O rapaz com quem saíra levara-a a um bar numa cave à saída de Kenmore Square. Jesse cantava ritmos e blues e era primeiro-guitarrista. O modo como cantava e a maneira como se mexia tornaram evidente a Ellie aquilo de que andara a sentir a falta. Na noite seguinte voltou sozinha. Sentou-se na mesa mais próxima e cravou os olhos nele durante ambos os seus números.
Dois meses depois viviam juntos.
Era só quando os contratos dele o levavam a Fiartford ou a Bangor que ela trabalhava alguma coisa. Passava os dias com os outros estudantes: rapazes com a última geração de réguas de cálculo suspensas no cinto como troféus; rapazes com lapiseiras de plástico na algibeira do peito; rapazes meticulosos, formais, de riso nervoso; rapazes sérios, que passavam todos os momentos de vigília a tornar-se cientistas. Absorvidos na tarefa de se treinarem para sondar os abismos da natureza, eram quase impotentes, desamparados, nos assuntos humanos comuns, em que, não obstante todo o seu saber, pareciam patéticos e superficiais. Talvez a entrega dedicada à ciência fosse tão esgotante, tão competitiva, que não sobrava tempo para uma pessoa se tornar um ser humano bem equilibrado. Ou talvez as suas inabilidades sociais os tivessem conduzido para campos onde a carência não seria notada. Exceto no aspecto da ciência propriamente dita, ela não os achava boa companhia.
À noite havia Jesse, com os seus saltos e os seus lamentos musicais, uma espécie de força da natureza que se apoderara da vida dela. No ano que passaram juntos não se recordava de uma única noite em que ele propusesse que fossem dormir. Não sabia nada de física nem de matemática, mas estava bem acordado dentro do universo, e durante algum tempo ela também esteve.
Ellie sonhava com a conciliação dos seus dois mundos. Tinha fantasias de músicos e físicos num concerto social harmonioso. Mas os serões que organizava eram embaraçosos e terminavam cedo.
Um dia ele disse-lhe que queria um filho. Tornar-se-ia sério, assentaria, arranjaria um emprego normal. Poderia até considerar a possibilidade de casar.
— Um filho? — perguntou-lhe ela. — Mas eu teria de abandonar a escola. Ainda me faltam anos para acabar. Se tivesse um filho, poderia nunca mais voltar a estudar.
— Sim, mas teríamos um filho. Não terias escola, mas terias outra coisa.
— Jesse, eu preciso da escola.
Ele encolheu os ombros e ela sentiu a vida em comum de ambos escorregar-lhe dos ombros com esse gesto e desaparecer. Durou ainda mais alguns meses, poucos, mas na realidade terminara tudo naquela breve conversa. Despediram-se com um beijo e ele partiu para a Califórnia. Ela não voltou a ouvir a sua voz.
No fim da década de sessenta, a União Soviética conseguiu fazer descer veículos espaciais na superfície de Vênus. Foram as primeiras naves espaciais da espécie humana a pousar em estado funcional noutro planeta. Antes, ao longo de uma década, radioastrônomos americanos, confinados à Terra, tinham descoberto que Vênus era uma fonte intensa de radiemissão. A explicação mais popular para tal fato fora a de que a atmosfera maciça de Vênus aprisionava o calor através de um efeito de estufa planetário. De acordo com esta opinião, a superfície do planeta era sufocantemente quente, excessivamente quente para permitir a existência de cidades de cristal e Venusianos curiosos. Ellie ansiava por qualquer outra explicação e tentava, sem êxito, imaginar modos de a radiemissão poder provir de muito acima de uma superfície venusiana clemente. Alguns astrônomos de Harvard e do MIT afirmavam que nenhuma das alternativas a um Vênus tórrido podia explicar os dados-rádio. A idéia de um efeito de estufa tão maciço parecia a Ellie improvável e de certo modo desagradável, um planeta que se deixara morrer. Mas, quando a nave espacial Venera pousou e pôs efetivamente um termômetro de fora, a temperatura registrada era suficientemente elevada para derreter estanho ou chumbo. Ela imaginou as cidades de cristal a liquefazer-se (embora Vênus também não fosse assim tão quente), a superfície inundada de lágrimas de silicato. Era uma romântica. Havia anos que o sabia.
Mas, ao mesmo tempo, teve de admirar quanto a radioastronomia era poderosa. Os astrônomos tinham ficado em casa, apontado os seus radiotelescópios para Vênus e medido a temperatura da superfície quase tão exatamente quanto as sondas da Venera o fizeram treze anos depois. Sentia-se fascinada com a eletricidade e a eletrônica desde que se conhecia. Mas aquela era a primeira vez que ficava profundamente impressionada com a radioastronomia. Uma pessoa fica em segurança no seu próprio planeta e aponta o seu telescópio, com a sua eletrônica associada. Informação acerca de outros mundos desce então, pulsante, através das antenas. A idéia maravilhava-a.
Ellie começou a visitar o modesto radiotelescópio da Universidade na vizinha Harvard, Massachusetts, e eventualmente recebeu um convite para ajudar nas observações e na análise dos dados. Foi aceita, como assistente aga durante o verão, no National Radio Astronomy Observatory de Green Bank, Virgínia Ocidental, e à chegada olhou com algum arrebatamento para o radiotelescópio primitivo de Grote Reber, construído no seu quintal das traseiras em Wheaton, Ilinóis, em 1938, a servir agora de lembrete do que um amador devotado consegue realizar. Reber fora capaz de detectar a radiemissão do centro da Galáxia quando, por acaso, ninguém da vizinhança estava a ligar o motor do carro e o aparelho de diatermia, ao fundo da rua, não estava a funcionar. O Centro Galáctico era muito mais potente, mas o aparelho de diatermia ficava muito mais perto.
A atmosfera de paciente investigação e as ocasionais recompensas de modestas descobertas eram-lhe agradáveis. Estavam a tentar avaliar como o número de distantes fontes de rádio extragalácticas aumentava à medida que procuravam mais profundamente no espaço. Ellie começou a pensar em melhores maneiras de detectar sinais-rádio fracos. Na devida altura licenciou-se cum laude em Harvard e foi trabalhar em radioastronomia, como pós-graduada, no outro extremo do país, no California Institute of Technology.
Durante um ano foi pupila de David Drumlin. Ele tinha uma reputação mundial de ser brilhante e não tolerar idiotas de boa mente, mas no fundo era um daqueles homens que se podem encontrar no ponto mais alto de todas as profissões e estão num estado de permanente ansiedade, temendo que alguém, algures, demonstre ser mais inteligente do que eles.
Drumlin ensinou a Ellie algo do verdadeiro cerne da matéria, especialmente as suas bases teóricas. Embora constasse inexplicavelmente que ele era atraente para as mulheres, Ellie achou-o freqüentemente combativo e constantemente absorvido em si mesmo. Ela era demasiado romântica, dizia-lhe ele. O universo está rigorosamente ordenado de acordo com as suas próprias regras. A idéia é pensar como o universo pensa, não impingir as nossas predisposições românticas (e anelos de rapariga, acrescentou uma vez) ao universo. Tudo quanto não é proibido pelas leis da natureza, garantiu-lhe — citando um colega do fundo do corredor —, é obrigatório. Mas, prosseguiu, quase tudo é proibido. Ela observou-o enquanto ele prelecionava, tentando adivinhar aquela singular combinação de características de personalidade. Viu um homem em excelente forma física: cabelo prematuramente grisalho, sorriso sardônico, óculos de leitura em meia-lua empoleirados perto da ponta do nariz, laço, queixo quadrado e restos de um sotaque nasalado de Montana.