David começara a trabalhar ainda mais horas por dia. Queria a garantia de não ser relegado no dia da distribuição das cotas.
Quinta-feira de manhã, enquanto se vestia, David assistiu ao noticiário na televisão.
Um repórter estava anunciando, esbaforido:
- Passamos agora a uma notícia surpreendente... Ashley Paterson, filha do proeminente médico de São Francisco, Dr. Steven Paterson, foi presa sob suspeita de ser o maníaco assassino que a polícia e o FBI vinham procurando...
David ficou petrificado diante do aparelho.
-... Na noite de ontem, o comissário Dowling de Santa Clara anunciou a prisão de Ashley Paterson por uma série de assassinatos que incluíram a sanguinária castração das vitimas. O comissário Dowling informou aos repórteres: "Não há dúvida quanto a termos nas mãos a pessoa certa. As provas são conclusivas". Dr. Steven Paterson. A mente de David voltou no tempo, recordando o passado...
Estava com vinte e um anos de idade e era calouro no curso de direito. Certo dia voltara da faculdade para casa e encontrara a mãe inconsciente no chão do quarto. Ligara para a Central de Emergências e uma ambulância havia levado sua mãe para o Memorial Hospital de São Francisco. David tinha ficado na sala de espera até que um médico fora falar com ele.
- Ela... Ela vai ficar bem?
O médico hesitou em falar
- E um dos nossos cardiologistas a examinou. Ela está com uma insuficiência aguda da válvula mitral.
- O que isso quer dizer? - indagou David.
- Sinto muito, mas não há o que possamos fazer por ela. Está fraca demais para um transplante, e a microcirurgia cardíaca é nova e arriscada demais.
David sentiu-se enfraquecer
- Quanto... Quanto tempo ela...?
- Eu diria mais alguns dias, talvez uma semana. Sinto muito, filho.
David ficou ali parado, à beira do pânico.
- Mas não há ninguém que possa fazer alguma coisa por ela?
- Sinto muito ter de dizer que não. O único que talvez pudesse fazer alguma coisa seria o Steven Paterson, mas ele é um homem muito...
- Quem é Steven Paterson?
- O doutor Paterson é o pioneiro das microcirurgias cardíacas. Mas com todos os seus compromissos e a sua pesquisa, não há chance de...
David sumiu.
Ele ligou para o Dr. Paterson de um telefone público no corredor do hospital.
- Eu gostaria de marcar uma consulta com o Dr. Paterson. É para a minha mãe. Ela...
- Sinto muito. Não estamos aceitando novas consultas. O primeiro horário vago seria para daqui a seis meses.
- Ela não pode esperar seis meses - gritou David.
- Desculpe! Eu posso passá-lo para o...
David bateu o telefone.
Na manhã seguinte, David foi ao consultório do Dr. Paterson. A sala de espera estava lotada. Ele foi até a recepcionista.
- Eu gostaria de marcar uma consulta com o doutor Paterson. Minha mãe está muito doente e...
Ela olhou para ele e falou:
- Você telefonou ontem, não foi?
- Telefonei.
- Eu já lhe disse. Não temos mais horários para consultas e não estamos marcando nada agora.
- Eu espero - falou David, obstinado.
- Você não pode esperar. O doutor está...
David se sentou. Ficou olhando as pessoas na sala de espera serem chamadas para o atendimento uma a uma até que, afinal, ele foi o único que restou.
Às seis horas da tarde, a recepcionista falou:
- Não há mais sentido em esperar. O doutor Paterson já foi para casa.
David foi visitar sua mãe na UTI naquela mesma noite.
- Você só pode ficar um minuto - advertiu-o a enfermeira. - Ela está muito fraca.
Ele entrou no quarto, e seus olhos se encheram de lágrimas.
A mãe estava ligada a um balão de oxigênio, com tubos enfiados nos braços e no nariz. Parecia mais branca do que os lençóis da cama. Seus olhos estavam fechados.
David se aproximou dela e falou:
- Sou eu, mamãe. Não vou deixar que nada lhe aconteça. Você vai ficar boa. - As lágrimas escorriam-lhe pelo rosto. - Está me ouvindo? Vamos lutar contra essa coisa. Ninguém pode conosco, mamãe, enquanto estivermos juntos. Eu vou conseguir o melhor médico do mundo. Agüente firme. Eu vou voltar amanhã. - Ele se inclinou e deu-lhe um beijo de leve no rosto. Será que ela vai estar viva amanhã?
Na tarde do dia seguinte, David foi para a garagem no subsolo do prédio onde ficava o consultório do Dr. Paterson. Um manobreiro estacionava os carros.
Ele foi falar com David.
- Posso ajudá-lo em alguma coisa?
- Estou esperando pela minha mulher - falou David. - Ela está se consultando com o Dr. Paterson.
O manobreiro sorriu.
- Ele é um grande sujeito.
- Um dia desses, ele estava nos falando sobre o seu carrão.
David ficou em silêncio um instante, tentando se lembrar.
- Um Cadillac?
O manobreiro balançou a cabeça.
- Não, não! - Ele apontou para um Rolls-Royce estacionado numa vaga do canto. - Aquele Rolls ali.
David falou:
- É isso mesmo! Acho que ele falou que também tem um Cadillac.
- Isso não seria surpresa alguma pra mim - falou o manobreiro, que saiu correndo para estacionar um carro que chegava.
David caminhou despretensiosamente até o Rolls-Royce.
Depois de se certificar de que ninguém estava olhando, abriu a porta, entrou, escorregou para o banco traseiro e se jogou no chão.
E ali ficou, desconfortavelmente espremido, torcendo para que o Dr. Patterson saísse logo.
As 6 e 15 da tarde, sentiu um leve balanço quando a porta da frente foi aberta e alguém se instalou no assento do motorista.
David escutou a partida do motor, e o carro logo começou a andar.
- Boa noite, Dr. Paterson!
- Boa noite, Marco!
O carro saiu da garagem, e David sentiu que estava fazendo uma curva. Aguardou mais dois minutos, respirou fundo e se sentou no banco traseiro.
O Dr. Paterson o viu pelo espelho retrovisor.
- Se for um assalto, não tenho dinheiro algum comigo - disse ele, calmamente.
- Entre numa rua de pouco movimento e pare o carro.
O Dr. Paterson assentiu. David ficou observando, apreensivo, enquanto o médico entrava por uma rua sem movimento e parava encostado ao meio-fio.
- Eu vou lhe dar os trocados que tenho aqui comigo - disse o Dr. Paterson. - Você pode levar o carro. Não há necessidade de violência alguma. Se...
David já passara para o banco da frente.
- Eu não vou assaltá-lo. Não quero o carro.
O Dr. Paterson olhava para ele, aborrecido.
- Que diabo você quer?
- Meu nome é Singer. Minha mãe está morrendo. Eu quero que o senhor a salve.
Houve um lampejo de alívio no rosto do Dr. Paterson, logo substituído por uma expressão de raiva.
- Marque uma consulta com a minha...
- Não há tempo pra porra de consulta nenhuma! - David estava gritando. - Ela vai morrer, e eu não vou deixar que isso aconteça. - Ele estava fazendo um grande esforço para se controlar. - Por favor, os outros médicos me disseram que o senhor é a única esperança que podemos ter.
O Dr. Paterson o estava observando, ainda apreensivo.
- O que ela tem?
- Ela está com... Com uma insuficiência aguda da válvula mitral. Os médicos não querem operar. Dizem que o senhor é o único que pode salvar a vida dela.
O Dr. Paterson balançou a cabeça.
- A minha agenda...
- Eu estou pouco ligando para a sua agenda! É da minha mãe que estou falando. O senhor tem de salvá-la. Eu só tenho a minha mãe na vida...
Houve um silêncio prolongado. David ficou ali sentado, com os olhos bem fechados. Ele escutou a voz do Dr. Paterson.
- Eu não prometo nada, mas vou vê-la. Onde ela está?
David se virou para olhá-lo de frente.
- Na UTI do Memorial Hospital de São Francisco.
- Vá me encontrar lá amanhã, às oito horas da manhã.