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Otto Lewison, o superintendente do Hospital Psiquiátrico de Connecticut, estava com mais de setenta anos, era um homem cheio de vida, sempre bem vestido, de barba cheia e óculos pincenez.

O Dr. Craig Foster trabalhara com o Dr. Keller durante vários anos e estava escrevendo um livro sobre o distúrbio de personalidade múltipla. Todos estavam estudando os laudos de Ashley Paterson.

Otto Lewison falou:

- Essa moça vai precisar de cuidados especiais. Vinte e nove anos apenas e já matou cinco homens! - Ele deu mais uma olhadela nos papéis. - E também tentou matar o próprio advogado.

- A fantasia de todos - falou Gilbert Keller, secamente.

- Vamos colocá-la na ala de segurança A até que possamos fazer uma avaliação completa - disse Otto Lewison.

- Quando ela vai chegar? - perguntou o Dr. Keller.

A voz da secretária do Dr. Lewison se fez ouvir no interfone.

- Dr. Lewison, estão trazendo Ashley Paterson agora. O senhor gostaria que a levassem directo para a sua sala?

- Por favor. - Lewison olhou de volta para Keller - Isso responde à sua pergunta?

A viagem foi um pesadelo. Ao final de seu julgamento, Ashley Paterson foi levada de volta à sua cela, onde aguardou três dias, enquanto eram tomadas as providências para o voo que a levaria para a Costa Leste.

Um autocarro da carceragem a conduziu até o aeroporto em Oakland, onde havia um avião à sua espera. Era um DC-6 convertido, integrante da frota do enorme Sistema Nacional de Transporte de Prisioneiros, administrado pelo Serviço do Comissariado de Polícia dos Estados Unidos. Havia 24 detentos a bordo, todos de mãos e pés presos.

Ashley estava usando algemas e, ao sentar-se, seus pés também foram aferrolhados ao assento.

Por que estão fazendo isso comigo? Eu não sou uma criminosa perigosa. Sou uma mulher normal. E uma voz dentro dela falou: Que assassinou cinco pessoas inocentes.

Os prisioneiros no avião eram criminosos insensíveis, condenados por assassinato, estupro, assalto a mão armada e uma dúzia de outras violações. Estavam sendo levados para presídios de segurança máxima em vários pontos do país. Ashley era a única mulher a bordo.

Um dos presos olhou para ela e sorriu.

- Oi, doçura. Você não gostaria de vir até aqui para esquentar o meu colinho?

- Pare com isso - advertiu um guarda.

- Ei! Você não tem nem um pouco de romantismo na alma? Essa dona aí vai ficar sem trepar durante... Qual é a sua sentença, doçura?

Outro preso falou:

- Você está no atraso, formosura? Que tal eu me mudar para esse lugar aí ao seu lado e entrar numa de...?

Um terceiro estava de olhos fixos em Ashley.

- Espere aí - disse ele. - Essa é a tal que matou e castrou cinco homens.

Estavam todos olhando para Ashley agora.

Foi o fim das provocações.

A caminho de Nova York, o avião fez duas escalas para deixar e apanhar passageiros. Foi um voo demorado, houve turbulência, e na hora de pousar no Aeroporto de La Guardia, Ashley enjoou.

Quando o avião aterrissou, dois polícias uniformizados estavam esperando por ela na pista. As algemas foram liberadas do assento do avião e voltaram a ser aferrolhadas ao interior da viatura da polícia. Ashley nunca se sentiu tão humilhada. O facto de sentir-se tão normal tornava as circunstâncias ainda mais intoleráveis. Será que eles achavam que ela ia tentar fugir ou assassinar alguém? Tudo aquilo era passado, tinha chegado ao fim. Será que eles não sabiam disso? Ela estava certa de que não tornaria a acontecer. Queria estar longe dali. Em qualquer lugar possível.

Em algum ponto do longo e desagradável trajecto até Connecticut, ela pegou no sono. Foi despertada pela voz de um guarda.

- Chegamos.

Haviam chegado aos portões do Hospital Psiquiátrico de Connecticut.

Quando Ashley Paterson foi conduzida à sala do Dr. Lewison, este falou:

- Seja bem-vinda ao Hospital Psiquiátrico de Connecticut, Senhorita Paterson.

Ashley ficou estática, empalidecida e calada.

O Dr. Lewison fez as apresentações e puxou uma cadeira.

- Sente-se, por favor - Ele olhou para o guarda. - Tire as algemas dos pés e das mãos da jovem.

Os ferrolhos foram retirados, e Ashley se sentou.

- Eu sei que deve estar sendo muito difícil para você. Vamos fazer o que estiver ao nosso alcance para facilitar-lhe tudo ao máximo. Nosso objetivo é poder um dia deixá-la sair daqui, curada - disse o Dr. Foster.

Ashley encontrou voz para perguntar:

- Quanto... quanto tempo isso pode levar?

- Ainda é cedo demais para responder a esta pergunta. Se você puder ser curada, pode levar cinco ou seis anos - falou o dr. Lewison.

Cada uma daquelas palavras atingiu Ashley como um raio. Se você puder ser curada, pode levar cinco ou seis anos...

- A terapia não apresenta riscos. Consistirá num combinado de sessões com o Dr. Keller... hipnose, terapia de grupo e arte terapia. O mais importante é lembrar sempre que nós não somos seus inimigos.

Gilbert Keller estava estudando a expressão dela.

- Estamos aqui para ajudá-la e precisamos que você nos ajude a fazer isso.

E não havia mais nada a dizer.

Otto Lewison inclinou a cabeça para o enfermeiro, que foi para perto de Ashley e pegou-lhe o braço.

- Você agora vai ser levada para o seu quarto. Nós voltaremos a conversar depois - disse Craig Foster

Depois que Ashley saiu da sala, Otto Lewison se dirigiu a Gilbert Keller.

- O que você acha?

- Bem, há uma vantagem. Só precisamos trabalhar com dois alteres.

Keller estava tentando se lembrar

- Qual foi o máximo que tivemos?

- A Sra. Beltrano... noventa alteres.

Ashley não sabia o que esperar, mas de alguma forma previra um cárcere escuro e amedrontador. O Hospital Psiquiátrico de Connecticut era mais parecido com um clube agradável... atrás das grades.

Enquanto o enfermeiro a conduzia pelos compridos e vistosos corredores até o seu quarto, Ashley via os internos andando livremente de um lado para outro. Havia gente de todas as idades, e todos pareciam pessoas normais. Por que estão aqui? Alguns sorriram para ela e disseram "Bom dia", mas Ashley estava atónita demais para responder. Tudo parecia surreal. Ela estava num hospital de tratamento para doentes mentais.

Eu sou doente mental?

Eles chegaram a uma grande porta de aço que separava uma ala da edificação. Havia um enfermeiro do lado de lá. Ele apertou um botão vermelho, e a enorme porta se abriu.

- Esta é Ashley Paterson.

- Bom dia, Senhorita Paterson! - falou o segundo enfermeiro.

Eles fazem tudo parecer tão normal! Mas só que nada mais é normal, pensou Ashley. O mundo virou de cabeça para baixo.

- Por aqui, Senhorita Paterson. - Ele a conduziu até outra porta e a abriu.

Ashley entrou. Em vez de uma cela, encontrou um quarto agradável, de tamanho mediano, com as paredes pintadas de azul-claro, um sofá pequeno e uma cama que parecia confortável.

- É aqui que a senhorita vai ficar. Mais uns minutinhos e suas coisas serão trazidas para cá.

Ashley esperou o enfermeiro ir embora e fechou a porta. É aqui que você vai ficar. Ela começou a sentir claustrofobia. E se eu não quiser ficar? E se eu quiser sair daqui?

Ela foi até à porta. Estava trancada. Ashley sentou-se no sofá, tentando organizar os pensamentos. Procurou concentrar-se nas palavras positivas. Vamos tentar curá-la.

Vamos tentar curá-la.

Vamos curá-la.

Capitulo Vinte e Três

O Dr. Gilbert Keller era o encarregado da terapia de Ashley. Sua especialidade era o tratamento do distúrbio de personalidade múltipla e, embora não tivesse conseguido bons resultados em alguns tratamentos, sua taxa de êxito era alta. Em casos como este, não existiam respostas fáceis. Sua primeira tarefa era conquistar a confiança do paciente, fazê-lo sentir-se à vontade em sua presença, e então fazer surgirem os alteres, uma um, para que eles acabassem se comunicando entre si e pudessem compreender por que existiam e, afinal, por que não havia mais necessidade de existirem. Esse era o momento da harmonia, onde os estados de personalidade se juntavam numa única entidade.