- Mas é tudo em nome da caridade - Alette ouviu uma mulher explicando ao marido.
Alette olhou para os seus quadros, que havia distribuído em torno da barraca, em sua maioria paisagens pintadas com cores tão vivas que pareciam saltar da tela. Estava bastante receosa. Você está gastando um dinheirão com essas tintas, menina!
Um homem se aproximou da barraca.
- Oi! Foi você quem pintou?
Sua voz era de um azul profundo.
- Não, seu idiota! Michelangelo deu um pulinho aqui e pintou.
- Você tem muito talento.
- Obrigada! -E você entende alguma coisa de talento?
Um casal jovem parou na barraca de Alette.
- Mas que cores! Ah, eu vou levar aquele ali. Você pinta muito bem.
Durante toda à tarde as pessoas foram à sua barraca, para comprar seus quadros e falar do seu talento. Alette quis acreditar em toda aquela gente, mas a cada vez a cortina negra descia e ela pensava: Essa gente toda está sendo ludibriada!
E chegou um marchand.
- Esses quadros são adoráveis! Você deveria comercializar o seu talento.
- Eu sou amadora - insistiu Alette. E recusou-se a levar adiante a discussão.
Ao fim do dia, Alette vendera absolutamente todos os seus quadros. Juntou o dinheiro que as pessoas lhe havia pagado, colocou em um envelope e entregou-o ao pastor Frank Selvaggio.
Ele o recebeu e disse:
- Obrigado Alette! Você tem um grande dom, trazer tanta beleza para as vidas das pessoas.
Você ouviu isso, mamãe?
Quando estava em São Francisco, Alette passava horas visitando o Museu de Arte Moderna e ia sempre ao Museu De Young, a fim de estudar sua coleção de arte norte-americana. Artistas jovens ficavam lá, copiando alguns dos quadros expostos nas paredes do museu. Um rapaz, em particular, chamou a atenção de Alette. Aproximava-se dos trinta, era magro e louro, tinha traços fortes e um ar inteligente. Copiava Pecúnias, de Geórgia O'Keeffe, e seu trabalho era notável. O artista percebeu que Alette o estava observando.
-Olá!
Sua voz soou igual a amarelo vivo.
- Olá - respondeu Alette, timidamente.
O artista gesticulou com a cabeça, apontando para o próprio trabalho.
- O que você acha?
- Belíssimo! Acho maravilhoso. - E aguardou que sua voz interna dissesse: "Para um amador idiota". Mas isso não aconteceu. Ela se surpreendeu. - maravilhoso mesmo.
Ele sorriu.
- Obrigado! Meu nome é Richard; Richard Melton.
- Alette Peters.
- Você vem sempre aqui? - perguntou Richard.
- Sim. Sempre que posso. Não moro em São Francisco.
- Onde você mora?
- Em Cupertino. - Não foi "Isso não é da sua conta" nem "você quer mesmo saber?", mas sim "Em Cupertino". O que está acontecendo comigo?
- É uma cidadezinha muito agradável.
- Eu gosto. - Não foi "Por que diabos você acha que é uma cidadezinha agradável?" Nem "E você lá sabe o que é uma cidadezinha agradável?", mas sim "Eu gosto".
Ele terminou o quadro.
- Estou com fome. Posso pagar-lhe o almoço? O Café De Young tem uma comida saborosa.
Alette vacilou um pouco.
- Va bene. Acho uma boa idéia. - Não foi "Você tem cara de idiota" nem "Eu não almoço com desconhecidos", mas sim. Acho uma boa idéia". Foi uma experiência nova, que a deixou extasiada.
O almoço foi extremamente agradável e sequer uma vez os pensamentos negativos vieram à mente de Alette. Os dois conversaram sobre alguns dos grandes artistas, e ela contou a Richard sobre sua infância em Roma.
- Eu nunca fui a Roma - disse ele. - Talvez um dia.
E Alette pensou: Seria divertido ir a Roma com você.
Quando eles já estavam terminando o almoço, Richard viu seu colega de quarto e o chamou para a mesa.
- Gary, eu não sabia que você ia estar aqui. Esta é Alette Peters. Gary King.
Gary estava com seus vinte e tantos anos, tinha olhos azuis e usava o cabelo na altura dos ombros.
- Prazer em conhecê-lo, Gary.
- Gary é o meu melhor amigo desde o segundo grau, Alette.
- Pois é! E conheço muita coisa da vida do Richard. Portanto, se você quiser ficar sabendo de umas boas histórias...
- Gary, vai ver se eu estou na esquina.
- Vou, sim. - Ele se dirigiu a Alette. - Mas não se esqueça da minha oferta. A gente se vê por aí.
Depois que Gary se afastou, Richard falou:
- Alette...
- Diga.
- Será que eu poderia ver você novamente?
- Acho uma boa idéia.
Muito boa.
Segunda-feira de manhã, Alette narrou a experiência a Toni.
- Não vá se envolver com um artista - advertiu Toni. -Você vai ter de sobreviver das frutas que ele pintar. Vai sair com ele?
Alette sorriu.
- Vou. Acho que ele gostou de mim. E eu gostei dele. Gostei mesmo.
Tudo começou como uma pequena discórdia e acabou como uma discussão enfurecida. O pastor Frank estava se aposentando depois de quarenta anos de serviço. Sempre fora um pastor muito bom e consciencioso, e a congregação sentia a sua partida. Fizeram reuniões secretas para decidir o que lhe dariam como presente de despedida. Um relógio... Dinheiro... Umas férias... Um quadro... Ele adorava arte.
- Por que a gente não pede a alguém que pinte um retrato dele, com a igreja ao fundo? - Os olhares voltaram-se para Alette.
- Você faria?
- Claro - respondeu ela, satisfeitíssima.
Walter Manning era um dos freqüentadores mais antigos da igreja e um dos maiores colaboradores. Era um empresário muito bem-sucedido, mas parecia ressentir-se do sucesso dos demais. Ele falou:
- Minha filha é uma excelente pintora. Talvez ela devesse pintar o quadro.
Alguém sugeriu:
- Por que as duas não pintam cada uma um quadro para que depois nós votemos qual vai ser dado ao pastor Frank?
Alette pôs mãos à obra. O quadro levou cinco dias para ficar pronto, e o resultado ficou um primor, com o brilho da compaixão e bondade do retratado. No domingo seguinte, o grupo reuniu-se para estudar as duas pinturas. Houve exclamações de aprovação pelo quadro de Alette.
- Está tão real! Parece até que ele vai sair andando da tela...
- Ah, ele vai adorar...
- Alette, esse quadro deveria estar num museu...
Walter Manning desembrulhou a tela pintada por sua filha.
Tratava-se de uma excelente obra, mas faltava-lhe o fulgor do retrato de Alette.
- Está muito bom - disse um dos membros da congregação, com muito tacto -, mas acho que o de Alette é...
- Eu concordo...
- Vai ser o que Alette pintou...
Walter Manning protestou.
- É preciso que a decisão seja unânime. Minha filha é uma pintora profissional - ele olhou para Alette -, não uma diletante. Ela pintou este quadro como um favor. Não podemos recusar sua obra.
- Mas, Walter...
- Não, senhor. É preciso que haja unanimidade. Vamos dar ao pastor o quadro da minha filha; caso contrário, não vamos lhe dar quadro algum.
Alette falou:
- Eu gostei muito do quadro dela. Vamos dá-lo ao pastor
Walter Manning abriu um sorriso presunçoso e disse:
- Ele vai ficar muito satisfeito com este.
A caminho de casa naquela noite, Walter Manning foi atropelado e morto por um motorista que nem sequer parou para prestar socorro.
Quando Alette soube da notícia, ficou chocada.
Capítulo Quatro
Ashley Paterson estava tomando banho às pressas, atrasada para o trabalho, quando ouviu o ruído. Uma porta sendo aberta? Fechada? Ela desligou o chuveiro, à escuta, o coração palpitando.