Impressionado comigo? Agora Kate está sendo ridícula.
— Quer um sanduíche?
— Por favor.
* * *
NÃO FALAMOS MAIS de Christian Grey naquela noite, para meu alívio. Quando acabamos de comer, sento-me à mesa de jantar com Kate e, enquanto ela trabalha em seu artigo, escrevo meu texto sobre Tess of the d’Urbervilles. Droga, aquela mulher estava no lugar errado, na hora errada e no século errado. Quando termino, é meia-noite, e Kate já foi se deitar há muito tempo. Vou para o quarto, exausta, mas feliz por ter feito tanta coisa numa segunda-feira.
Encolho-me em minha cama de ferro branca, enrolada na colcha da minha mãe, fecho os olhos e adormeço na mesma hora. Sonho com lugares escuros, desolados, pisos brancos frios e olhos cinzentos.
* * *
PELO RESTO DA SEMANA, dedico-me aos estudos e ao meu trabalho na Clayton’s. Kate está ocupada também, compilando sua última edição do jornal antes de ter que cedê-la à nova editora enquanto se esforça para as provas finais. Na quarta-feira, ela está muito melhor, e já não tenho mais que aguentar aquele seu pijama de flanela rosa cheio de coelhos. Ligo para minha mãe na Geórgia a fim de saber como ela está, mas também para ela poder me desejar boa sorte nas provas finais. Ela começa a me contar sobre sua última aventura na fabricação de velas — minha mãe vive experimentando novos negócios. Basicamente, está entediada e quer algo para ocupar o tempo, mas tem a concentração de um peixinho dourado. Na semana que vem será algo diferente. Ela me preocupa. Espero que não tenha hipotecado a casa para financiar esse último projeto. E espero que Bob — seu marido relativamente novo, mas muito mais velho — esteja de olho nela agora que não estou mais lá. Ele parece ser muito mais pé no chão que o Marido Número Três.
— Como você está, Ana?
Por um momento, hesito, e tenho toda a atenção de minha mãe.
— Estou bem.
— Ana? Você conheceu alguém?
Uau... como ela faz isso? A empolgação em sua voz é palpável.
— Não, mãe, não é nada. Você será a primeira a saber se eu conhecer.
— Ana, você precisa realmente sair mais, querida. Você me preocupa.
— Mãe, eu estou bem. Como está Bob? — Como sempre, distrair é a melhor política.
Mais tarde naquela noite, ligo para Ray, meu padrasto, o Marido Número Dois de mamãe, o homem que considero meu pai, e o homem cujo sobrenome eu carrego. É uma conversa breve. Na verdade, não é muito uma conversa, mas uma série de resmungos em resposta à minha delicada tentativa de persuasão. Ray não é de falar muito. Mas ainda está vivo, ainda assiste a futebol na tevê (e joga boliche e pesca com mosca ou faz móveis quando não está vendo televisão). Ele é um carpinteiro talentoso e a razão de eu saber a diferença entre uma espátula e um serrote. Parece que está tudo bem com ele.
* * *
SEXTA-FEIRA À NOITE, Kate e eu estamos discutindo o que fazer — queremos descansar um pouco dos estudos, do trabalho e dos jornais dos alunos —, quando a campainha toca. Parado à nossa porta está meu grande amigo José, segurando uma garrafa de champanhe.
— José! Que bom ver você! — Dou-lhe um abraço rápido. — Entre.
José foi a primeira pessoa que conheci quando entrei para a WSU. Ele parecia tão perdido e solitário quanto eu. Sentimos uma enorme afinidade um pelo outro naquele dia, e somos amigos desde então. Não só temos senso de humor, mas também descobrimos que Ray e o pai de José serviram juntos na mesma unidade do Exército. Consequentemente, nossos pais também se tornaram grandes amigos.
José estuda engenharia e é o primeiro de sua família a chegar à faculdade. Ele é um aluno brilhante, mas sua verdadeira paixão é a fotografia. José tem um ótimo olho para fotografar.
— Tenho novidades. — Ele ri, os olhos escuros brilhando.
— Não me diga. Conseguiu não ser posto para fora por mais uma semana — provoco, e ele fecha a cara para mim de brincadeira.
— A Galeria Portland Place vai expor minhas fotos no mês que vem.
— Que incrível! Parabéns!
Feliz por José, torno a abraçá-lo. Kate também sorri para ele.
— Parabéns, José! Eu devia colocar isso no jornal. Nada como mudanças editoriais de última hora numa sexta-feira à noite. — Ela finge aborrecimento.
— Vamos comemorar. Quero que vá à inauguração. — José me olha fixamente e eu enrubesço. — Vocês duas, claro — acrescenta ele, olhando nervoso para Kate.
José e eu somos muito amigos, mas, no fundo, sei que ele gostaria de ser mais que isso. Ele é bonito e divertido, mas não é para mim. É mais como o irmão que nunca tive. Katherine vive me provocando dizendo que me falta o gene “preciso de um namorado”, mas a verdade é que eu simplesmente nunca conheci alguém que... bem, me atraia, embora parte de mim anseie por pernas bambas, coração na boca, frio na barriga, noites em claro.
Às vezes, me pergunto se há algo de errado comigo. Talvez eu tenha passado muito tempo na companhia dos meus heróis literários românticos e, consequentemente, tenha ideais e expectativas elevados demais. Mas, na verdade, ninguém nunca me fez sentir assim.
Até muito recentemente, murmura a inoportuna e ainda fraca voz do meu inconsciente. NÃO! Expulso o pensamento de imediato. Não vou cair nessa, não depois daquela entrevista penosa. O senhor é gay, Sr. Grey? Estremeço com a lembrança. Sei que sonhei com ele quase todas as noites desde então, mas isso é só para expurgar do meu corpo a terrível experiência, com certeza.
Observo José abrir a garrafa de champanhe. Ele é alto e, com aquela calça jeans e aquela camiseta, é só ombros e músculos, a pele bronzeada, o cabelo escuro e ardentes olhos negros. Sim, José é bastante atraente, mas acho que, enfim ele está entendendo o recado: somos apenas amigos. A rolha espoca ruidosamente, e ele ergue os olhos e sorri.
* * *
SÁBADO NA LOJA é um pesadelo. Somos assediados por amantes da bricolagem querendo consertar suas casas. O Sr. e a Sra. Clayton, John e Patrick — os outros dois funcionários que trabalham meio expediente — e eu corremos de um lado para o outro. Mas há um período de calmaria por volta da hora do almoço, e a Sra. Clayton me pede para conferir algumas encomendas enquanto estou sentada atrás do balcão do caixa comendo discretamente meu bagel. Sou envolvida pela tarefa, comparando números do catálogo com os artigos de que precisamos e a quantidade que encomendamos, os olhos pulando do livro de encomendas para a tela do computador e vice-versa ao conferirem se as entradas batem. Então, por alguma razão, ergo a vista... e sou capturada pelo atrevido olhar cinzento de Christian Grey, que está parado no balcão, encarando-me atentamente.
Parada cardíaca.
— Srta. Steele. Que surpresa agradável. — O olhar dele é firme e intenso.
Droga. Que diabo ele está fazendo aqui todo despenteado e esportivo, com um suéter grosso, jeans e botas? Acho que meu queixo caiu, e não consigo encontrar meu cérebro nem minha voz.
— Sr. Grey — murmuro, porque é só o que consigo.
Há a sombra de um sorriso nos lábios dele, e seus olhos estão cheios de humor, como se ele estivesse curtindo uma piada íntima.
— Eu estava pela área — diz ele, à guisa de explicação. — Preciso me abastecer de algumas coisas. É um prazer tornar a vê-la, Srta. Steele. — Sua voz é quente e encorpada como caramelo e chocolate derretido... ou algo assim.
Balanço a cabeça para pôr as ideias em ordem. Meu coração dispara, e, por alguma razão, enrubesço furiosamente sob seu exame minucioso. Fico absolutamente desconcertada com a figura dele parada na minha frente. Minhas lembranças não lhe fazem jus. Ele não é apenas bem-apessoado: é a síntese da beleza masculina, de tirar o fôlego, e está aqui. Aqui na Clayton’s. Imagine. Finalmente, minhas funções cognitivas são restauradas e reconectadas ao restante do meu corpo.