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- Eu não sei o que dá nessas crianças de hoje em dia! Ashley sempre pareceu tão normal...

E por trás de cada expressão de pesar, havia o pensamento:

Graças a Deus não é a minha filha!

De volta à firma, David foi logo ao encontro de Joseph Kincaid. Kincaid olhou para ele e falou:

- Ora! Já são mais de seis da tarde, David, mas eu esperei você voltar. Esteve com a filha do Dr. Paterson?

- Estive, sim.

- E encontrou um advogado para defendê-la?

David hesitou.

- Ainda não, Joseph. Estou providenciando a visita de um psiquiatra. Voltarei amanhã de manhã para falar com ela de novo.

Joseph Kincaid olhou para David, intrigado.

- É mesmo? Francamente, estou surpreso de ver que você se envolveu a esse ponto. Naturalmente, não podemos ter a nossa firma envolvida num caso tão chocante como este promete ser.

- Não estou envolvido de fato, Joseph. Só que eu devo muito ao pai dela! Fiz uma promessa a ele.

- Não há nada em papel, há?

- Não.

- Então, trata-se apenas de uma obrigação moral?

David o estudou por um momento, e já ia dizendo algo, mas parou.

- Exatamente. É só uma obrigação moral.

- Pois bem! Depois que você resolver a sua parte com a Senhorita Paterson, volte para conversarmos.

Nem uma palavra sobre a participação na sociedade.

Ao chegar em casa naquela noite, o apartamento estava às escuras.

- Sandra?

Não houve resposta. Quando David já ia acendendo as luzes do hall, Sandra apareceu de repente, saindo da cozinha com um bolo nas mãos, cheio de velas acesas.

- Surpresa! Vamos comemorar. - Ela viu a expressão no rosto de David e parou. - Alguma coisa errada, querido? Você não conseguiu, David? Eles deram para outra pessoa?

- Não, não - asseverou ele. - Está tudo bem.

Sandra colocou o bolo sobre a mesa e foi para perto dele.

- Alguma coisa está errada.

- Só que houve... Houve um adiamento.

- A sua reunião com Joseph Kincaid não foi hoje?

- Foi, sim. Sente-se, querida. Nós precisamos conversar.

Eles se sentaram no sofá, e David falou:

- Surgiu algo totalmente inesperado. Steven Paterson me procurou hoje cedo.

- Procurou? Sobre o quê?

- Quer que eu defenda a filha dele.

Sandra olhou para ele, surpresa.

- Mas, David... Você não é...

- Eu sei. E tentei dizer isso a ele. Mas eu já pratiquei o direito penal.

- Mas você não está mais nessa área! Contou a ele que está prestes a se tornar sócio da firma?

- Não. Ele insistiu muito, alegando que eu era o único que poderia defender sua filha. Isso não faz sentido algum, é claro. Eu tentei sugerir Jesse Quiller, mas ele não quis escutar.

- Ora essa! Mas vai ter de conseguir outra pessoa.

- Claro. Eu prometi conversar com a filha dele e fui até lá.

Sandra se recostou no sofá.

- O Sr. Kincaid está ciente disso?

- Está. Contei a ele. Não ficou entusiasmado. - David imitou a voz de Kincaid. - "Naturalmente, não podemos ter a nossa firma envolvida num caso tão chocante como este promete ser".

- Como é a filha do Dr. Paterson?

- Em termos médicos... Delirante.

- Eu não sou médica - disse Sandra. - O que isso significa?

- Significa que ela realmente acredita ser inocente.

- Isso não é possível?

- O comissário de Cupertino me mostrou o dossiê dela. O DNA e as impressões digitais dela estão por todo canto nas cenas dos crimes.

- O que você vai fazer agora?

- Liguei para Royce Salem. O psiquiatra que o escritório de Jesse Quiller usa. Vou pedir que examine Ashley e entregue o laudo ao pai dela. O Dr. Paterson poderá procurar outro psiquiatra, se quiser, ou entregar o laudo a qualquer advogado que vá ficar com o caso.

- Entendi. - Sandra estudou o rosto conturbado do marido. - O Sr. Kincaid falou alguma coisa sobre a participação na sociedade, David?

Ele balançou a cabeça.

- Não.

Sandra concluiu, alegre:

- Mas vai falar. Amanhã será outro dia.

O Dr. Royce Salem era um homem alto, magro, com uma barba igual à de Sigmund Freud.

Talvez seja só uma coincidência, disse David a si mesmo. Certamente ele não está tentando se parecer com Freud!

- Jesse fala sempre em você - disse o Dr. Salem. - Ele gosta muito de você.

- Eu também gosto muito dele, Dr. Salem.

- O caso Paterson parece ser muito interessante. Obviamente, obra de um psicopata. Você está pensando em alegar insanidade?

- Na verdade - disse -lhe David -, não vou ficar com o caso. Antes de conseguir um advogado para ela, eu gostaria de obter uma avaliação do seu estado mental. - David passou para o Dr. Salem um resumo dos fatos, conforme os conhecia. - Ela se diz inocente, mas as provas mostram ter sido quem de fato cometeu os crimes.

- Ora, vamos dar uma olhada na psique da moça, então?

A sessão de hipnose foi marcada para a sala de interrogatórios da prisão de Santa Clara. O mobiliário da sala consistia numa mesa retangular e quatro cadeiras de madeira.

Ashley, pálida e retraída, foi levada à sala por uma carcereira.

- Eu vou esperar do lado de fora - disse ela, saindo em seguida.

- Ashley, este é o Dr. Salem. Ashley Paterson - falou David.

- Olá, Ashley - disse o médico.

Ela ficou parada, olhando nervosamente de um para o outro, calada. David teve a impressão de que ela estava prestes a fugir da sala.

- De acordo com o Sr. Singer, você não faz objeção quanto a ser hipnotizada.

Silêncio.

O Dr. Salem prosseguiu:

- Ashley, posso hipnotizá-la?

Ashley fechou os olhos por um segundo e assentiu.

- Pode.

- Podemos começar agora?

- Bem, eu vou dar um passeio por aí - falou David. - Se...

- Espere um momento. - O Dr. Salem chegou perto de David. - Eu quero que você fique.

David permaneceu lá, mas frustrado. Estava arrependido de ter ido tão longe. Não vou me aprofundar nem mais um pouco, decidiu. Já cheguei ao fim.

- Tudo bem - disse ele, relutante. Estava ansioso para dar aquilo por encerrado, a fim de que pudesse voltar logo para o escritório. A reunião que teria mais tarde com Kincaid seria decisiva para o seu futuro.

O Dr. Salem falou para Ashley:

- Por que você não se senta nesta cadeira?

Ashley sentou-se.

- Já foi hipnotizada antes, Ashley?

Ela hesitou um instante, depois balançou a cabeça.

- Não.

- Não há nada de mais. Tudo que precisa fazer é relaxar e prestar atenção à minha voz. Não há com que se preocupar. Ninguém vai machucá-la. Sinta os músculos relaxando. Isso mesmo. Basta relaxar e sentir os olhos ficando pesados. Você tem passado por muita coisa. Seu corpo está cansado, muito cansado. Tudo que você quer agora é adormecer. Feche os olhos e relaxe. Você está ficando com sono... Com muito sono...

O Dr. Salem levou cinco minutos para fazer com que ela se entregasse. E, então, aproximou-se.

- Ashley, você sabe onde está?

- Sei. Estou na cadeia. - A voz dela soou oca, como se tivesse sido emitida à distância.

- E sabe por que está na cadeia?

- As pessoas estão achando que eu fiz uma coisa ruim.

- E é verdade o que elas estão achando? Você fez alguma coisa ruim?

- Não.

- Ashley, você alguma vez na sua vida matou alguém?

- Não.

David olhou para o Dr. Salem, surpreso. As pessoas não falam a verdade quando estão sob hipnose?

- Você faz idéia de quem possa ter cometido esses assassinatos?

De repente, o rosto de Ashley se contorceu e ela começou a respirar com dificuldade, em arfadas curtas e ásperas. Os dois homens ficaram se entreolhando, estupefatos, à medida que a personalidade dela ia se alterando. Os lábios de Ashley se apertaram e seus traços começaram a se modificar. Ela se endireitou na cadeira, assumiu uma postura empertigada, e subitamente seu rosto se iluminou com vivacidade. Ela abriu os olhos, e eles estavam cintilantes. A transformação foi impressionante. Inesperadamente, ela começou a cantarolar, a voz cheia de volúpia e com sotaque britânico.