— Ele já beijou você? — pergunta ela ao fazer o café.
Fico vermelha.
— Uma vez.
— Uma vez! — caçoa ela.
Balanço a cabeça confirmando, bastante encabulada.
— Ele é muito reservado.
Ela franze a testa.
— Que estranho.
— Estranho é pouco.
— Precisamos garantir que você esteja simplesmente irresistível hoje à noite — diz ela com determinação.
Ah, não... parece que isso vai ser demorado, humilhante e doloroso.
— Tenho que estar na loja daqui a uma hora.
— Posso trabalhar nesse prazo. Vamos.
Kate me pega pela mão e me leva para seu quarto.
* * *
O DIA SE arrasta na Clayton’s, apesar do movimento. Como estamos na temporada de verão, tenho que passar duas horas reabastecendo as prateleiras depois que a loja fecha. É um trabalho mecânico, e me dá tempo para pensar. Não tive realmente chance para isso o dia inteiro.
Sob as incansáveis e, francamente, intrusivas instruções de Kate, minhas pernas e axilas estão impecavelmente raspadas, minhas sobrancelhas foram feitas, e eu passei por uma esfoliação completa. Foi uma experiência desagradabilíssima. Mas ela me garante que é isso que os homens esperam atualmente. O que mais ele espera? Preciso convencer Kate de que é isso que quero fazer. Por alguma razão estranha, ela não confia em Christian, talvez por ele ser tão rígido e formal. Ela diz não saber identificar o motivo, mas prometi lhe mandar uma mensagem pelo celular assim que chegar em Seattle. Não lhe contei do helicóptero. Ela ia ter um treco.
Há também o problema José. Ele deixou três mensagens e há sete ligações perdidas no meu celular. Também ligou duas vezes lá para casa. Kate foi muito vaga a respeito de onde estou. Ele vai saber que ela está me dando cobertura. Kate nunca é vaga. Mas resolvi deixá-lo se remoendo. Ainda estou muito zangada com ele.
Christian mencionou uma papelada qualquer, e não sei se ele estava brincando ou se vou ter que assinar alguma coisa. É frustrante tentar adivinhar. E, além de toda a angústia, mal consigo conter a empolgação e o nervosismo. Essa noite é a noite! Depois de todo esse tempo, será que estou pronta para isso? Minha deusa interior me olha furiosa, batendo o pezinho com impaciência. Ela está pronta para isso há anos, e está pronta para qualquer coisa com Christian Grey, mas eu ainda não entendo o que ele vê em mim... a tímida Ana Steele... não faz sentido.
Ele é pontual, claro, e está à minha espera quando saio da loja. Salta da parte traseira do Audi para abrir a porta e me lança um sorriso caloroso.
— Boa noite, Srta. Steele — diz.
— Sr. Grey — cumprimento-o polidamente com um aceno de cabeça ao avançar para o banco de trás do carro. Taylor está na direção.
— Olá, Taylor.
— Boa noite, Srta. Steele — ele fala com educação, num tom profissional. Christian entra pelo outro lado e segura minha mão, dando-lhe um apertãozinho que ecoa por todo o meu corpo.
— Como foi o trabalho? — pergunta.
— Muito demorado — respondo e minha voz é áspera, grave demais e carente.
— É, eu também tive um dia longo.
— O que você fez? — consigo perguntar.
— Fui dar uma caminhada com Elliot.
Seu polegar roça os nós dos meus dedos para lá e para cá, meu coração salta e minha respiração se acelera. Como ele faz isso comigo? Só encostou numa pequena parte do meu corpo, e meus hormônios se descontrolam.
O percurso até o heliporto é curto e, quando vejo, já chegamos. Pergunto-me onde estaria o fabuloso helicóptero. Estamos numa área urbanizada da cidade, e até eu sei que um helicóptero precisa de espaço para decolar e pousar. Taylor estaciona, sai do carro e abre a porta para mim. Christian aparece do meu lado num instante e torna a pegar minha mão.
— Pronta? — pergunta.
Faço que sim com a cabeça e quero dizer para qualquer coisa. Mas não consigo articular as palavras, pois estou muito nervosa, muito agitada.
— Taylor. — Ele acena rápido com a cabeça para o motorista, e entramos no prédio, direto para o hall dos elevadores.
Elevador! A lembrança do nosso beijo daquela manhã torna a me assombrar. Não pensei em mais nada o dia inteiro, sonhando acordada no caixa da loja. Por duas vezes o Sr. Clayton precisou gritar meu nome para me trazer de volta à Terra. Dizer que ando distraída seria o mínimo. Christian me olha, um sorrisinho nos lábios. Rá! Ele também está pensando nisso.
— São só três andares — diz secamente, os olhos alegres dançando. Ele tem poderes telepáticos, com certeza. É assustador.
Tento manter a expressão impassível ao entrarmos no elevador. As portas se fecham, e lá está aquela estranha atração elétrica estalando entre nós, escravizando-me. Fecho os olhos, tentando em vão não me importar com isso. Ele aperta minha mão e, cinco segundos depois, as portas se abrem para o telhado do prédio. E lá está, um helicóptero branco com o nome GREY ENTERPRISES HOLDINGS, INC. escrito em azul com o logo da companhia ao lado. Sem dúvida esse não é um uso adequado dos bens da companhia.
Ele me conduz a um pequeno escritório onde há um senhor sentado à mesa.
— Aqui está seu plano de voo, Sr. Grey. Todas as verificações externas foram feitas. A aeronave está a postos. O senhor está autorizado a decolar.
— Obrigado, Joe. — Christian sorri calorosamente para ele.
Ah, alguém que merece tratamento cortês por parte de Christian. Talvez não seja um empregado. Encaro o velho homem com respeito.
— Vamos — diz Christian, e nos encaminhamos para o helicóptero.
De perto, é muito maior do que pensava. Eu esperava uma versão esportiva para dois, mas tem pelo menos sete lugares. Christian abre a porta e me encaminha para um dos assentos da frente.
— Sente-se. Não toque em nada — ordena ao embarcar depois de mim.
Ele bate a porta com força. Ainda bem que a área está toda iluminada, do contrário eu teria dificuldade de enxergar o interior da pequena cabine do piloto. Sento no lugar que me foi designado, e ele se agacha a meu lado para prender meu cinto de segurança. É um cinto de quatro pontos com todas as correias ligadas a um ponto central. Ele ajusta as duas correias superiores, e eu mal consigo me mexer. Está muito perto e muito concentrado no que faz. Se pudesse me inclinar para a frente, eu encostaria o nariz em seu cabelo. Ele tem um cheiro limpo, fresco, divino, mas estou amarrada com segurança na minha poltrona e efetivamente imóvel. Ele ergue os olhos e sorri. Como sempre, parece estar curtindo uma piada particular, os olhos brilhando. Está terrivelmente perto. Prendo o fôlego enquanto ele puxa uma das correias superiores.
— Você está segura, sem escapatória — murmura ele. — Respire, Anastasia — acrescenta docemente.
Esticando o braço, acaricia meu rosto, correndo os dedos até meu queixo, que segura entre o polegar e o indicador. Inclina-se para a frente e me dá um beijo rápido e casto, deixando-me tonta e trêmula com o toque inesperado e empolgante de seus lábios.
— Gosto dessa correia — sussurra ele.
O quê?
Ele se senta ao meu lado e se prende em seu assento com o cinto, depois dá início a um prolongado procedimento de checagem de aparelhos, acionamento de botões e comutadores do alucinante leque de mostradores, luzes e interruptores à minha frente. Luzinhas piscam de vários lugares, e o painel de instrumentos se acende.
— Ponha os fones de ouvido — diz ele, apontando para um conjunto de fones. Coloco-os, e as lâminas do rotor dão a partida. É ensurdecedor. Ele coloca seu fone e continua acionando vários comandos.
— Só estou fazendo todas as verificações pré-decolagem.
A voz incorpórea de Christian chega aos meus ouvidos através dos fones. Olho para ele e sorrio.