas coisas levem tempo. — Forsyth fez um aceno de cabeça para as choças. — O que há com essa gente? É como se eu fosse leproso.

— Acho que estão em estado de choque — disse o Rei, dando de ombros. — Ainda não estão acreditando nos seus olhos. Sabe como são algumas pessoas. E faz um bocado de tempo.

— Faz, sim — disse Forsyth, lentamente.

— Que loucura estarem com medo do senhor. — O Rei deu de ombros de novo. — Mas, é a vida, e é problema deles.

— Você é americano?

— Claro. Somos em número de vinte e cinco. Oficiais e soldados. O Capitão Brough é o nosso oficial mais antigo. Foi abatido voando sobre a montanha, em 1943. Gostaria de conhecê-lo?

— Claro. — Forsyth estava morto de cansaço. Recebera esta missão na Birmânia, há quatro dias. A espera, o vôo, o salto, a caminhada até a casa da guarda e a preocupação com o que iria encontrar; com o que os japoneses fariam e com o modo pelo qual iria cumprir suas ordens, todas essas coisas haviam destroçado seu sono e aterrorizado seus sonhos. Bem, meu velho, você pediu o serviço, e lhe deram, e cá está você. Pelo menos, passou pelo primeiro teste, no portão principal. Seu idiota, falou consigo mesmo, estava tão aterrorizado que só conseguiu dizer: “Saúdem-me, seus malditos sacanas.”

De onde se encontrava, Forsyth podia ver grupos de homens fitando-o das choças e janelas, vãos de porta e sombras. Todos calados.

Podia ver a estrada que dividia o campo em dois, e mais além a área das latrinas. Notou o estado precário das choças, e suas narinas sentiram o fedor de suor, de mofo e de urina. Havia zumbis por toda a parte... zumbis em farrapos, zumbis de tanga, zumbis de sarongue... ossudos e sem carne.

— Está-se sentindo bem? — perguntou o Rei, solícito. — Não está com uma cara muito boa.

— Estou bem. Quem são aqueles pobres infelizes?

— Alguns dos rapazes — disse o Rei. — Oficiais.

— Oquê?!

— Claro. O que há de errado neles?

— Está-me dizendo que aqueles homens são oficiais?

— Isso mesmo. Todas essas choças são de oficiais. Aquela fila de bangalôs é onde moram os oficiais superiores... majores e coronéis. Há mais ou menos mil australianos e ingleses em choças ao sul da cadeia. Dentro da cadeia há cerca de sete ou oito mil ingleses e australianos. Todos soldados.

— São todos assim?

— Senhor?

— Todos têm essa aparência? Todos se vestem desse jeito?

— Claro. — 0 Rei deu uma risada. — Acho que parecem mesmo um bando de vagabundos. Mas isso nunca me incomodou, até agora. — Foi então que se deu conta de que Forsyth o examinava com ar crítico.

— O que foi? — perguntou, apagando o sorriso.

Atrás e à volta deles, os homens os observavam, entre eles Peter Marlowe. Mas todos se achavam longe do alcance das vozes. Perguntavam-se se seus olhos realmente viam um homem, com jeito de homem, com um revólver na cintura, conversando com o Rei.

— Por que é tão diferente deles? — perguntou Forsyth.

— Senhor?

— Por que está vestido decentemente... e os demais estão em farrapos? 0 sorriso do Rei voltou.

— Cuido das minhas roupas. Acho que eles não.

— Está em boa forma física.

— Não tão boa quanto me agradaria, mas acho que não estou mau. Quer que lhe mostre o lugar? Acho que talvez precise de uma mãozinha. Posso reunir alguns rapazes, formar um destacamento de trabalho. No campo não há suprimentos dignos de nota. Mas há um caminhão na garagem. Poderíamos ir até Cingapura e liberar...

— Como é que você é aparentemente único, aqui? — interrompeu Forsyth, as palavras como balas.

— Hem?

Forsyth apontou para o campo com um indicador grosso.

— Estou vendo bem uns duzentos ou trezentos homens, mas você é o único que está vestido. Não vejo um único homem que não seja magro feito um bambu, mas você... — virou-se para olhar para o Rei, com olhos gélidos — não está mau.

— Sou igual a eles. Só que me cuidei. E tive sorte.

— Não existe “sorte” num buraco dos infernos como este!

— Claro que existe — falou o Rei. — E nã”o há mal nenhum em cuidar das suas roupas, em procurar manter-se na melhor forma física possível. Cada um tem que pensar primeiro em si. Não há mal nisso!

— Mal nenhum — disse Forsyth — contanto que não seja à custa dos outros! — Depois, trovejou: — Onde fica o alojamento do Comandante do Campo?

— Logo ali. — O Rei apontou. — Na primeira fila de bangalôs. Não sei o que deu no senhor. Pensei que podia ajudar. Pensei que precisaria de alguém para esclarecer...

— Não preciso de sua ajuda, Cabo! Como se chama?

O Rei lamentou ter perdido seu tempo tentando ajudar. Filho da puta, pensou, furioso, é isso que ganho tentando ajudar.

— King. Senhor.

— Está dispensado, Cabo. Não vou esquecer-me de você. E não vou deixar de falar com o Capitão Brough, na primeira oportunidade.

— Mas que diabo quer dizer com isso?

— Quero dizer que o acho uma figura tremendamente suspeita — falou Forsyth, bruscamente. — Quero saber por que está em boa forma física, e os outros não. Para ficar em forma num lugar como este, é preciso ter dinheiro, e haveria pouquíssimos meios de obtê-lo. Pouquíssimos, mesmo. Delatar, seria um deles! Vender drogas ou comida seria outro...