O Dr. Keller entrou no escritório de Otto Lewison.
- Não estou conseguindo chegar a lugar algum - confessou. - A terapia de grupo não funcionou, e as sessões de hipnose não estão surtindo qualquer efeito. Quero tentar algo diferente.
- O quê?
- Quero pedir sua permissão para levar Ashley para jantar fora da clínica.
- Não acho uma boa idéia, Gilbert. Poderia ser perigoso. Ela já...
- Eu sei. Mas neste exacto momento, eu sou o inimigo. Quero me tornar um amigo.
- O alter dela, Toni, tentou matá-lo uma vez. E se ela tentar novamente?
- Vou saber resolver.
O Dr. Lewison pensou um instante.
- Tudo bem. Você gostaria que alguém fosse junto?
- Não. Não vai ser preciso, Otto.
- Quando quer começar?
- Hoje à noite.
- Você quer me levar para jantar fora?
- Quero. Acho que seria bom para você, Ashley, sair deste ar por algum tempo. E então?
- Está bem.
Ashley ficou surpresa com o seu nível de entusiasmo diante da perspectiva de sair para jantar com Gilbert Keller. Vai ser divertido sair daqui por uma noite, pensou. Mas ela sabia que seria mais do que isso. A idéia de uma saída com Gilbert Keller era muito estimulante.
Eles estavam jantando num restaurante japonês chamado Otani Gardens, a oito quilómetros do hospital. O Dr. Keller sabia que estava correndo um risco. A qualquer instante, Toni ou Alette poderiam sobrevir. Ele fora advertido. É mais importante que Ashley aprenda a confiar em mim, para que eu possa ajudá-la.
- Engraçado, Gilbert! - disse Ashley, olhando para o restaurante lotado à sua volta.
- O quê?
- Estas pessoas não parecem nada diferentes das pessoas do hospital.
- Elas não são realmente diferentes, Ashley. Tenho certeza que todas têm problemas. A única diferença é que as do hospital não conseguem lidar com os seus tão bem assim, então nós as ajudamos.
- Eu não sabia que tinha problemas até... Bem, você sabe.
- Sabe por quê, Ashley? Porque você enterrou os seus problemas. Não conseguiu enfrentar o que lhe aconteceu, então construiu muralhas em sua mente e trancou as coisas ruins do lado de fora. Até um certo ponto, muita gente faz isso. - Ele mudou de assunto deliberadamente. - Que tal o seu filé?
- Delicioso. Obrigada!
Daí por diante, Ashley e o Dr. Keller, uma vez por semana, passaram a fazer uma refeição fora do hospital. Almoçaram num excelente restaurante italiano chamado Banducci's e jantaram algumas vezes no The Palm, no Eveleene's e no The Gumbo Pot. Nem Toni nem Alette apareceram uma vez sequer.
Certa noite, o Dr. Keller levou Ashley para dançar. Foram a uma boate pequena, com uns músicos maravilhosos.
- Você está se divertindo? - perguntou ele.
- Bastante. Obrigada! - Ela olhou para ele e falou: - Você não é igual aos outros médicos.
- Eles não dançam?
- Você sabe o que eu quero dizer.
Ele a estava segurando bem junto de si, e ambos sentiram o impulso do momento.
"Isso poderia ser muito perigoso para vocês dois, Gilbert..."
Capítulo Vinte e Cinco
- Sei que maldita porcaria está tentando fazer, doutorzinho. Está tentando fazer Ashley pensar que você é amigo dela.
- Eu sou amigo dela, Toni, e seu também.
- Não, não é. Você acha que ela é maravilhosa, e que eu não valho nada.
- Pois está errada. Eu respeito você e Alette tanto quanto respeito Ashley. Todas vocês têm a mesma importância para mim.
- É verdade?
- É. Toni, quando lhe falei que você canta com uma voz linda, eu fui sincero. Você toca algum instrumento?
- Piano.
- Se eu puder providenciar para que você use o piano na sala de recreação para tocar e cantar, isso lhe interessaria?
- Talvez. - Ela pareceu ficar bastante entusiasmada.
O Dr. Keller sorriu.
- Então, será um prazer para mim. Vou lhe arranjar um piano.
- Obrigada!
O Dr. Keller tomou as providências para que Toni tivesse acesso liberado à sala de recreação durante uma hora todas as tardes. No início, as portas ficaram fechadas, mas à medida que os outros internos foram ouvindo a música do piano e a cantoria que saía da sala, eles passaram a abrir a porta para escutar. E logo Toni estava entretendo dúzias de internos.
O Dr. Keller estava estudando os seus apontamentos com o dr. Lewison.
- E a outra... Alette? - perguntou o Dr. Lewison.
- Já tomei as providências para que ela pinte no jardim todas as tardes. Será vigiada, é claro. Acho que será uma boa terapia.
Mas Alette se recusou. Numa sessão com ela, o Dr. Keller falou:
- Você não está usando as tintas que eu lhe dei, Alette. É uma pena desperdiçá-las assim. Você tem tanto talento!
- E como é que você sabe?
- Você não gosta de pintar?
- Gosto.
- E por que não pinta?
- Porque não sou boa. Pare de me encher a paciência.
- Quem lhe disse isso?
- Minha... minha mãe.
- Nunca falamos de sua mãe. Você gostaria de me falar um pouco sobre ela?
- Não há o que falar.
- Ela morreu num acidente, não foi isso?
No dia seguinte, Alette começou a pintar. Ela achou bom ficar no jardim com suas telas e pincéis. Quando pintava, conseguia se esquecer de tudo mais. Alguns dos pacientes se agrupavam em torno dela observando-a. Eles falavam em vozes multicoloridas.
- Os seus quadros deveriam ir para uma galeria. - Preto.
- Você é muito boa! - Amarelo.
- Onde você aprendeu a pintar desse jeito? - Laranja.
- Eu gostaria de saber pintar assim! - Preto.
Ela sempre ficava ressentida quando o seu tempo acabava e era hora de voltar para dentro.
- Quero que você conheça alguém, Ashley. Esta é Lisa Garrett.
Era uma mulher de seus cinquenta e poucos anos, baixinha e esquelética. - Lisa está indo para casa hoje.
A mulher estava exultante.
- Não é uma maravilha? E eu devo tudo ao Dr. Keller.
Gilbert Keller olhou para Ashley e falou:
- Lisa sofria de DPM e tinha trinta alteres.
- Isso mesmo, querida. E todos se foram.
- Ela é nossa terceira paciente que vai embora este ano - ressaltou o Dr. Keller.
Ashley sentiu uma pontinha de esperança.
- O Dr. Keller é bondoso. Ele realmente parece gostar de nós. - disse Alette.
- E você é mesmo uma idiota - debochou Toni. - Não vê o que está acontecendo? Eu já lhe disse uma vez. Ele está fingindo que gosta da gente para que façamos o que ele quer E você sabe o que isso significa? Ele quer juntar as três e, depois, convencer Ashley de que ela não precisa da gente, minha cara. E sabe o que vai acontecer depois? Você e eu vamos morrer. É isso que você quer? Eu, Não.
- Ora, não - falou Alette, indecisa.
- Então, me escute. Vamos entrar no jogo do médico. Vamos fazê-lo acreditar que estamos querendo ajudá-lo. Vamos enganá-lo direitinho. não temos pressa. E eu lhe prometo que um dia tiro a gente daqui.
- Você é quem sabe, Toni.
- óptimo! Então vamos deixar que o doutorzinho ache que está indo muito bem.
Chegou uma carta de David. Havia uma fotografia de um menininho dentro do envelope. A carta dizia:
Querida Ashley,
Espero que você esteja bem e que a terapia esteja progredindo. Tudo está bem por aqui. Ando bastante ocupado e estou gostando muito do meu trabalho. Junto com esta carta vai uma fotografia do nosso Jeffrey, que já está com dois aninhos.
A julgar pela velocidade com que ele está crescendo, em poucos minutos estará se casando. Não há novidade alguma para lhe contar, a bem da verdade. Só quis que você soubesse que eu estava pensando em você.
Sandra me pede para dizer que ela também lhe envia os seus melhores votos.
David