Ah, então ainda posso afetá-lo. Minha deusa interior desperta de sua letargia de cinco dias.
De repente, as portas se abrem, quebrando o feitiço, e estamos no topo do edifício. Está ventando, e, apesar do casaco preto, sinto frio. Christian passa o braço em volta de mim, puxando-me para junto dele, e caminhamos apressadamente até Charlie Tango, que está no centro do heliporto, as hélices girando lentamente.
Um homem alto, louro, de queixo quadrado e usando um terno escuro salta do helicóptero, abaixa-se e corre em nossa direção. Ele troca um aperto de mão com Christian e grita por sobre o ruído do motor.
— Tudo pronto, senhor. Ele é todo seu!
— Já fez todas as verificações?
— Sim, senhor.
— Você pode pegá-lo lá pelas oito e meia?
— Sim, senhor.
— Taylor está esperando por você lá embaixo.
— Obrigado, Sr. Grey. Tenha um bom voo até Portland. Senhora — ele me cumprimenta.
Sem soltar minha mão, Christian acena, abaixa-se e me leva até a porta do helicóptero. Uma vez lá dentro, ele prende meu cinto, apertando bem as tiras, e me lança um olhar cúmplice, além de seu sorriso misterioso.
— Isso deve mantê-la segura — murmura. — Tenho que admitir que gosto de ver você presa assim. Não toque em nada.
Fico profundamente vermelha, e ele corre o indicador ao longo de minha bochecha antes de me entregar os fones de ouvido. Eu também queria tocar você, mas você não me deixaria. Faço uma cara feia para ele. Além do mais, ele apertou tanto as tiras que mal posso me mover.
Ele se senta e afivela o próprio cinto, em seguida, começa a executar as checagens de segurança. É tão competente. Isso é muito sedutor. Ele coloca os fones de ouvido e liga um interruptor, os motores se aceleram, ensurdecendo-me.
Ele se vira para mim:
— Pronta? — sua voz ecoa pelos fones.
— Pronta.
Ele abre seu sorriso de menino. Nossa, há quanto tempo não vejo esse sorriso.
— Torre, aqui é Charlie Tango Golf-Golf Echo Hotel, pronto para decolagem, destino Portland, via Aeroporto Internacional de Portland. Por favor, confirme, câmbio.
O controlador de tráfego aéreo responde, emitindo instruções numa voz distante.
— Aqui é a torre; Charlie Tango está liberado.
Christian vira dois botões, segura o manche, e o helicóptero sobe lenta e suavemente pelo céu de fim de tarde. Seattle e meu estômago ficam lá embaixo; há tanto para ver.
— Nós já perseguimos o amanhecer, Anastasia, agora vamos atrás do crepúsculo — sua voz me vem pelos fones de ouvido. Viro-me para ele, boquiaberta.
O que isso significa? Como ele consegue dizer as coisas mais românticas? Ele sorri, e não consigo não lhe retribuir um sorriso tímido.
— E, com o sol da tarde, há mais para ser visto desta vez — diz.
Na última vez em que voamos até Seattle estava escuro, mas, esta noite, a vista é espetacular, realmente extraordinária. Estamos em meio aos prédios mais altos, subindo cada vez mais.
— Ali fica o Escala. — Ele aponta um edifício. — Ali é a Boeing, e, lá atrás, dá para ver o Space Needle.
Viro a cabeça.
— Nunca fui lá.
— Eu levo você, a gente podia comer lá.
— Christian, nós terminamos.
— Eu sei. Mas ainda posso levar você lá e alimentar você. — Ele me encara.
Balanço a cabeça e decido não contradizê-lo.
— É muito bonito aqui, obrigada.
— Impressionante, não é?
— É impressionante que você possa fazer isso.
— Elogios vindos de você, Srta. Steele? Sou um homem de muitos talentos.
— Tenho total consciência disso, Sr. Grey.
Ele se vira e sorri para mim. Pela primeira vez em cinco dias, relaxo um pouco. Talvez isso não vá ser tão ruim.
— Como vai o novo emprego?
— Bem, obrigada. É interessante.
— E como é o seu chefe?
— Ah, ele é legal. — Como poderia dizer a Christian que Jack me deixa desconfortável? Christian me encara.
— Qual é o problema? — pergunta ele.
— Fora o óbvio, nada.
— O óbvio?
— Ah, Christian, às vezes você é realmente muito estúpido.
— Estúpido? Eu? Não sei se gosto do seu tom, Srta. Steele.
— Bem, problema seu.
— Senti saudade do seu atrevimento. — Seus lábios se contorcem num sorriso.
Suspiro, e minha vontade é gritar bem alto: E eu senti saudade de você por inteiro, e não apenas do seu atrevimento! Mas fico calada, olhando pelas janelas de vidro de Charlie Tango ao seguirmos em direção ao sul. O crepúsculo está à nossa direita, o Sol está baixo no horizonte, enorme, flamejante e laranja; e, mais uma vez, eu sou Ícaro, voando perto demais dele.
* * *
O ENTARDECER NOS segue desde Seattle, e o céu está tomado de tons de rosa e azul-marinho, perfeitamente entrelaçados de um jeito que só a Mãe Natureza sabe fazer. A noite está clara e nítida, as luzes de Portland brilham acolhendo-nos à medida que Christian pousa o helicóptero. Estamos no topo do estranho prédio de tijolos marrons do qual saímos há menos de três semanas.
Meu Deus, faz tão pouco tempo. No entanto, sinto como se conhecesse Christian a vida toda. Ele aperta vários botões, desligando os motores de Charlie Tango, até que tudo o que ouço é o som de minha própria respiração nos fones de ouvido. Hum. Por um instante, isso me faz lembrar da experiência Thomas Tallis. Fico pálida. Realmente, não quero pensar nisso agora.
Christian solta seu cinto e se inclina para abrir o meu.
— Fez boa viagem, Srta. Steele? — pergunta ele, a voz suave, os olhos cinzentos reluzindo.
— Sim, obrigada, Sr. Grey — respondo, educada.
— Bem, vamos lá ver as fotos daquele garoto. — Ele me estende a mão e, apoiando-me nele, desço do Charlie Tango.
Um homem de barba e cabelo grisalho caminha até nós, com um largo sorriso no rosto. Eu o reconheço como o mesmo senhor da última vez em que estivemos aqui.
— Joe — Christian sorri e solta minha mão para apertar a de Joe calorosamente.
— Tome conta dele para Stephan. Ele vai chegar lá pelas oito ou nove.
— Certo, Sr. Grey. Senhora — diz ele, acenando para mim. — Seu carro está esperando lá embaixo, senhor. Ah, e o elevador está quebrado, vão ter que usar a escada.
— Obrigado, Joe.
Christian pega minha mão, e seguimos até a escada de emergência.
— Usando esses saltos, sorte sua serem só três andares — resmunga ele, em desaprovação.
É sério?
— Não gostou das botas?
— Gostei muito, Anastasia. — Seu olhar escurece. Acho que vai dizer mais alguma coisa, mas ele para. — Vamos com calma. Não quero que você caia e quebre o pescoço.
* * *
NOS SENTAMOS EM silêncio no carro, enquanto o motorista nos leva até a galeria. Minha ansiedade voltou com força total, e percebo que o tempo passado dentro de Charlie Tango foi o olho do furacão. Christian está quieto e taciturno... apreensivo até; nosso bom humor de poucos instantes atrás se dissipou. Tem tanta coisa que quero dizer, mas a viagem é muito curta. Pensativo, Christian olha para fora da janela.
— José é só um amigo — murmuro.
Christian vira-se para mim, os olhos escuros e cautelosos não deixam transparecer nada. Sua boca — ah, essa boca é uma distração que eu não queria ter agora. Eu fico me lembrando dela em mim, em todos os lugares. Minha pele fica quente. Ele se ajeita em seu assento e franze a testa.
— Esses lindos olhos estão grandes demais no seu rosto, Anastasia. Por favor, prometa-me que você vai comer.
— Prometo que vou comer, Christian — respondo automaticamente, sem convicção.
— Estou falando sério.
— Ah, é? — Não consigo evitar o tom de desdém em minha voz.