Assumindo uma expressão zangada, eu me levanto e deixo minha calça cair no chão sem cerimônia, encarando-o emburrada o tempo todo. Sua boca se torce enquanto ele puxa o edredom, achando graça.
— Você ouviu a Dra. Singh. Ela disse para você descansar. — Sua voz soa mais suave. Deito na cama e cruzo os braços, frustrada. — Não saia daqui — diz ele, sem dúvida se divertindo.
E fico ainda mais zangada.
* * *
O ENSOPADO DE galinha da Sra. Jones é com certeza um dos meus pratos prediletos. Christian come comigo, sentado de pernas cruzadas no meio da cama.
— Essa comida foi muito bem aquecida. — Dou um riso forçado e ele sorri. Estou satisfeita e sonolenta. Será que era esse o plano dele?
— Você parece cansada. — Ele pega minha bandeja.
— E estou.
— Ótimo. Durma, então. — Ele me beija. — Tenho que trabalhar. Vou fazer isso aqui, se não se importar.
Faço que sim… lutando em vão contra minhas pálpebras. Eu não fazia ideia de que um ensopado de galinha podia ser tão cansativo.
* * *
JÁ ESTÁ ANOITECENDO quando acordo. Uma luz rosada e pálida inunda o quarto. Christian está sentado na poltrona, observando-me, os olhos cinzentos brilhando na luz ambiente. Ele segura alguns papéis, o rosto sem cor.
Puta merda!
— O que aconteceu? — pergunto imediatamente, sentando-me e ignorando as costelas doloridas.
— Welch acabou de sair.
Ah, merda.
— E então?
— Eu morei com o filho da puta — murmura ele.
— Morou? Com o Jack?
Ele confirma, os olhos bem abertos.
— Vocês são parentes?
— Não. Por Deus, não.
Eu me arrasto para um lado da cama e puxo o edredom, convidando-o a vir para mais perto de mim. Para minha surpresa, ele não hesita. Chuta os sapatos para fora dos pés e desliza para dentro do edredom. Passando um braço ao meu redor, ele se encolhe, descansando a cabeça no meu colo. Fico pasma. O que é isso?
— Não entendo — murmuro, fitando-o e passando os dedos pelo seu cabelo. Christian fecha os olhos e franze as sobrancelhas como se tentasse com muito esforço se lembrar de algo.
— Depois que me encontraram com a prostituta drogada, antes de eu ir morar com o Carrick e a Grace, eu fiquei aos cuidados do estado de Michigan. Morei com uma família adotiva provisória, mas não consigo me lembrar nada daquela época.
Minha mente agora está a mil. Família provisória? Isso é novidade para nós dois.
— Por quanto tempo? — murmuro.
— Uns dois meses. Não me lembro de nada.
— Você falou com os seus pais sobre isso?
— Não.
— Pois deveria, eu acho. Talvez eles o ajudem a preencher algumas lacunas.
Ele me abraça apertado.
— Olhe.
Ele me entrega os papéis que estava segurando: duas fotografias. Acendo a luz da cabeceira para poder examinar melhor as imagens. A primeira delas mostra uma casa velha com a porta da frente amarela e uma enorme janela no telhado. Tem uma varanda e um pequeno quintal na frente. Uma casa totalmente comum.
A segunda é de uma família; à primeira vista, uma família de operários normaclass="underline" um homem e sua esposa, eu acho, e os filhos. Os dois adultos vestem camisetas azuis desbotadas e deselegantes. Devem ter uns quarenta anos. A mulher tem o cabelo louro esticado para trás e o homem usa o cabelo bem curto e austero, mas ambos sorriem calorosamente para a câmera. O homem está com um braço em volta dos ombros de uma adolescente mal-humorada. Dou uma olhada nas crianças: dois meninos — gêmeos idênticos, de cerca de doze anos —, ambos com cabelo cor de areia, rindo largamente para a câmera; um outro menino, menor, de cabelo louro arruivado e olhar carrancudo; e atrás dele, mais um menino, pequeno, com cabelo cor de cobre e olhos cinzentos. O menorzinho, com os olhos arregalados e amedrontados, veste roupas descombinadas e está agarrado a um cobertorzinho sujo.
Cacete.
— Este aqui é você — murmuro, o coração quase saindo pela boca.
Sei que Christian tinha quatro anos quando a mãe morreu, mas essa criança parece bem mais nova. Ele devia estar muito malnutrido. Abafo um soluço quando as lágrimas brotam nos meus olhos. Ah, meu amor.
— Sou eu. — Ele confirma com um aceno de cabeça.
— Welch trouxe essas fotografias?
— Sim. Eu não me lembro de nada disso. — Sua voz parece sem entonação, sem vida.
— De um lar adotivo provisório? E por que você iria se lembrar disso? Christian, foi há muito tempo. É isso que está preocupando você?
— Eu me lembro de outras coisas, de antes e depois. Quando conheci minha mãe e meu pai. Mas isso… é como se fosse um gigantesco hiato.
Meu coração se retorce, e começo a compreender. Meu querido maníaco por controle gosta de tudo em seu devido lugar, e agora soube que há peças faltando no quebra-cabeça.
— Jack aparece na foto?
— Sim, é o menino mais velho.
Os olhos de Christian continuam bem fechados, e ele se agarra a mim como se eu fosse um bote salva-vidas. Deslizo os dedos pelo cabelo dele e presto mais atenção ao menino mais velho, que encara a câmera com ar desafiador e arrogante. Dá para perceber que é Jack. Porém, ele não passa de uma criança, um menino triste de oito ou nove anos, ocultando seu medo por trás da atitude hostil. De repente me lembro de algo.
— Quando o Jack me telefonou para dizer que estava com a Mia, ele disse que, se as coisas tivessem sido diferentes, ele poderia ser você.
Christian fecha os olhos e estremece.
— Aquele filho da puta!
— Você acha que ele agiu assim porque os Grey adotaram você em vez dele?
— Quem sabe? — Seu tom de voz traz amargura. — Não dou a mínima para ele.
— Talvez ele soubesse que a gente estava junto quando eu fui para aquela entrevista de emprego. Talvez ele estivesse o tempo todo planejando me seduzir. — Sinto um gosto de fel na boca.
— Acho que não — murmura Christian, abrindo os olhos. — As pesquisas que ele fez sobre a minha família só começaram pelo menos uma semana depois de você começar a trabalhar na SIP. Barney sabe as datas exatas. E, Ana, ele trepou com todas as assistentes que teve, e filmou tudo. — Christian fecha os olhos e se aconchega mais em mim.
Reprimindo o pavor que as lembranças me trazem, tento me recordar das várias conversas que tive com Jack logo que comecei a trabalhar na SIP. No fundo eu sabia que ele não prestava, mas assim mesmo ignorei todos os meus instintos. Christian tem razão: não me importo muito com minha própria segurança. Eu me lembro da briga que tivemos por causa da minha viagem a Nova York com Jack. Minha nossa… eu poderia ter ido parar em algum sórdido vídeo pornográfico. Só de pensar, fico enjoada. E então me lembro das fotos que Christian guardava de suas submissas.
Ah, merda. “Somos farinha do mesmo saco.” Não, Christian, não são, você não se parece em nada, nadinha com ele. Christian continua enroscado em mim como uma criancinha.
— Acho que você deveria falar com os seus pais.
Não quero que ele se mexa; por isso, deslizo para trás na cama de modo a encará-lo.
Um olhar cinzento e desnorteado encontra o meu, fazendo-me lembrar a criança da fotografia.
— Eu ligo para eles, ok? — murmuro. Ele balança a cabeça. — Por favor — suplico.
Ele me fita, e em seu olhar vejo a dor e a insegurança que o afligem, enquanto ele considera meu pedido. Ah, Christian, por favor!
— Eu ligo — diz ele, em voz baixa.
— Que bom. Podemos ir juntos visitá-los, ou você vai sozinho. O que preferir.
— Não. Eles podem vir aqui.
— Por quê?
— Não quero que você vá a lugar algum.
— Christian, eu posso muito bem sair de carro.
— Não. — Sua voz é firme, mas ele me dá um sorriso irônico. — Além do mais, é sábado à noite, eles devem ter saído.