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David ia falar, mas desistiu. Não havia o que dizer. O homem estava aferrado à sua questão. Eu posso lançar mão de toda a ajuda que puder conseguir, pensou David. Porque será que ele não quer deixar?

- Será que eu me fiz entender?

David assentiu.

- Certamente.

- Os seus honorários e as suas despesas correrão por minha conta, é claro.

- Não. É um caso dativo.

O Dr. Paterson o analisou por um breve instante e, em seguida, assentiu.

- Elas por elas?

- Elas por elas. - David conseguiu esboçar um sorriso. - O senhor conduz.

- David, se você está saindo de licença, vai precisar de dinheiro para viver. Eu insisto.

- Como o senhor quiser - falou David.

Pelo menos não vamos deixar de comer durante o processo.

Jesse Quiller estava esperando por David no Rubicon.

- Como foi?

David soltou um suspiro.

- Previsível. Estou de licença, sem salário.

- Bando de safados! Como é que eles podem...?

- Eles não têm culpa - interrompeu-o David. - Trata-se de uma firma conservadora.

- O que você vai fazer agora?

- O que você quer dizer?

- O que eu quero dizer? Você tem nas mãos o caso do século. Não tem mais um escritório onde trabalhar, não tem acesso a arquivos de pesquisa ou de casos, a livros de direito penal, nem sequer a um aparelho de Fax. E eu conheço aquele computador ultrapassado que você e Sandra têm em casa! Com aquilo ali não vai dar para rodar os programas jurídicos nem para entrar na Internet.

- Eu vou me virar - falou David.

- Ah, vai, sim! Tem uma sala vazia no meu conjunto de escritórios que você poderá utilizar E vai encontrar tudo de que precisa nela.

David levou um certo tempo para recobrar a voz.

- Jesse, eu não posso...

- Pode, sim. - Quiller sorriu. - Você há de encontrar uma forma de me pagar por isso. Você sempre paga às pessoas, não é, santo David? - Ele pegou um cardápio. - Eu estou morrendo de fome. - Ergueu os olhos. - A propósito, o almoço é por sua conta.

David foi visitar Ashley na prisão de Santa Clara.

- Bom dia, Ashley!

- Bom dia! - Ela estava ainda mais pálida do que o normal. - Meu pai esteve aqui hoje de manhã. Disse que você vai me tirar daqui.

Eu gostaria de ser tão otimista assim, pensou David. Ele falou cautelosamente:

- Vou fazer tudo que puder, Ashley. O problema é que não são muitas as pessoas que conhecem o tipo de distúrbio que você tem. Vamos explicá-lo a todos. Vamos conseguir fazer com que os melhores médicos do mundo venham aqui testemunhar em seu favor.

- Estou com medo - sussurrou Ashley.

- De quê?

- Como se duas pessoas diferentes vivessem dentro de mim, pessoas que eu nem sequer conheço. - Sua voz saiu estremecida. - Elas podem assumir o comando a qualquer hora, e eu não tenho controle algum sobre elas. Estou morrendo de medo. - Seus olhos se encheram de lágrimas.

David falou, tranquilamente:

- Elas não são pessoas, Ashley. Estão dentro da sua mente. Fazem parte de você. E com o tratamento adequado, você vai ficar boa.

Quando David chegou em casa naquela noite, Sandra abraçou-o e falou:

- Eu já lhe falei alguma vez do orgulho que tenho de você?

- Porque eu estou sem emprego? - perguntou David.

- Isso também. A propósito, o Sr. Crowther telefonou.

- O corrector de imóveis?

- Ele disse que os papéis estão prontos para serem assinados. É hora de dar a entrada de sessenta mil dólares. Eu receio que vamos ter de dizer-lhe que não temos como pagar...

- Espere. Eu tenho essa quantia no plano de previdência da empresa. Já que o Dr. Paterson estará cobrindo as nossas despesas, talvez nós consigamos resolver essa questão.

- Não precisa, David. Nós não queremos mesmo mimar o bebé com uma cobertura, não é?

- Ora, mas eu tenho uma boa notícia. Jesse vai me deixar...

- Eu sei. Conversei com Emily. Estamos nos mudando para o escritório de Jesse.

- Estamos? - perguntou David.

- Você se esqueceu de que é casado com uma auxiliar de justiça. Sério, meu bem, eu posso ajudar em muita coisa. Vou trabalhar com você até - ela tocou na barriga - Jeffrey nascer, e depois a gente vê como ficam as coisas.

- Sra. Singer, você faz idéia do quanto eu te amo?

- Não. Mas não se apresse. O jantar só vai ficar pronto dentro de uma hora.

Ela colocou os braços em torno do pescoço dele e murmurou:

- Por que você não tira a roupa, Tigre?

- O quê? - Ele se afastou um pouco e olhou para ela, preocupado. - O que o... o Dr. Bailey acha disso?

- O médico disse que se você não tirar a roupa logo, eu terei de atacá-lo.

David sorriu.

- A palavra dele me basta.

Na manhã seguinte, David se mudou para a sala no conjunto de Jesse Quiller. Era um escritório completo, integrando um total de cinco salas.

- Nós o ampliámos um pouco desde que você saiu - explicou Jesse para David. - Não vai lhe faltar nada, tenho certeza. A biblioteca jurídica fica ao lado, você tem Fax à sua disposição, computadores, tudo de que precisar. Se não encontrar o que deseja, basta pedir.

- Obrigado - falou David. - Eu... nem sei como dizer o quanto fico-lhe agradecido, Jesse.

Jesse sorriu.

- Você vai me pagar. Lembra?

Sandra chegou alguns minutos depois.

- Estou pronta - disse. - Por onde começo?

- Vamos começar pesquisando tudo que pudermos sobre julgamentos de casos de personalidade múltipla. Deve haver uma tonelada de material na Internet. Vamos consultar o jornal do direito penal da Califórnia, a página da TV Jurídica e outros links da área criminalistica e reunir todas as informações pertinentes que conseguirmos junto a Westlaw e Lexis-Nexis. Em seguida, vamos fazer um apanhado de todos os médicos especializados em problemas de personalidade múltipla; depois, contactá-los para ver se eles se dispõem a prestar depoimento como especialistas. Vamos precisar entrevistá-los para ver se poderemos usar os seus depoimentos como reforço à nossa defesa. Eu vou ter de repassar os procedimentos de direito penal e me preparar para o exame do júri. Também vamos precisar obter uma lista das testemunhas arroladas pelo Ministério Público, juntamente com os depoimentos delas. Quero formar todo um pacote com esses procedimentos probatórios.

- E vamos ter de enviar a nossa lista para eles também. Você pretende chamar Ashley para o banco?

David balançou a cabeça.

- Ela está muito fragilizada. A promotoria a arrasaria. - Ele olhou para Sandra. - Este caso vai ser muito difícil.

Sandra sorriu.

- Mas eu sei que você vai ganhar. Eu sei que é capaz.

David telefonou para Harvey Udell, o contador da Kincaid, Tumer, Rose &Ripley.

- Harvey! David Singer.

- Alô, David! Estou sabendo que você vai nos deixar por algum tempo.

- Vou, sim.

- O caso que você está pegando é interessante. Os jornais não param de falar nele. O que você deseja?

- Eu tenho sessenta mil dólares do meu plano de previdência aí, Harvey. Eu não ia retirar agora, mas Sandra e eu acabamos de comprar uma cobertura, e vou precisar do dinheiro para dar a entrada - disse David.

- Uma cobertura! Meus parabéns!

- Obrigado! Quando vou poder pegar o dinheiro?

Decorreu um breve espaço de tempo.

- Eu posso ligar de volta para você?

- Claro. - David passou para ele o número do seu telefone.

- Eu ligo já.

- Obrigado!

Harvey Udell desligou e logo pegou o aparelho de volta.

- Avise ao Sr. Kincaid que eu gostaria de falar com ele agora.

Trinta minutos depois, ele estava no escritório de Joseph Kincaid.