Numa noite abafada e sem lua, depois do jantar, desceu sozinha até ao cais arborizado. Tinha acabado de passar um barco a motor e o barco a remos do tio, amarrado à doca, balançava suavemente na água estrelada. Tirando as cigarras distantes e um grito quase subliminal que ecoava através do lago, o silêncio era total. Olhou para o céu luminoso salpicado de estrelas e sentiu o coração acelerado.
Sem olhar para baixo, apenas com a mão estendida para se guiar, encontrou uma extensão de erva macia e deitou-se. O céu resplandecia de estrelas. Havia milhares delas, a maioria a piscar e algumas luminosas e firmes. Olhando cuidadosamente, podiam ver-se tênues diferenças de cor. Aquela luminosa, ali, não era azulada?
Tateou de novo o chão debaixo dela; era sólido, firme… tranqüilizador. Cautelosa, sentou-se e olhou para a esquerda e para a direita, para cima e para baixo da longa extensão da beira-lago. Conseguia ver ambos os lados da água. O mundo parece apenas plano, pensou. Na realidade, é redondo. Tudo isto é uma grande bola… a girar no meio do céu… uma vez por dia. Tentou imaginar o mundo a girar, com milhões de pessoas coladas a ele, falando línguas diferentes, usando roupas engraçadas, todas presas à mesma bola.
Voltou a estender-se e tentou sentir a rotação. Talvez conseguisse senti-la só um bocadinho. Do outro lado do lago, uma estrela brilhante piscava entre os ramos mais altos. Semi-cerrando os olhos, distinguiam-se raios de luz a sair dela, como se dançassem. Semi-cerrando-os um pouco mais, os raios mudavam obedientemente de comprimento e de forma. Seria imaginação sua ou… a estrela estava agora inquestionavelmente acima das árvores? Poucos minutos antes espreitara entre os ramos, que ora a ocultavam, ora a revelavam. Agora estava mais alta, não havia dúvida nenhuma a esse respeito. Era a isso que se referiam quando diziam que uma estrela estava a nascer, pensou. A Terra virava-se na outra direção. De um lado do céu, as estrelas nasciam. Este lado chamava-se Oriente. Do outro lado do céu, atrás dela, para lá dos chalés, as estrelas estavam a pôr-se. Esse lado chamava-se Ocidente. Uma vez em cada dia, a Terra dava uma volta completa e as mesmas estrelas tornavam a nascer no mesmo lugar.
Mas, se uma coisa tão grande como a Terra girava uma vez por dia, tinha de mover-se absurdamente depressa. Toda a gente que ela conhecia tinha de estar a girar a uma velocidade incrível. Pensou que conseguia agora sentir realmente a Terra girar — não apenas imaginá-lo na sua cabeça, mas senti-lo de fato na boca do estômago. Era como descer num elevador rápido. Esticou o pescoço mais para trás, para que o seu campo de visão não fosse contaminado por nada na Terra, até ver somente céu preto e estrelas brilhantes. Com um sentimento de satisfação, foi avassalada pela idéia de que o melhor seria agarrar-se aos tufos de erva de cada lado, mas agarrar-se com todas as forças, ou então cairia no céu, com o corpo pequeno e às cambalhotas minguado pela imensa esfera escurecida que ficava em baixo.
Gritou, gritou de fato, antes de conseguir abafar o grito com o punho. Foi assim que os primos conseguiram encontrá-la.
Correndo pela encosta abaixo, descobriram-lhe no rosto um misto invulgar de embaraço e surpresa que prontamente assimilaram, ansiosos por surpreenderem qualquer pequena imprudência que pudessem ir contar aos pais dela.
O livro era melhor do que o filme. Para começar, tinha muito mais coisas. E alguns dos desenhos eram tremendamente diferentes do filme. Mas, em ambos, Pinóquio — um rapaz de madeira de tamanho natural que adquiria magicamente vida — usava uma espécie de cabresto e parecia ter cavilhas nas articulações. Quando Geppetto está mesmo a acabar de fazer Pinóquio, vira as costas ao boneco e é imediatamente atirado de pantanas por um pontapé bem apontado. Nesse instante chega o amigo do carpinteiro e pergunta-lhe que está ele a fazer estatelado no chão. «Estou a ensinar», responde Geppetto com dignidade, «o alfabeto às formigas.»
Ellie achava a frase muito espirituosa e deliciava-se a contá-la às amigas. Mas todas as vezes que a citava ficava a pairar na margem do seu consciente uma pergunta não formulada: Podia-se ensinar o alfabeto às formigas? E querer-se-ia? Ali em baixo, com centenas de insetos apressados capazes de percorrer toda a nossa pele ou até de nos picar? De resto, que podiam as formigas saber?
Às vezes levantava-se no meio da noite para ir à casa de banho e encontrava lá o pai, em calças de pijama, de pescoço esticado para cima e uma espécie de patrício desdém a acompanhar o creme de barbear que lhe cobria o lábio superior. «Olá, Presh», dizia ele. Era um diminutivo de «preciosa», e ela amava-o por a tratar assim. Por que se barbeava ele à noite, quando ninguém poderia saber se tinha a barba crescida? «Porque», respondia-lhe ele a sorrir, «a tua mãe saberá.» Anos mais tarde, ela descobriu que compreendera aquela observação brincalhona apenas incompletamente. Os seus pais tinham estado apaixonados.
Depois das aulas montara na bicicleta e fora para um pequeno parque no lago. Tirou de um pequeno alforje O Manual do Radiamador e Um Americano na Corte do Rei Artur. Após momentânea hesitação, decidiu-se pelo segundo. O herói de Mark Twain tinha levado uma traulitada na cabeça e acordara na Inglaterra arturiana. Talvez fosse tudo um sonho ou uma ilusão. Mas talvez fosse real. Era possível viajar para trás no tempo? Com o queixo nos joelhos, procurou uma passagem preferida: aquela em que o herói de Mark Twain é encontrado pela primeira vez por um homem de armadura, que ele toma por um fugitivo de um manicômio local. Ao chegarem à crista do monte vêem uma cidade desenrolar-se diante deles:
«— Bridgeport? — perguntei eu.
— Camelot — respondeu ele.»
Fitava o lago azul, a tentar imaginar uma cidade que pudesse passar simultaneamente por Bridgeport, do século XIX, e Camelot, do século XVI, quando a mãe correu para ela.
— Procurei-te em toda a parte. Por que nunca estás onde possa encontrar-te? Oh, Ellie — murmurou —, aconteceu uma coisa horrível!
No sétimo ano andavam a estudar «pi». Era uma letra grega que lembrava a arquitetura de Stonehenge, em Inglaterra: duas colunas verticais com uma trave em cima: p. Medindo a circunferência de um círculo e dividindo-a depois pelo diâmetro do círculo, obtinha-se o valor de pi. Em casa, Ellie pegou na tampa de um boião de maionese, passou-lhe um cordel à volta, endireitou o cordel e com uma régua mediu a circunferência do círculo. Fez o mesmo ao diâmetro e dividiu um número pelo outro. Obteve 3,21. Parecia simples.
No dia seguinte, o professor, Mr. Weisbrod, disse que pi era cerca de 22/7, aproximadamente 3,1416. Mas, na realidade, se se queria ser exato, era um decimal que se prolongava indefinidamente sem repetir o padrão dos números. Indefinidamente, pensou Ellie. Levantou a mão. O ano escolar começara havia pouco e ela ainda não fizera nenhumas perguntas naquela aula.
— Como pode alguém saber que os decimais se prolongam indefinidamente?
— Porque é assim — respondeu o professor, com alguma rispidez.
— Mas por quê? Como sabe? Como se podem contar decimais indefinidamente?
— Miss Arroway — o professor estava a consultar a caderneta da turma —, essa é uma pergunta estúpida. Está a desperdiçar o tempo da aula.
Nunca ninguém chamara estúpida a Ellie, e ela deu consigo desfeita em lágrimas. Billy Hortsman, que ocupava o lugar ao seu lado, estendeu bondosamente a mão e colocou-a sobre a dela. O pai fora recentemente acusado de praticar adulterações nos odômetros dos carros usados que vendia e, por isso, Billy estava sensível à humilhação pública. Ellie fugiu da aula a soluçar.