— Como você se sente a respeito disso? — murmuro.
Ele franze a testa.
— O fato de não ter parentes vivos? Que se foda. Se fossem parecidos com a prostituta drogada… — Ele balança a cabeça com repugnância.
Ah, Christian! Você era uma criança e amava a sua mãe.
Ele veste o pijama, sobe na cama e delicadamente me puxa para seus braços.
— Minha memória está voltando. Eu me lembro da comida. A Sra. Collier sabia cozinhar. E pelo menos sabemos agora por que aquele filho da puta é tão cismado com a minha família. — Ele passa a mão livre pelo cabelo. — Cacete! — diz, repentinamente se virando para mim, perplexo.
— O que foi?
— Agora faz sentido. — Seus olhos revelam que ele se recordou de algo.
— O quê?
— Passarinho. A Sra. Collier me chamava de Passarinho.
Franzo o cenho, sem entender.
— E isso faz sentido?
— O bilhete — explica ele, olhando-me fixamente. — O bilhete de resgate que o filho da puta me deixou. Era algo parecido com “Você sabe quem eu sou? Porque eu sei quem você é, Passarinho”.
Para mim, não faz nenhum sentido.
— É de um livro infantil. Meu Deus. Tinha esse livro na casa dos Collier. Chamava-se… Você é a minha mãe? Merda. — Seus olhos se arregalam. — Eu adorava aquele livro.
Ah. Eu conheço o livro. Meu coração fica em pedaços… Christian!
— A Sra. Collier lia essa história para mim.
Fico perdida, sem saber o que dizer.
— Meu Deus. Ele sabia… o filho da puta sabia.
— Você vai contar isso à polícia?
— Vou. Vou, sim. Só Deus sabe o que o Clark vai fazer com essa informação. — Ele balança a cabeça, como se tentasse clarear os pensamentos. — Bom, obrigado por esta noite.
Uau. Mudança total.
— Pelo quê?
— Por fazer uma refeição para a minha família num piscar de olhos.
— Não me agradeça, agradeça à Mia. E à Sra. Jones, que mantém a despensa cheia.
Ele balança a cabeça parecendo irritado. Comigo? Por quê?
— Como está se sentindo, Sra. Grey?
— Bem. E você? Como está se sentindo?
— Estou bem. — Ele franze o cenho… sem entender minha preocupação.
Ah… Nesse caso… Faço meus dedos descerem do seu peito até onde começam seus pelos pubianos.
Ele ri e agarra minha mão.
— Ah, não. Não comece com essas ideias.
Faço um beicinho triste, e ele suspira.
— Ana, Ana, Ana, o que eu vou fazer com você? — Ele beija meu cabelo.
— Tenho algumas sugestões.
Eu me contorço por baixo dele e estremeço quando a dor se irradia das minhas costelas machucadas para todo o meu tronco.
— Baby, você já passou por problemas suficientes. Além disso, eu tenho uma história para lhe contar.
Hã?
— Você queria saber… — Ele não termina a frase; fecha os olhos e engole em seco.
Todos os pelos do meu corpo se eriçam. Merda.
Ele começa, numa voz suave:
— Imagine a cena: um adolescente louco para ganhar um dinheirinho extra para poder continuar com seu hábito secreto de beber.
Ele se vira de lado e ficamos cara a cara, ele olhando bem nos meus olhos.
— Então eu me vi no quintal dos Lincoln, limpando pedregulhos e entulho da ampliação que o Sr. Lincoln tinha acabado de concluir na casa…
Puta merda… ele está falando.
CAPÍTULO VINTE E CINCO
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Mal consigo respirar. Será que eu quero mesmo ouvir isso? Christian fecha os olhos e engole em seco. Quando os abre novamente, estão brilhantes e acanhados, cheios de lembranças inquietantes.
— Era um dia quente de verão. Eu estava trabalhando bastante — diz ele, com a voz rouca, e balança a cabeça, repentinamente achando graça. — Era bem puxado, retirar entulho. Eu estava sozinho, e a Elen… a Sra. Lincoln apareceu do nada me trazendo limonada. Batemos um papo, coisas banais, até que eu fiz um comentário debochado… e ela me deu um tapa. Um tapa bem forte.
Inconscientemente, sua mão vai ao rosto e ele acaricia a própria face, seus olhos se anuviando por causa da recordação. Puta merda!
— Mas aí ela me beijou. E, quando acabou, me deu outro tapa. — Ele pisca várias vezes, aparentemente ainda confuso mesmo depois desse tempo todo. — Eu nunca tinha sido beijado antes, nem nunca tinha levado um tapa daquele jeito.
Ah! Ela partiu para cima dele. Um menino.
— Você quer ouvir isso? — pergunta Christian.
Sim… Não…
— Só se você quiser me contar. — Estou deitada fitando-o, e minha voz sai bem baixa, minha mente a mil.
— Estou tentando contextualizar.
Faço um gesto com a cabeça, anuindo e — espero — incentivando-o a prosseguir. Porém, suspeito de que eu talvez esteja parecendo uma estátua, imóvel, em choque, os olhos arregalados.
Ele franze o cenho, seu olhar procurando o meu, tentando avaliar minha reação. Depois se deita de costas e fica mirando o teto.
— Bem, naturalmente eu fiquei confuso, irado e cheio de tesão. Quer dizer, uma mulher mais velha, toda gostosa, aparece e se atira em cima de você daquela maneira… — Ele balança a cabeça como se ainda não conseguisse acreditar.
Gostosa? Fico enojada.
— Ela voltou para dentro da casa, deixando-me sozinho no quintal. Agiu como se nada tivesse acontecido. Fiquei completamente perdido. Então voltei ao meu trabalho, despejando o entulho na caçamba. Quando saí de lá, à noite, ela me pediu para voltar no dia seguinte. Nem mencionou o que tinha acontecido. E no outro dia, quando eu voltei, mal podia esperar para ver a Sra. Lincoln de novo. — Ele fala num murmúrio, como se fosse uma confissão sombria; e, francamente, é mesmo.
— Ela não me tocou quando me beijou — continua ele, e vira o rosto para mim. — Você tem que entender… minha vida era o inferno na terra. Eu tinha quinze anos, era alto para a minha idade, vivia com tesão o tempo todo, os hormônios ensandecidos. As garotas da escola…
Ele para por um momento, mas eu imagino o quadro: um adolescente amedrontado e solitário, mas atraente. Meu coração se contorce.
— Eu vivia com raiva, uma raiva tão grande, irado com todo mundo, eu mesmo, minha família. Não tinha amigos. Meu analista na época era um babaca completo. E os meus pais… eles me mantinham com rédea curta, não conseguiam entender.
Ele volta a olhar para o teto e passa a mão no cabelo. Minha mão está coçando de vontade de fazer o mesmo, mas fico no meu lugar.
— Eu simplesmente não suportava que ninguém me tocasse. Não suportava. Não suportava ninguém perto de mim. Eu me metia em brigas… porra, muitas brigas. E umas bem pesadas. Fui expulso de algumas escolas. Mas era uma maneira de extravasar. De tolerar algum tipo de contato físico. — Ele interrompe o relato novamente. — Bom, você já tem uma ideia. E quando ela me beijou, só segurou o meu rosto. Não tocou em mim. — Quase não ouço sua voz.
Ela devia saber. Talvez Grace tivesse lhe contado. Ah, meu pobre Cinquenta Tons. Preciso dobrar as mãos embaixo do travesseiro e deitar a cabeça por cima para resistir à necessidade que sinto de abraçá-lo.
— Bom, no dia seguinte eu voltei até a casa, sem saber o que esperar. Vou poupar você dos detalhes sórdidos, mas a coisa toda se repetiu. E foi assim que o nosso relacionamento começou.
Puta merda, é doloroso ouvir isso.
Ele deita de lado novamente, para me olhar.
— E sabe de uma coisa, Ana? Meu mundo achou um foco. Claro e nítido. Em tudo. Era exatamente daquilo que eu precisava. Ela era um sopro de ar fresco. Tomava as decisões todas, me afastava daquela merda, me deixava respirar.