Ashley ficou boquiaberta.
- Isso é impossível. Deve ter havido um engano!
O velhinho deu de ombros.
- Não tem outro cartão?
- Não... Não tenho. Vocês aceitam cheque?
Ele estava olhando para as roupas dela com um ar desabonador.
- Acho que sim, acompanhado da identidade.
- Preciso dar um telefonema...
- A cabine fica logo ali.
- Memorial Hospital de São Francisco...
- Dr. Steven Paterson.
- Um momento, por favor.
- Consultório do Dr. Paterson.
- Sarah? Ashley. Preciso falar com o meu pai.
- Sinto muito, Ashley. Ele está na sala de operações e...
Ashley apertou o aparelho na mão e disse:
- Você sabe quanto tempo ainda vai demorar?
- É difícil dizer. Sei que há mais uma cirurgia marcada para depois...
Ashley teve de combater a histeria que começava a surgir.
- Eu preciso falar com ele. Urgente. Você pode lhe dar um recado, por favor? Peça para ele me ligar, assim que puder. - Ela olhou para o número do telefone dentro da cabine e passou-o para a recepcionista do consultório do pai. - Eu vou esperar aqui até que ele me ligue.
- Não se preocupe que eu vou dar o seu recado.
Aguardou sentada no saguão durante quase uma hora, torcendo para que o telefone tocasse. Todos que por ali passavam olhavam para ela com estranheza, e Ashley se sentia despida dentro daquelas roupas vulgares que estava usando. Quando o telefone finalmente tocou, foi um susto.
Ela entrou correndo na cabine.
- Sim...
- Ashley? - era a voz de seu pai.
- Papai, eu...
- O que houve?
- Estou em Chicago e...
- O que você está fazendo em Chicago?
- Não dá para falar agora. Preciso de uma passagem de avião para San José. Não tenho nenhum dinheiro aqui comigo. Você pode me ajudar?
- Claro. Espere. - Três minutos depois, o pai voltou ao telefone. - Há um vôo da American Airlines saindo do O'Hare às dez e quarenta; o número do vôo é 407. Vou mandar deixar uma passagem para você no balcão de embarque. Eu vou pegá-la no aeroporto de San José e...
- Não! - Ela não podia deixar que ele a visse naqueles trajes. - Eu... Eu vou para o meu apartamento mudar de roupa.
- Tudo bem. Eu vou pegá-la para almoçarmos juntos. E aí você me conta o que aconteceu.
- Obrigado papai! Obrigada!
No vôo de volta para casa, Ashley pensou na coisa imperdoável que Dennis Tibble tinha-lhe feito. Vou ter de ir à polícia, resolveu. Não posso deixá-lo assim, impune. A quantas outras mulheres ele já não fez isso?
Quando regressou ao seu apartamento, Ashley teve a sensação de que havia voltado para um santuário. Mal pôde esperar para se livrar das roupas de mau gosto que estava vestindo. Tirou-as mais que depressa. Achou que precisava de outro banho antes de ir se encontrar com o pai. Caminhou em direção ao seu armário e parou. Bem à sua frente, sobre a cômoda, havia uma ponta de cigarro.
Eles estavam sentados a uma mesa de canto num restaurante em The Oaks. O pai de Ashley a estudava, apreensivo.
- O que você foi fazer em Chicago?
- Eu... Eu não sei.
Ele olhou para ela, intrigado.
- Você não sabe?
Ashley hesitou, tentando decidir se deveria contar-lhe o que acontecera. Talvez ele pudesse lhe dar algum conselho.
Ela falou, comodamente:
- Dennis Tibble me pediu para ir ao seu apartamento a fim de ajudá-lo com um problema...
- Dennis Tibble? Aquele mau caráter? - Há muito, Ashley apresentara o pai aos colegas de trabalho. - Como você poderia ter alguma coisa a ver com ele?
Ashley imediatamente se deu conta de que cometera um erro.
Seu pai sempre reagira de forma exacerbada a qualquer problema que ela tivesse. Especialmente se envolvesse algum homem.
"Se eu vir você por aqui outra vez, vou quebrar todos os ossos do seu corpo".
- Não foi nada importante - disse Ashley.
- Eu quero ouvir a história.
Ashley ficou parada um instante, tomada por um pressentimento.
- Bem, eu tomei um drinque no apartamento dele e... À medida que falava, ela notava que o rosto do pai ia assumindo um ar sombrio. A expressão de seus olhos a amedrontava.
Ela tentou encurtar a história.
- Não - insistiu o pai. - Quero ouvir tudo...
Ashley deitou-se em sua cama à noite, exausta demais para conciliar o sono, seus pensamentos a girar num turbilhão caótico. Se o que Dennis me fez vier a público, será uma humilhação. Todos no trabalho saberão o que aconteceu. Mas eu não posso deixá-lo fazer isso com todo mundo. Preciso contar à polícia. As pessoas haviam tentado adverti-la de que Dennis tinha uma obsessão por ela, mas Ashley ignorara os avisos. Agora, repassando tudo em sua mente, ela podia perceber todos os sinais: Dennis sempre detestara ver qualquer outra pessoa conversando com ela, vivia insistindo para que saíssem juntos, sempre escutava sorrateiramente suas conversas...
Pelo menos agora sei quem é o maníaco que estava me perseguindo, pensou.
As 8 e 30 da manhã, quando Ashley estava se aprontando para ir para o trabalho, o telefone tocou. Ela atendeu:
- Ashley, é Shane. Você já ouviu a notícia?
- Que notícia?
- Está na televisão. Acabaram de encontrar o corpo de Dennis Tibble.
Por um instante, a terra pareceu se mexer.
- Meu Deus! O que aconteceu?
- Segundo a polícia, alguém o matou a facadas e depois o castrou.
Capítulo Seis
O delegado Sam Blake havia conseguido seu posto na chefatura de polícia de Cupertino da maneira mais difíciclass="underline" casara-se com a irmã do comissário, Serena Dowling, uma matrona com a língua afiada o suficiente para derrubar todas as árvores do estado de Oregon. Sam Blake foi o único homem que Serena conheceu capaz de lidar bem com ela. Era um sujeito baixinho, dócil, de bons modos, com a paciência de um santo. Por mais afrontoso que fosse o comportamento de Serena, ele sempre aguardava até que ela se acalmasse para só então conversar tranqüilamente. Sam Blake viera para a chefatura porque o comissário Matt Dowling era o seu melhor amigo. Eles haviam crescido juntos e freqüentaram a mesma escola. Blake apreciava o trabalho policial e era extremamente bom nisso. Era arguto, de uma inteligência apurada e uma tenacidade irredutível. Tal combinação fazia dele o melhor detetive do departamento.
Bem cedo naquela manhã, Sam Blake e o comissário Dowling estavam tomando café juntos.
O comissário Dowling disse:
- Eu soube que a minha irmã lhe propiciou maus momentos ontem à noite. Nós recebemos meia dúzia de telefonemas dos vizinhos reclamando do barulho. Serena é a campeã do grito, não é mesmo?
Sam encolheu os ombros.
- Eu acabei conseguindo fazer com que ela se acalmasse, Matt.
- Graças a Deus ela não está mais morando comigo, Sam! Eu não sei o que dá nela. Esses ataques de nervos...
A conversa foi interrompida.
- Comissário... Acabamos de receber uma ligação para a Central de Emergências. Houve um assassinato na Sunnyvale Avenue.
O comissário Dowling olhou para Sam Blake.
Blake assentiu.
- Deixa comigo.
Quinze minutos depois, o delegado Blake estava entrando no apartamento de Dennis Tibble. Uma polícia da ronda conversava com o sindico do prédio na sala de estar.
- Onde está o corpo? - perguntou Blake.
O polícia fez um gesto com a cabeça na direção do quarto.
- Lá dentro, senhor - Ele estava pálido.
Blake entrou no quarto e parou, chocado. O corpo nu de um homem estava estendido em cima da cama, e a primeira impressão de Blake foi a de que o quarto estava encharcado de sangue. Ao dar alguns passos mais para perto da cama, percebeu de onde vinha o sangue. Os cacos pontiagudos de uma garrafa quebrada haviam perfurado as costas da vítima repetidas vezes, e alguns permaneciam no corpo. Os testículos da vitima haviam sido tirados.