— Você me deixaria dirigir esse carro? — pergunto, surpresa por dizer as palavras em voz alta.
— É claro — responde Christian, sorrindo. — O que é meu é seu. Mas se você amassá-lo, vou ter que levá-la para o Quarto Vermelho da Dor. — Ele me olha rapidamente, com um sorriso malicioso.
Merda! Fico assustada. Será que ele está falando sério?
— Só pode ser brincadeira! Você me castigaria se eu amassasse o seu carro? Você ama seu carro mais do que a mim? — digo, para provocá-lo.
— Quase na mesma medida — responde ele, e estende a mão para apertar meu joelho. — Mas o carro não me aquece à noite.
— Podemos dar um jeito, tenho certeza. É só você dormir dentro do carro.
Christian ri.
— Não faz nem um dia que estamos em casa e você já está me expulsando?
Ele parece deliciado com a nossa discussão. Eu o encaro e recebo em resposta um sorriso de orelha a orelha. Embora eu queira ficar zangada, é impossível quando ele está tão bem-humorado. Aliás, ele melhorou de humor desde que saiu do escritório hoje de manhã. Percebo agora que estou assim rabugenta por termos que voltar para a vida real e eu não saber se Christian vai retroceder à sua personalidade anterior à lua de mel, mais fechada, ou se vai se manter nessa nova versão aperfeiçoada.
— Por que você está tão contente? — pergunto.
Ele me lança outro sorriso.
— Por que esta conversa é tão… normal!
— Normal! — Faço cara feia. — Não depois de três semanas de casamento! Francamente.
Seu sorriso desaparece.
— Estou brincando, Christian — acrescento depressa, para não acabar com seu bom humor.
Fico surpresa com a insegurança que toma conta dele às vezes. Tenho a impressão de que ele sempre foi assim, mas que esconde a fragilidade por baixo de uma fachada intimidadora. É muito fácil provocá-lo, provavelmente porque ele não está acostumado. Isso é uma revelação para mim, e fico maravilhada de perceber que ainda temos tanta coisa para descobrir um sobre o outro.
— Não se preocupe, eu fico com o Saab — resmungo, e me viro para olhar pela janela, tentando melhorar meu estado de espírito.
— Ei, qual é o problema?
— Nada.
— Você é tão frustrante às vezes, Ana. Por que não me diz?
Eu me viro e forço um sorriso.
— Você também, Grey.
Ele franze o cenho.
— Estou tentando — diz suavemente.
— Eu sei. Eu também.
Sorrio, e me sinto um pouco melhor.
* * *
CARRICK ESTÁ RIDÍCULO na churrasqueira, com um chapéu de chef e um avental com os dizeres Licença para Assar. Sempre que olho para ele, tenho vontade de sorrir. De fato, meu estado de espírito melhorou consideravelmente. Estamos todos sentados em volta da mesa na varanda da casa da família Grey, aproveitando o sol do fim do verão. Grace e Mia colocam diversas saladas na mesa, enquanto Elliot e Christian trocam insultos amistosos e discutem planos para a casa nova, e Ethan e Kate me atormentam com perguntas sobre a lua de mel. Christian mantém minha mão na sua, seus dedos brincando com a minha aliança e o meu anel de noivado.
— Então, se você conseguir finalizar os planos com a Gia, estarei livre de setembro até meados de novembro e posso garantir uma equipe inteira para o projeto — diz Elliot, esticando o braço e colocando-o em volta do ombro de Kate, que sorri.
— Gia ficou de ir lá amanhã à noite para discutir as plantas — responde Christian. — Espero que a gente consiga finalizar tudo. — Ele se vira e olha para mim, com expectativa.
Opa… isso é novidade.
— Claro.
Sorrio para ele, porém mais por causa da família presente, pois meu humor sofre uma queda novamente. Por que ele toma essas decisões sem me consultar? Ou será que fico assim por imaginar Gia — com sua bela bunda, seus seios exuberantes, suas roupas caras de marca e seu perfume — rindo toda provocante para meu marido? Meu inconsciente me lança um olhar de censura. Ele não deu nenhum motivo para ciúme. Merda, estou com altos e baixos hoje. Qual é o meu problema?
— Ana — chama Kate, arrancando-me de meus devaneios —, ainda está no sul da França?
— Estou — respondo, com um sorriso.
— Você está tão bem — diz ela, embora franza a testa ao falar.
— Vocês dois estão — completa Grace, abrindo um sorriso radiante enquanto Elliot enche nossos copos.
— Ao feliz casal.
Carrick ri e levanta o copo, e todos ao redor da mesa ecoam o sentimento.
— E parabéns ao Ethan por passar para o mestrado em psicologia em Seattle — intromete-se Mia, orgulhosa.
Ela dá um sorriso apaixonado na direção de Ethan, que sorri também. Fico pensando distraidamente se ela fez algum progresso com ele. É difícil saber.
Ouço os gracejos em volta da mesa. Christian está desfiando todo o nosso longo itinerário das últimas três semanas, enfeitando aqui e ali. Ele parece relaxado ao falar, no controle da situação, como se tivesse esquecido a preocupação com o incêndio criminoso. Eu, ao contrário, pareço incapaz de melhorar o astral. Belisco a comida. Ontem Christian disse que eu engordei. Ele estava brincando! Meu inconsciente me olha com censura de novo. Elliot acidentalmente derruba o copo no chão, dando um susto em todos, e de repente há certa afobação para limpar os cacos de vidro.
— Vou levar você para o ancoradouro e finalmente lhe dar umas palmadas se você continuar com esse mau humor — sussurra Christian no meu ouvido.
Fico em choque, e me viro para olhá-lo, boquiaberta. O quê? Ele está me provocando?
— Você não teria coragem! — rosno, mas por dentro sinto uma excitação familiar e bem-vinda.
Ele ergue a sobrancelha. É claro que teria coragem. Olho de soslaio para Kate, do outro lado da mesa. Ela nos observa com interesse. Viro-me novamente para Christian, estreitando os olhos.
— Você teria que me alcançar primeiro; e estou de sandálias rasteiras — aviso.
— Seria uma diversão tentar — sussurra ele, com um sorriso malicioso, e eu acho que é uma brincadeira.
Fico vermelha. É estranho, mas me sinto melhor.
Estamos terminando de comer a sobremesa, morangos com creme, quando começa um temporal. Todos corremos para tirar os pratos e copos da mesa, levando tudo para a cozinha.
— Que bom que o tempo esperou até a gente terminar o almoço — diz Grace com prazer ao corrermos para a sala dos fundos.
Christian se senta ao negro e brilhante piano, aperta o pedal e começa a tocar uma melodia conhecida que não consigo identificar de imediato.
Grace quer saber minhas impressões de Saint-Paul-de-Vence. Ela e Carrick estiveram lá anos atrás, durante a lua de mel, e passa pela minha cabeça a ideia de que se trata de um bom presságio, já que eles são felizes até hoje. Kate e Elliot estão abraçados em um dos enormes sofás ultrafofos, enquanto Ethan, Mia e Carrick seguem em uma conversa animada sobre psicologia, acho. De súbito, todos de uma só vez, todos os Grey param de falar e olham perplexos para Christian.
O que houve?
Christian está ao piano cantando baixinho para si mesmo. O silêncio cai sobre nós, pois estamos tentando ouvir a letra de “Wherever You Will Go” em sua voz doce e melodiosa. Eu já o ouvi cantar antes; eles não? Ele então para, consciente do silêncio mortal que paira sobre o recinto. Kate me olha com ar interrogativo, e eu dou de ombros. Christian se vira na banqueta e franze a testa, sem graça ao perceber que se tornou o centro das atenções.
— Continue — encoraja-o Grace, suavemente. — Eu nunca tinha ouvido você cantar, Christian. Nunca.
Ela o fita maravilhada. Ele permanece sentado na banqueta, olhando-a distraidamente, e, após um instante, dá de ombros. Seus olhos vão nervosamente na minha direção, depois em direção às portas francesas. O restante das pessoas de repente recomeça a conversa, todos um tanto embaraçados, e eu fico observando meu querido marido.