Ah, merda.
— Você tem preferência?
— Preferência?
— Menino ou menina.
Ele franze a testa.
— Prefiro com saúde — diz ele baixinho, evidentemente desconcertado com a pergunta. — Coma — acrescenta bem rápido, e sei que está tentando mudar de assunto.
— Estou comendo, estou comendo… Nossa, relaxe um pouco, Grey.
Observo-o com cuidado. Os cantos dos seus olhos estão enrugados de preocupação. Ele disse que vai tentar, mas sei que ainda está apavorado com a ideia do bebê. Ah, Christian, eu também estou. Ele se senta na cadeira ao meu lado e pega o Seattle Times.
— Você saiu no jornal de novo, Sra. Grey — diz ele, em tom amargo.
— De novo?
— Os picaretas estão só repetindo a história de ontem, mas parece correta quanto aos fatos. Quer ler?
Balanço a cabeça em negativa.
— Leia para mim. Estou comendo.
Ele dá um sorriso e começa a ler em voz alta. É um relato sobre Jack e Elizabeth, pintando o casal como uma versão moderna de Bonnie e Clyde. Em poucas palavras cobre o sequestro de Mia, meu envolvimento no resgate dela, e o fato de Jack e eu estarmos internados no mesmo hospital. Como é que a imprensa consegue toda essa informação? Preciso perguntar isso a Kate.
Quando Christian termina, peço:
— Por favor, leia mais alguma coisa; gosto de ouvir você.
Ele concorda e pega uma reportagem sobre a expansão de uma padaria especializada em bagels e uma outra relatando que a Boeing foi obrigada a cancelar o lançamento de uma aeronave. Christian franze a testa ao ler. Porém, ao ouvir sua voz suave enquanto como, e tendo a certeza de que estou bem, que Mia está bem e que meu Pontinho está bem, sinto um precioso momento de paz apesar de tudo o que aconteceu nos últimos dias.
Eu entendo que Christian esteja assustado com a minha gravidez, mas não entendo a intensidade do seu medo. Decido falar mais com ele sobre isso. Ver se consigo deixá-lo mais à vontade. O que me intriga é que ele não pode sentir falta de modelos positivos de pai e mãe. Tanto Grace quanto Carrick são exemplares, ou pelo menos assim parece. Talvez tenha sido a interferência da Monstra Filha da Mãe que o afetou tanto. Gosto de pensar assim. Na realidade, porém, acho que tudo remonta à sua mãe biológica, embora eu tenha certeza de que a Mrs. Robinson não ajudou muito. Interrompo meus pensamentos quando me recordo vagamente de uma conversa sussurrada. Droga! É uma conversa que está guardada em um canto da minha memória, quando eu ainda estava inconsciente. Era Christian conversando com Grace. Tudo se dissolve nas sombras da minha mente. Ah, é tão frustrante.
Fico pensando se Christian algum dia vai dizer voluntariamente por que foi procurá-la ou se terei que extrair dele essa informação. Estou prestes a perguntar-lhe quando alguém bate à porta.
O detetive Clark entra no quarto já se desculpando. E ele tem toda razão em pedir desculpas, pois meu coração se aperta quando o vejo.
— Sr. e Sra. Grey. Estou atrapalhando?
— Sim — dispara Christian.
Clark o ignora.
— Fico contente por vê-la acordada, Sra. Grey. Preciso lhe fazer algumas perguntas sobre os acontecimentos da tarde de quinta-feira. Apenas rotina. Agora seria conveniente?
— Claro — balbucio, embora não queira reviver esses acontecimentos.
— Minha mulher deveria estar descansando — reclama Christian.
— Não vou demorar, Sr. Grey. Além do mais, assim eu já deixo o casal em paz.
Christian se levanta e oferece a cadeira para Clark, depois se senta ao meu lado na cama, pega minha mão e a aperta, para me tranquilizar.
* * *
MEIA HORA DEPOIS, Clark já acabou suas perguntas. Não acrescentou nenhuma novidade, mas recontei os eventos de quinta-feira em voz baixa e entrecortada, observando como Christian ficava pálido e angustiado em algumas partes.
— Eu queria era que você tivesse mirado mais em cima — balbucia Christian.
— Teria feito um bem às mulheres — concorda Clark.
O quê?
— Obrigado, Sra. Grey. É tudo por enquanto.
— O senhor não vai deixar o Hyde livre novamente, vai?
— Acho difícil que ele consiga fiança dessa vez, madame.
— Aliás, quem pagou para soltá-lo? — pergunta Christian.
— Isso é informação sigilosa.
Christian franze a testa, mas acho que ele suspeita de alguém. Clark se levanta para sair no momento que a Dra. Singh e dois médicos residentes entram no quarto.
* * *
APÓS UM EXAME minucioso, a Dra. Singh me declara apta a voltar para casa. Christian relaxa de alívio visivelmente.
— Sra. Grey, fique atenta caso as dores de cabeça piorem ou a sua visão fique embaçada. Se isso ocorrer, retorne ao hospital imediatamente.
Aquiesço, tentando conter minha imensa satisfação por voltar para casa.
Quando a Dra. Singh está saindo do quarto, Christian pede para ter uma conversa rápida com ela no corredor. Ele mantém a porta aberta enquanto faz uma pergunta. Ela sorri.
— Sim, Sr. Grey, sem problema.
Ele sorri e volta para o quarto bem mais feliz.
— Sobre o que vocês estavam falando?
— Sexo — responde ele, com um sorriso libidinoso.
Ah. Fico vermelha.
— E então?
— Você está liberada. — Ele sorri maliciosamente.
Ah, Christian!
— Estou com dor de cabeça. — E também abro um sorriso.
— Eu sei. Você vai estar fora de combate por um tempo. Só quis verificar.
Fora de combate? Tenho uma súbita sensação de decepção. Não sei se quero ficar fora de combate.
A enfermeira Nora vem retirar o soro. Ela encara Christian com hostilidade. Acho que é uma das poucas mulheres que conheço que ignora o charme do meu marido. Digo uma palavra de agradecimento quando ela sai com o suporte do soro.
— Vamos para casa? — indaga Christian.
— Eu queria ver o Ray primeiro.
— Claro.
— Ele já sabe sobre o bebê?
— Achei que você mesma ia querer contar. Também não disse nada à sua mãe.
— Obrigada. — Sorrio, grata por ele não ter roubado minha novidade.
— Minha mãe sabe — acrescenta Christian. — Ela viu no prontuário. Contei para o meu pai, mas só ele. Minha mãe diz que os casais em geral esperam umas doze semanas… para ter certeza. — Ele dá de ombros.
— Não sei se estou preparada para contar ao Ray.
— Tenho que avisar: ele está bravo à beça. Disse que eu deveria dar umas palmadas em você.
O quê? Christian ri da minha expressão horrorizada.
— Eu disse que ficaria bem feliz em fazer isso.
— Você não disse isso! — exclamo, apesar de a minha memória estar sendo assombrada pelos ecos de uma conversa sussurrada. Sim, Ray passou aqui quando eu estava inconsciente…
Christian me dá uma piscadela.
— Olhe aqui, o Taylor trouxe roupas limpas. Eu ajudo você a se vestir.
* * *
COMO CHRISTIAN PREVIU, Ray está enfurecido. Não me lembro de algum dia tê-lo visto assim. Christian teve a sensatez de nos deixar sozinhos. Taciturno como ele só, Ray enche seu quarto de hospital com críticas severas, repreendendo-me por meu comportamento irresponsável. Voltei a ter doze anos.
Ah, papai, por favor, acalme-se. Sua pressão não vai aguentar isso.
— E ainda tive que aturar a sua mãe — resmunga ele, acenando com as mãos em irritação.
— Pai, desculpe.
— E o pobre do Christian? Nunca vi o rapaz assim. Ele até envelheceu. Nós dois envelhecemos várias décadas nos últimos dias.
— Ray, desculpe.
— Sua mãe está esperando um telefonema seu. — Seu tom de voz agora é mais moderado.
Beijo-o no rosto, e finalmente ele ameniza o discurso.
— Vou ligar para ela. Eu sinto muito, sinto mesmo. Mas agradeço por você ter me ensinado a atirar.