Desse ponto em diante, o tratamento de Ashley progrediu rápido. Ashley e seus dois alteres conversavam entre si todos os dias.
- Eu tinha de protegê-la - explicou Toni. - Suponho que cada vez que matava um daqueles homens, eu estava matando o papai pelo que ele fez a você.
- Eu também tentei proteger você - disse Alette.
- Eu... eu fico agradecida. Só tenho o que agradecer a vocês.
Ashley se dirigiu ao Dr. Keller e disse, secamente:
- Sou eu mesma? Eu estou falando comigo mesma, não é?
- Você está falando com duas outras partes de você - corrigiu o médico com delicadeza. - É hora de todas vocês se conhecerem e se tornarem uma só novamente.
Ashley olhou para ele e sorriu.
- Estou pronta.
à tarde, o Dr. Keller foi falar com Otto Lewison.
- Estou ciente dos relatórios positivos, Gilbert - falou o Dr. Lewison.
O Dr. Keller assentiu.
- Ashley fez um progresso notável. Mais uns poucos meses, acho que poderá receber alta para continuar com um tratamento ambulatorial.
- Que notícia maravilhosa! Parabéns!
Vou sentir falta dela, pensou o Dr. Keller. Vou sentir muita falta dela.
- O Dr. Salem está na linha dois para falar com o senhor, Sr. Singer.
- Está bem. - David pegou o telefone, intrigado. Por que Salem estaria ligando? Já fazia alguns anos que os dois haviam falado pela última vez. - Royce?
- Bom dia, David! Tenho uma informação interessante para você sobre Ashley Paterson.
David teve uma súbita sensação de alarme.
- O que aconteceu com ela?
- Você se lembra do quanto tentamos encontrar o trauma que havia causado o distúrbio dela e não conseguimos?
David se lembrava muito bem. Tinha sido a principal fraqueza na defesa do caso.
- Eu me lembro.
- Pois eu acabei de ficar sabendo a resposta. O meu amigo, Dr. Lewison, chefe do Hospital Psiquiátrico de Connecticut, acabou de telefonar. A peça que estava faltando no quebra-cabeça é o Dr. Steven Paterson. Foi ele quem abusou de Ashley quando ela era criança.
- O quê? - falou David, incrédulo.
- O Dr. Lewison acabou de ficar sabendo disso.
David ficou sentado, ouvindo o que o Dr. Salem estava dizendo, mas sua mente estava em outro lugar. Ele estava se lembrando das palavras do Dr. Paterson. "Você é o único em quem eu confio, David. Minha filha significa tudo para mim neste mundo. Você vai salvar a vida dela... Eu quero que você defenda Ashley e não vou aceitar o envolvimento de mais ninguém neste caso... "
E subitamente David percebeu por que o Dr. Paterson insistira tanto para que ele representasse Ashley sozinho. O médico estava certo de que David o protegeria se descobrisse o que ele havia feito. Precisara escolher entre a filha e a reputação e preferira a reputação. Mas que filho da puta!
- Obrigado, Royce!
Naquela tarde, enquanto passava pela sala de recreação, Ashley viu um exemplar do Westport News que alguém tinha deixado por lá. Na primeira página do jornal, havia uma fotografia de seu pai com Victoria Aniston e Katrina. O início do artigo dizia: "O Dr. Steven Paterson vai se casar com a socialyte Victoria Aniston, que tem uma filha de três anos do casamento anterior. O Dr. Paterson integrando a equipe do St. John's Hospital, de Manhattan, acaba de comprar, junto com a futura esposa, uma casa em Long Island".
Ashley parou e seu rosto se contorceu, ficando igual a uma máscara de ira.
- Eu vou matar esse filho da puta - gritou Toni. - Eu vou matá-lo.
Ela ficou totalmente fora de controle. Tiveram de colocá-la numa sala com paredes acolchoadas onde não poderia se machucar, presa por algemas nas mãos e nos pés. Quando os enfermeiros vieram dar-lhe a comida, ela tentou agarrá-los, e eles precisaram se cuidar para não chegar perto demais. Toni assumira o comando absoluto sobre Ashley.
Quando viu o Dr. Keller, ela gritou:
- Deixe-me sair daqui, seu calhorda. Agora.
- Nós vamos soltá-la - falou o Dr. Keller em tom reconfortante -, mas primeiro você precisa se acalmar.
- Eu estou calma - gritou Toni. - Vamos, me solte.
O Dr. Keller sentou-se no chão ao seu lado e falou:
- Toni, quando viu aquela fotografia de seu pai, você disse que ia machucá-lo e...
- Mentira! Eu disse que ia matá-lo.
- Já chega de matanças. Você não vai esfaquear mais ninguém.
- Eu não vou esfaqueá-lo. Você já ouviu falar em ácido sulfúrico? Corrói qualquer coisa, inclusive a pele. Espere até eu...
-Eu não quero que você pense desse jeito.
-Você está certo. Fogo! O fogo é melhor. Ele não precisa passar pelo inferno para morrer queimado. Posso atear fogo nele, ninguém vai me pegar se...
-Toni, esqueça isso.
-Tudo bem. Eu vou pensar em outras maneiras que sejam mais fácil.
Ele a estudou um instante, frustrado.
- Por que você está tão zangada?
- Você não sabe? E eu que o achava um grande médico! Ele está se casando com uma mulher que tem uma filha de três anos. O que vai acontecer com essa menininha, Sr. Médico Famoso? Pois eu vou lhe dizer. O mesmo que aconteceu conosco. Quer saber de uma coisa, eu vou impedir que isso aconteça.
- Eu tinha a esperança de que nós houvéssemos dado um fim a todo esse ódio.
- ódio? Quer saber o que é ódio?
Uma chuva forte e constante batia sobre o teto do carro em alta velocidade. Ela olhou para a mãe sentada ao volante, forçando a vista para enxergar a estrada adiante, e sorriu, bem-humorada.
"O macaco perseguiu a lontra
Em volta do pé de amora... "
A mãe se virou e gritou:
- Cale a boca. Eu já lhe disse que detesto essa música. Você me dá nojo, sua miserável, sua...
Depois disso, tudo pareceu acontecer em câmara lenta. A curva à frente, o carro derrapando para fora da estrada, a árvore. A colisão atirou-a para fora do carro. Ela ficou abalada, mas não se machucou.
Levantou-se. Ouviu a mãe presa dentro do carro, gritando:
- Socorro, me tirem daqui! Socorro!
E ela ficou só olhando, até que o carro finalmente explodiu.
- ódio? Você quer saber mais?
Walter Manning falou:
- Precisa ser uma decisão unânime. Minha filha é uma profissional, não uma diletante. Ela fez isso como um favor. Não podemos recusar o seu quadro... É preciso que haja unanimidade. Vamos dar ao pastor o quadro da minha filha; caso contrário, não vamos dar quadro algum.
Ela estava com o carro estacionado ao lado do meio-fio, o motor ligado. Esperou Walter Manning cruzar a rua em direcção à garagem, para pegar o seu carro. Ela engatou a marcha e afundou o pé no acelerador. No último momento, ele ouviu o barulho do carro vindo em sua direcção e se virou. Ela viu a expressão no rosto dele quando o carro o pegou em cheio e jogou o corpo mutilado para o lado. Ela seguiu em frente. Não houve testemunhas. Deus estava do lado dela.
- Isso é ódio, doutorzinho! Isso é ódio de verdade!
Gilbert Keller ouviu a narrativa atónito, abalado pela perversidade e frieza. Ele cancelou os demais compromissos do dia. Precisava ficar só.
Na manhã seguinte, quando o Dr. Keller entrou na cela acolchoada, Toni assumira o controle.
- Por que está fazendo isso comigo, Dr. Keller? - perguntou
- Deixe -me sair daqui.
- Eu vou deixar - assegurou-lhe o Dr. Keller - Fale-me. O que ela lhe disse?
- Que nós temos de sair daqui e matar o papai.
Toni assumiu.
- Bom dia, doutorzinho! Nós estamos bem agora. Por que não nos solta?
O Dr. Keller fitou-a bem nos olhos. Ele viu um assassinato a sangue-frio dentro deles.
O Dr. Lewison soltou um suspiro.
- Estou profundamente sentido com o que aconteceu. Tudo estava indo tão bem.
- Agora, não consigo nem falar com Ashley.
- Suponho que isto signifique ter de recomeçar todo o tratamento.