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Ah, não. Lá vem ela de novo com essa história.

— Kate, por favor. Preciso estudar — digo, cortando a conversa.

Ela franze a testa.

— Quer ver o artigo? Está pronto. José fez fotos ótimas.

Será que preciso de um lembrete visual do lindo Christian Não Te Quero Grey?

— Claro.

Consigo a mágica de estampar um sorriso no rosto e vou até o laptop. E lá está ele, me olhando em preto e branco, encarando a mim e a meus defeitos.

Finjo ler o artigo, o tempo todo examinando aquele firme olhar cinzento, tentando encontrar na foto alguma pista que indique por que ele não é homem para mim — suas próprias palavras. E de repente está na cara. Ele é bonito demais. Somos diametralmente opostos e de dois mundos muito diferentes. Eu me imagino como Ícaro se aproximando demais do Sol e caindo na Terra todo queimado em consequência disso. As palavras dele fazem sentido. Ele não é homem para mim. Foi o que ele quis dizer, e isso torna sua rejeição mais fácil de aceitar... um pouco. Não vou morrer por causa disso. Entendo.

— Muito bom, Kate — consigo dizer. — Vou estudar.

Prometo a mim mesma que não vou pensar nele por ora e, abrindo minhas anotações de aula, começo a ler.

* * *

SÓ QUANDO ESTOU na cama, tentando dormir, que deixo meus pensamentos irem à deriva por aquela manhã estranha. Fico me lembrando da frase não quero saber de namorada, e fico com raiva de já não ter pescado essa informação antes de estar nos braços dele implorando mentalmente com todas as fibras do meu ser para que ele me beijasse. Ele disse isso com todas as letras. Não me quer como namorada. Viro-me de lado. Quase dormindo, me pergunto se ele é celibatário. Fecho os olhos e começo a adormecer. Talvez ele esteja se guardando. Bem, não para você. Meu inconsciente sonolento tenta me dar um golpe final antes de se soltar nos meus sonhos.

Nessa noite, sonho com olhos cinzentos e folhas desenhadas no leite, e que estou correndo por lugares escuros com uma iluminação assustadora, não sei se estou indo a algum lugar ou fugindo de alguma coisa... não está claro.

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Largo a caneta. Terminei. Minha prova final acabou. Um sorriso do gato de Alice se abre no meu rosto. Deve ser o primeiro sorriso que dou a semana toda. É sexta-feira e hoje à noite vai ter uma comemoração de verdade. Talvez eu até tome um porre! Nunca tomei um porre na vida. Olho para Kate do outro lado da sala, e ela ainda está escrevendo furiosamente, faltando cinco minutos para o tempo acabar. Acabou, encerrei minha carreira acadêmica. Nunca mais vou me sentar de novo em fileiras de alunos aflitos. Dentro de mim, estou dando cambalhotas, sabendo muito bem que é só na minha cabeça que consigo dar cambalhotas graciosas. Kate para de escrever e larga a caneta. Olha para mim, e vejo também nela o sorriso do gato de Alice.

Voltamos para casa na Mercedes, recusando-nos a discutir nossa prova final. Kate está mais preocupada com a roupa que vai vestir para ir ao bar hoje à noite. E eu procuro as chaves na bolsa.

— Ana, tem um embrulho para você aqui.

Parada na escada que dá acesso à porta de entrada, Kate segura um pacote embrulhado em papel pardo. Estranho. Não encomendei nada na Amazon nos últimos dias. Kate me dá o embrulho e pega as minhas chaves para abrir a porta. O pacote está endereçado à Srta. Anastasia Steele. Não tem endereço nem nome do remetente. Talvez seja da minha mãe ou do Ray.

— Deve ser dos meus pais.

— Abra!

Kate entra na cozinha empolgada para comemorarmos com champanhe o fim das provas.

Abro o embrulho e encontro uma caixa de couro contendo três livros antigos aparentemente idênticos, encadernados com tecido e em perfeito estado, e um cartão branco simples. De um dos lados, em tinta preta numa bela letra cursiva, está escrito:

Por que não me disse que havia perigo? Por que não me avisou?

As senhoras sabem do que se proteger, porque leem romances que

lhes ensinam sobre esses truques...

Reconheço a citação de Tess. Estou estarrecida com a coincidência, já que acabei de passar três horas escrevendo sobre os romances de Thomas Hardy na minha prova final. Talvez não seja coincidência... talvez seja intencional. Examino os livros com atenção, três volumes de Tess of the d’Urbervilles. Abro um dos livros. Na folha de rosto, em tipologia antiga, está escrito:

Londres: Jack R. Olgood, McIlvaine and Co., 1891

Puta merda — são as primeiras edições. Devem valer uma fortuna, e imediatamente sei quem as enviou. Kate está ao meu lado olhando os livros. Pega o cartão.

— Primeiras edições — murmuro.

— Não! — Kate arregala os olhos, incrédula. — Grey?

Concordo com a cabeça.

— Não consigo pensar em mais ninguém.

— O que esse cartão significa?

— Não tenho ideia. Acho que é um aviso. Francamente, ele continua me advertindo para ficar longe dele. Não sei por quê. Não é como se eu estivesse arrombando a porta dele. — Franzo a testa.

— Sei que você não quer falar dele, Ana, mas ele está muito a fim de você. Com ou sem advertências.

Não me permiti pensar em Christian Grey nessa última semana. Tudo bem... seus olhos cinzentos continuam me perseguindo em meus sonhos, e sei que vou levar uma eternidade para expurgar do meu cérebro a sensação dos seus braços me envolvendo e do seu perfume maravilhoso. Por que ele me mandou esses livros? Ele me disse que eu não era para ele.

— Encontrei uma primeira edição de Tess à venda em Nova York por quatorze mil dólares. Mas a sua está muito mais conservada. Deve ter custado bem mais.

Kate está consultando seu grande amigo Google.

— Essa citação, Tess diz essas palavras para sua mãe depois que Alec d’Urberville tira a virgindade dela.

— Eu sei — reflete Kate. — O que ele está tentando dizer?

— Não sei e nem quero saber. Não posso aceitar esses livros. Vou devolver com outra citação desconcertante de alguma outra parte obscura do livro.

— O trecho em que Angel Clare diz: vá para a puta que pariu? — pergunta Kate com uma expressão totalmente impassível.

— É, esse trecho.

Dou uma risada. Adoro Kate. Ela é fiel e sempre me apoia. Torno a embalar os livros e os deixo sobre a mesa de jantar. Kate me entrega uma taça de champanhe.

— Ao fim das nossas provas e à vida nova em Seattle — ela brinda.

— Ao fim das nossas provas, à vida nova em Seattle e a excelentes resultados. — Brindamos com nossas taças e bebemos.

* * *

O BAR ESTÁ BARULHENTO e agitado, cheio de formandos querendo ficar bêbados. José se junta a nós. Ainda falta um ano para ele se formar, mas está no clima de festa e nos ajuda a comemorar nossa liberdade recém-adquirida pagando uma jarra de margarita para todo mundo. No quinto copo, percebo que não é uma boa ideia depois do champanhe.

— E agora, Ana? — José grita mais alto que o barulho.

— Kate e eu vamos nos mudar para Seattle. Os pais dela compraram um apartamento lá para ela.

Dios mío, vai levar uma vida de pobreza, então? — brinca ele. — Mas você vai voltar para minha exposição?

— Claro, José, eu não perderia isso por nada no mundo.

Sorrio, e ele passa o braço em volta da minha cintura e me puxa mais para perto.

— É muito importante para mim que você esteja presente, Ana — murmura ele no meu ouvido. — Outra margarita?

— José Luis Rodriguez! Está tentando me embebedar? Porque está conseguindo... — Eu rio. — Acho melhor eu tomar uma cerveja. Vou buscar para a gente.

— Mais bebida, Ana! — grita Kate.

Kate tem a resistência de um touro. Está pendurada em Levi, um dos nossos colegas de inglês e seu fotógrafo de praxe no jornal dos alunos. Ele desistiu de fotografar a embriaguez que o cerca. Só tem olhos para Kate. Ela está usando uma batinha, jeans justo e salto alto, o cabelo preso no alto da cabeça com cachinhos soltos emoldurando o rosto, espetacular como sempre. Eu faço mais o estilo All Star e camiseta, mas estou usando a calça jeans que mais me favorece. Desvencilho-me do abraço de José e me levanto da mesa.