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— Coronel Larkin? Ah, os australianos são atendidos noutro local.

— Capitão Grey? Bem, é um tanto difícil dizer-lhe. Bem, o senhor foi dado como morto em ação em 1942. Infelizmente, sua mulher se casou outra vez. Ela... hã... bem, eis o seu endereço atual. Não sei, senhor. Terá que consultar a Procuradoria-Geral. Os aspectos legais não são comigo. O seguinte!

— Capitão Ewart? Ah, sim, o Regimento Malaio? Sim, é com prazer que lhe dou a notícia de que sua mulher e três filhos estão bem e em segurança, no Campo Cha Song, em Cingapura. Sim, temos transporte para o senhor, hoje à tarde. Como disse? Bem, não sei. Aqui diz três, não dois filhos. Talvez seja um erro. O seguinte!

Agora, mais homens estavam indo nadar. Porém, o mundo exterior ainda assustava, e os homens que iam ficavam satisfeitos quando chegava a hora de voltar. Sean foi nadar. Foi para a praia com os homens, segurando um embrulho. Quando o grupo chegou à beira da praia, Sean se afastou, e os homens, na sua maioria, riram e debocharam do pervertido que não queria tirar a roupa, como os demais.

— Bicha!

— Veado!

— Fresco de uma figa!

— Homossexual!

Sean foi andando pela praia, para longe das vaias, até achar um cantinho particular. Tirou a calça curta e a camisa, e vestiu o sarongue de festa, o sutiã com enchimento, o prendedor de meias e as meias, penteou o cabelo e se maquiou. Com muito, muito capricho. E então a moça se levantou, confiante e muito feliz. Calçou os sapatos de salto alto e entrou no mar.

O mar lhe deu as boas-vindas, e fê-la dormir facilmente, e depois, com o passar do tempo, devorou as roupas, o corpo e o tempo dela.

Havia um Major parado diante da porta da choça de Peter Marlowe. Sua farda, estava cheia de barretes, e ele parecia muito jovem. Correu os olhos pela choça, espiando as obscenidades deitadas nos beliches, ou trocando de roupa, ou fumando, ou se preparando para tomar uma chuveirada. Seus olhos acabatam por pousar em Peter Marlowe.

— Que é, porra, nunca me viu? — gritou Peter Marlowe.

— Não fale comigo assim! Sou um Major e...

— Para mim pode até ser Cristo! Saia daqui! Saia!

— Fique em posição de sentido! Levo-o à corte marcial! — explodiu o Major, olhos saltados, suor escorrendo. — Devia sentir vergonha, parado aí, de saia...

— É um sarongue...

— É uma saia, está de saia, seminu! Vocês prisioneiros de guerra acham que podem fazer o que bem entenderem. Pois graças a Deus não podem. E agora, vão-lhes ensinar a respeitar...

Peter Marlowe agarrou sua baioneta de cabo, correu até a porta e encostou a faca na cara do Major.

— Saia daqui, ou juro por Deus, que corto sua garganta, seu merda... O Major se evaporou.

— Vá com calma, Peter — resmungou Phil. — Vai-nos meter a todos em encrenca.

— Por que ficam olhando para a gente? Por quê? Mas que merda, por quê? — berrou Peter. Não houve resposta.

Um médico entrou na choça, um médico com uma Cruz Vermelha no braço, e estava apressado... mas fingia não estar... e sorria para Peter Marlowe.

— Não ligue para ele — falou, apontando para o Major que percorria o campo.

— Porra, mas por que vocês ficam todos olhando para a gente?

— Fume um cigarro e acalme-se.

O médico parecia bem simpático e tranqüilo, mas era gente de fora... não merecia confiança.

— Fume um cigarro e acalme-se! Ê só isso que sabem dizer, seus filhos da mãe — esbravejava Peter Marlowe. — Perguntei, por que ficam todos olhando para a gente?

O médico acendeu um cigarro e sentou-se numa das camas, depois desejou não ter sentado, pois sabia que todas elas estavam contaminadas. Mas queria ajudar.

— Vou tentar explicar — falou, suavemente. — Vocês, todos vocês, passaram por sofrimentos indescritíveis e insuportáveis. São esqueletos ambulantes. A cara de vocês está que é só olhos, e neles há um olhar... — Deteve-se, por um momento, tentando encontrar as palavras certas, pois sabia que aqueles homens precisavam de ajuda, cuidados e meiguice. — Não sei bem como descrevê-lo. É furtivo... não, esta não é a palavra certa, e também não é medo. Mas todos têm o mesmo olhar. E estão vivos, quando, por todos os critérios, deveriam estar mortos. Não sabemos por que nâ”o estão mortos, nem por que sobreviveram... quero dizer, cada um de vocês, por que justo vocês? Nós, do mundo exterior, ficamos olhando para vocês porque são fascinantes...

— Como monstros num parque de diversões, talvez?

— Sim — disse o médico, calmamente. — Podia-se dizer assim, mas...

— Juro por Deus que mato o próximo sacana que olhar para mim como se eu fosse um macaco!

— Tome — disse o médico, tentando apaziguá-lo. — Tome uns comprimidos. Deixarão você mais calmo...

Peter Marlowe deu um tapa na mio do médico, derrubando os comprimidos, e berrou:

— Não quero porra de comprimido nenhum. Só quero ficar em paz! — E saiu correndo da choça.

A choça americana estava deserta.

Peter Marlowe deitou-se na cama do Rei, e chorou.

— Tchau, Peter — falou Larkin.

— Tchau, Coronel.

— Tchau, Mac.

— Boa sorte, meu rapaz.

— Não deixem de dar notícias.

Larkin apertou-lhes as mãos, depois dirigiu-se para o Portão de Changi, onde os caminhões esperavam para levar os últimos australianos para os navios. Para casa.

— Quando parte, Peter? — perguntou Mac, depois que Larkin desaparecera.

— Amanhã. E você?

— Parto agora, mas vou ficar em Cingapura. Não há por que tomar um navio, até que saiba qual destino devo tomar.

— Ainda sem novidades?

— Ainda. Podem estar em qualquer lugar das índias. Mas se ela e Angus estivessem mortos, acho que saberia, dentro de mim. — Mac ergueu a mochila, e inconscientemente verificou se a lata de sardinhas secreta ainda estava em segurança. — Ouvi contar que há algumas mulheres num dos campos de Cingapura que estavam no Shropshire. Talvez alguma delas saiba algo, ou possa dar-me uma pista. Se puder achá-las. — Parecia velho e vincado, mas muito forte. Estendeu a mão. — Salamat.

— Salamat.

— Puki ‘mahlu!

— Senderis — disse Peter Marlowe, cônscio de suas lágrimas, mas sem se envergonhar delas. Tampouco Mac se envergonhava das dele.

— Pode escrever para mim aos cuidados do Banco de Cingapura, meu rapaz.

— Vou escrever. Boa sorte, Mac.

— Salamat!

Peter Marlowe ficou parado na rua que dividia em dois o campo, vendo Mac subir o morro. No topo do morro, Mac virou-se e acenou uma vez. Peter Marlowe retribuiu o aceno, e depois Mac se perdeu na multidão.

E agora, Peter Marlowe estava completamente sozinho.

Última alvorada em Changi. Um último homem morreu. Alguns dos oficiais da Choça 16 já tinham ido embora. Os mais enfermos.

Peter Marlowe jazia sob o mosquiteiro no seu beliche, semi-adormecido. À sua volta, homens acordavam, se levantavam e iam fazer suas necessidades. Barstairs estava de ponta-cabeça, fazendo ioga, Fhil Mint já estava limpando o nariz com uma das mãos e aleijando moscas com a outra, o jogo de bridge já começara, Myner tocava escalas no seu teclado de madeira, e Thomas já xingava porque o café estava atrasado.

— O que acha, Peter? — perguntou Mike.

Peter Marlowe abriu os olhos e fitou-o atentamente.

— Bem, tenho que admitir que está diferente.

Mike esfregou o lábio superior escanhoado com o dorso da mão.

— Sinto-me nu. — Voltou a se olhar no espelho. — Bem, tirei e está tirado.

— Ei, hora da bóia — chamou Spence.

— O que vai ser?

— Mingau, torrada, marmelada, ovos mexidos, bacon, chá.

Alguns homens reclamaram que suas porções eram muito pequenas, outros que eram muito grandes.

Peter Marlowe aceitou apenas os ovos mexidos e o chá. Misturou os ovos com um pouco de arroz que guardara da véspera, e comeu com grande satisfação.