Quiller sorriu.
- Por que será que eu não estou surpreso?
David passou a mão pela testa.
- Se eu não aceitasse defender a filha dele e ela fosse condenada e executada, e eu não fizesse nada para ajudá-la, eu... Não conseguiria viver em paz com a minha consciência.
- Compreendo. E como é que Sandra está se sentindo com relação a isso?
David conseguiu esboçar um sorriso.
- Você conhece Sandra.
- Conheço. Ela quer que você vá em frente.
- Exato.
Quiller se inclinou para a frente.
- Eu vou fazer o que puder para ajudá-lo, David.
David soltou um suspiro.
- Não. Esta é a parte que me cabe na transação. Vou ter de conduzir o caso sozinho.
Quiller franziu o cenho.
- Isso não faz sentido algum.
- Eu sei. E tentei explicar isso ao Dr. Paterson, mas ele se recusou a escutar.
- Você já contou isso a Kincaid?
- Tenho uma reunião marcada para a primeira hora com ele.
- O que acha que vai acontecer?
- Eu sei o que vai acontecer. Ele vai me aconselhar a não pegar o caso e, se eu insistir, vai me pedir para tirar uma licença sem vencimentos.
- Vamos almoçar amanhã, no Rubicon, à uma da tarde?
David assentiu.
- Está bem.
Emily veio da cozinha, esfregando as mãos num pano de prato. David e Quiller se levantaram.
- Olá, David? - Emily se aproximou com um ar atarefado, e ele a beijou no rosto. - Espero que vocês estejam com fome. O jantar está quase pronto. Sandra está na cozinha me ajudando. Ela é tão prestativa! - Emily pegou uma bandeja e voltou apressada para a cozinha.
Quiller se dirigiu a David:
- Vocês são muito queridos por Emily e por mim. Vou lhe dar um conselho. Esqueça aquilo.
David ficou calado.
- Já faz muito tempo, David. E o que aconteceu não foi culpa sua. Poderia ter acontecido com qualquer um.
David olhou para Quiller.
- Aconteceu comigo, Jesse. Eu a matei.
Foi um déja vu. Tudo de novo. E de novo. David ficou sentado, transportado de volta para outro tempo, para outro lugar.
Era um caso dativo, e David tinha dito para Jesse Quiller:
- Eu pego.
Helen Woodman era uma moça adorável, acusada de ter assassinado a madrasta rica. As duas haviam travado acirradas discussões públicas, mas todas as provas contra Helen eram circunstanciais. Depois de ter ido conversar com ela na cadeia, David ficou convencido de sua inocência. A cada encontro, ele foi se deixando envolver emocionalmente. Por fim, quebrou uma regra básica: Nunca se apaixonar por uma cliente.
O desenrolar do julgamento foi bom. David refutou as provas da promotoria uma a uma e conquistou o júri para o lado de sua cliente. E, inesperadamente, um desastre ocorreu. O álibi de Helen era o de estar num teatro com um amigo na hora do assassinato. Sob interrogatório no tribunal, o amigo revelou a mentira, e uma testemunha alegou ter visto Helen no apartamento da madrasta na hora do crime. A moça perdeu toda a credibilidade. O júri a condenou por assassinato em primeiro grau, e o juiz decretou sentença de morte. David ficou arrasado.
- Como você pôde fazer uma coisa dessas, Helen? Como pôde mentir para mim?
- Eu não matei a minha madrasta, David. Quando cheguei ao apartamento dela, eu a encontrei no chão, morta. Tive medo de que você não fosse acreditar em mim, por isso eu... Inventei aquela história de ter ido ao teatro com um amigo.
Ele ficou parado, escutando, com uma expressão clínica no rosto.
- Eu estou lhe dizendo a verdade, David.
- Está mesmo? - Ele voltou as costas e partiu, furioso.
Em algum momento da noite, Helen cometeu suicídio. E uma semana depois, um ex-presidiário caço ao praticar um roubo confessou ter assassinado a madrasta de Helen.
No dia seguinte, David saiu da firma. Quiller ainda tentou dissuadi-lo.
- Não foi culpa sua, David. Ela mentiu para você, e além do mais...
- Aí é que está! Eu a deixei mentir. Não fiz o que me cabia fazer. Não confirmei a veracidade do que ela estava dizendo. Quis acreditar nela, e por causa disso, eu a decepcionei.
Duas semanas depois, David estava trabalhando para a Kincaid, Turner, Rose &Ripley
- Jamais tornarei a me responsabilizar pela vida de outra pessoa - jurou David.
E agora ia defender Ashley Paterson.
Capítulo catorze
Ás dez horas da manhã seguinte, David entrou no escritório de Joseph Kincaid, que estava assinando alguns papéis e olhou de relance para David quando este entrou.
- Ah! Sente-se, David. Vou acabar num instante.
David sentou-se e esperou.
Quando terminou, Kincaid sorriu e disse:
- Pois bem! Você me traz boas notícias, não é mesmo?
Boas notícias para quem? perguntou-se David.
- Você tem um futuro brilhante aqui, David, e eu tenho certeza de que não iria fazer nada para prejudicar sua carreira. A firma tem grandes planos para você.
David ficou calado, tentando encontrar as palavras certas.
- E então? Você disse ao Dr. Paterson que encontraria outro advogado para ele? - falou Kincaid.
- Não. Eu decidi que vou defendê-la.
O sorriso de Kincaid se desfez.
- Você vai mesmo defender essa mulher, David? Ela é uma assassina perversa, doentia. Quem a defender ficará impregnado com a mesma fama.
- Não estou fazendo isso porque queira, Joseph. Estou sendo obrigado. Eu devo muito ao Dr. Paterson, e esta é a única maneira que tenho de pagar.
Kincaid ficou sentado, em silêncio. Quando afinal falou, disse:
- Se essa é realmente a sua decisão, então eu sugiro que você tire uma licença. Sem vencimentos, é claro.
Adeus participação na firma!
- Depois do julgamento, naturalmente, volte para nós, e a sua participação na sociedade estará à sua espera.
David assentiu.
- Naturalmente.
- Vou passar os seus afazeres para Collins. Tenho certeza de que você já está querendo se concentrar no processo.
Trinta minutos depois, os sócios da Kincaid, Turner, Rose &Ripley estavam reunidos.
- Não podemos deixar que a nossa firma se envolva num caso como esse - objectou Henry Tumer.
Joseph Kincaid redarguiu de imediato:
- Não estamos envolvidos de facto, Henry. Estamos concedendo uma licença para ele.
Albert Rose se pronunciou.
- Acho que deveríamos dispensá-lo de vez.
- Ainda não. Seria uma decisão precipitada. O Dr. Paterson poderia ser uma boa fonte de negócios para nós. Ele conhece todo mundo e terá um sentimento de gratidão por lhe cedermos David. Independente do resultado do julgamento, esta é uma situação em que só temos a ganhar. Se for positivo, ganhamos o médico como cliente e damos a participação na sociedade para Singer. Se for negativo, abrimos mão de Singer e tentamos manter o bom nome público. Não há lado ruim.
Houve um momento de silêncio, até que John Ripley abriu um sorriso.
- Bom raciocínio, Joseph!
Quando saiu do escritório de Kincaid, David foi encontrar-se com Steven Paterson. Telefonara de antemão, e o médico já o esperava.
- E então, David?
Esta resposta vai mudar a minha vida, pensou David. E não vai ser para melhor.
- Vou defender a sua filha, Dr. Paterson.
Steven Paterson respirou fundo.
- Eu sabia. Seria capaz de apostar a minha própria vida. - Ele hesitou um instante. - Estou apostando a vida da minha filha.
- A firma me concedeu uma licença. Vou contar com a ajuda de um dos melhores advogados de defesa do...
O Dr. Paterson ergueu a mão.
- David, acho que eu deixei bem claro para você que não quero mais ninguém envolvido no caso. Ela está nas suas mãos, e somente nas suas mãos.
- Compreendo - falou David. - Mas Jesse Quiller é...
O Dr. Paterson se pôs de pé.
- Não quero ouvir mais nada sobre Jesse Quiller ou sobre qualquer desses outros advogados. Eu conheço os advogados de defesa, David. Eles só estão interessados em dinheiro e publicidade. Este caso não é de dinheiro nem publicidade. É de Ashley.