David teve dificuldade para conseguir que a voz saísse.
- Eu não sei como lhe...
- Lembre-se: eu não estou prometendo nada. E não gosto de levar sustos assim! Da próxima vez, garoto, é melhor usar o telefone.
David ficou sentado, rígido.
O Dr. Paterson olhou para ele.
- O que foi?
- Há outro problema.
- Ah, é?
- Eu... Eu não tenho dinheiro. Sou estudante de direito e tive de arranjar um emprego para me sustentar durante a faculdade.
O Dr. Paterson estava olhando para ele.
David falou apaixonadamente:
- Eu juro que vou encontrar um meio de lhe pagar Nem que leve a minha vida inteira! Não vou deixar de lhe pagar. Eu sei quanto custam os seus serviços e vou...
- Filho, eu acho que você não sabe.
- Eu não tenho a quem recorrer, Dr. Paterson. Eu... Estou implorando, por favor.
Houve mais um silêncio.
- Que ano você está cursando na faculdade?
- Primeiro. Acabei de entrar.
- Mas você espera ser capaz de me pagar?
- Eu juro.
- Vá embora.
Quando chegou em casa, David estava certo de que seria preso pela polícia por seqüestro, ameaça à integridade física, sabe Deus mais o quê! Mas nada aconteceu. A questão em sua cabeça era se o Dr. Paterson ia aparecer no hospital.
Quando David entrou na ala da UTI na manhã seguinte, o Dr. Paterson já estava examinando sua mãe.
David observou, o coração palpitando e a garganta seca.
O Dr. Paterson se dirigiu a um dos médicos que estavam junto dele.
- Pode levá-la para a sala de operação, A1. Rápido!
Quando eles começaram a passá-la para a maca, David falou quase sem voz:
- Ela vai...?
- Vamos ver
Seis horas depois, David estava na sala de espera, quando o Dr. Paterson se aproximou dele.
David se levantou de um pulo.
- Como é que ela...? - Ele teve medo de terminar a pergunta.
- Ela vai ficar bem. Sua mãe é uma mulher forte.
David ficou ali parado, tomado por uma arrebatadora sensação de alívio. Fez uma oração em silêncio. Obrigado, Senhor!
O Dr. Paterson o estava observando.
- Eu nem sequer sei o seu primeiro nome.
- David, senhor.
- Ora, David, você sabe por que eu resolvi fazer o que fiz?
- Não...
- Por duas razões. As condições da sua mãe eram um desafio para mim. Eu gosto de desafios. A segunda razão foi você.
- Eu... Não entendi.
- O que você fez foi o tipo de coisa que eu teria feito quando jovem. Demonstrou muita força de vontade. Agora - seu tom de voz mudou -, você disse que ia me pagar.
O coração de David gelou.
- Certamente, senhor. Um dia...
- Que tal agora?
David engoliu em seco.
- Agora?
- Vou lhe propor um trato. Você sabe conduzir?
- Sei, sim, senhor...
- Pois bem. Eu me canso muito dirigindo aquele carro enorme por aí. Você me leva para o trabalho todos os dias pela manhã e vai me pegar as seis da tarde durante um ano. Ao final desse período, vou considerar os meus honorários pagos...
Foi este o trato. David levou o Dr. Paterson de casa para o consultório e vice-versa todos os dias, e, em troca, o Dr. Paterson salvou a vida da mãe de David.
Durante aquele ano, David aprendeu a reverenciar o Dr. Paterson. Apesar das eventuais explosões de mau humor do médico, ele era o homem mais desapegado que David conhecera. Tinha vínculos profundos com obras de caridade e doava seu tempo livre a clínicas de atendimento gratuito. Durante os deslocamentos entre a casa, o consultório e o hospital, ele e David haviam mantido longas conversas.
- Em que área do direito você pretende se especializar, David?
- Penal, senhor.
- Por quê? Para poder ajudar um monte de marginais a se livrar da cadeia?
- Não, senhor. Há muita gente honesta nas mãos da justiça que precisa de ajuda, É a essa gente que eu pretendo ajudar.
Quando o ano acabou, o Dr. Paterson apertou a mão de David e falou:
- Estamos quites...
David não via o Dr. Paterson havia anos, mas sempre deparava com o nome dele.
"O Dr. Paterson abriu uma clínica de atendimento gratuito para bebês aidéticos..."
"O Dr. Steven Paterson chegou ao Quênia hoje para inaugurar o Centro Médico Paterson..."
"O Abrigo de Caridade Paterson começou a funcionar hoje..."
Ele parecia estar em todo canto, doando seu tempo e seu dinheiro aos que dele precisassem.
A voz de Sandra o arrancou de seu devaneio.
- David, você está bem?
Ele afastou os olhos do aparelho de televisão.
- Acabam de prender a filha de Steven Paterson por aquela série de assassinatos.
- Que horror! - disse Sandra. - Eu sinto muito, meu bem.
- Ele deu à minha mãe mais sete anos de vida maravilhosa. É injusto que uma coisa dessas aconteça a um homem como ele. É o maior cavalheiro que eu já conheci, Sandra! Não merece isso. Como poderia ter uma filha monstruosa desse jeito? - Ele olhou para o relógio. - Puxa! Vou chegar atrasado.
- Você ainda não tomou café.
- Estou agitado demais para comer - Ele olhou de relance para a televisão. - Isso aí... E hoje é o dia da decisão da sociedade...
- Você vai conseguir. Não há dúvida sobre isso.
- Sempre há uma dúvida sobre isso, querida. A cada ano, alguém que todos tinham certeza de já estar com um pé lá dentro acaba na ala dos perdedores.
Ela o abraçou e disse:
- A firma tem muita sorte por poder contar com você.
Ele se inclinou e a beijou.
- Obrigado amor! Não sei o que faria sem você.
- E nunca vai precisar saber. Não deixe de me telefonar assim que receber a notícia, David.
- Claro! Vamos sair para comemorar. - E as palavras ficaram reverberando em sua cabeça. Anos antes, ele dissera isso para outra pessoa: "Vamos sair para comemorar".
E a matara.
Os escritórios da Kincaid, Turner, Rose &Ripley ocupavam três andares no edifício Pirâmide Transamérica, no centro de São Francisco. Quando David Singer cruzou as portas, foi saudado com sorrisos de aprovação. Ele teve a impressão de que havia uma certa diferença na qualidade dos "bom-dia". Todos sabiam que estavam cumprimentando um futuro sócio da firma. A caminho de sua pequena sala, David passou por um escritório recém-decorado, preparado para pertencer a um dos sócios escolhidos, e não conseguiu deixar de dar uma espiadela. Era amplo e bonito, tinha um banheiro privativo, uma escrivaninha e cadeiras de frente para uma janela panorâmica com a magnífica vista da baía. Ele ficou ali parado um instante, sorvendo aquilo tudo.
Quando David entrou na sua sala, sua secretária, Holly, disse:
- Bom dia, Sr. Singer! - A voz soou com um tom melódico.
- Bom dia, Holly!
- Tenho um recado para o senhor.
- Pois não?
- O Sr. Kincaid gostaria de vê-lo em sua sala as cinco da tarde. - Ela abriu um amplo sorriso.
Então, estava acontecendo de fato.
- Ótimo!
Ela se aproximou de David e falou:
- Acho que eu também devo lhe dizer que tomei um cafezinho hoje cedo com Dorothy, a secretária do Sr. Kincaid. Segundo ela, o senhor está no topo da lista.
David sorriu.
- Obrigado Holly!
- Quer um café?
- Ah, eu adoraria!
- Quente e forte, saindo.
David foi até a sua mesa. Estava cheia de cartas e contratos e arquivos.
Hoje era o dia. Finalmente. O Sr. Kincaid gostaria de vê-lo em sua sala as cinco da tarde... O senhor está no topo da lista.
Ele ficou tentado a telefonar para Sandra com a novidade.
Algo o conteve. Vou esperar até que aconteça, pensou.
David passou às duas horas seguintes trabalhando no material que estava em cima de sua mesa. Às onze horas, Holly entrou.
- Tem um senhor aqui que quer vê-lo. Ele se apresentou como Dr. Paterson, mas não marcou...