- Então, já faz algum tempo desde que você... Quero dizer, às vezes, quando a mulher não tem ninguém em sua vida... Bem, é possível que vá se formando um acúmulo de tensão...
O que ele está tentando me dizer é que eu preciso de uma boa...
Ela não conseguiu se persuadir a dizer a palavra. Chegou a ouvir os gritos do pai: "Nunca mais repita essa palavra. As pessoas vão pensar que você é uma vagabundinha. Pessoas de bem não dizem trepar. Onde é que você aprende esse tipo de linguagem"?
- Acho que você anda trabalhando demais, Ashley. E acho que não tem com que se preocupar. Talvez seja só a tensão. Leve as coisas com mais tranqüilidade durante algum tempo. Descanse bastante.
- Vou tentar
Shane Miller estava esperando por ela.
- O que o Dr. Speakman disse?
Ashley conseguiu dar um sorriso.
- Ele disse que eu estou bem. Só que ando trabalhando demais!
- Se é assim, vamos tomar uma providência quanto a isso - falou Shane. - Para começar, por que você não dá o dia por encerrado? - O seu tom de voz demonstrou preocupação.
- Obrigada! - Ela olhou para ele e sorriu. Era um homem atencioso. Um bom amigo.
Não pode ser ele, pensou Ashley. Ele não.
Durante a semana seguinte, Ashley não conseguiu pensar em nada além da reunião. Será que a minha ida é um erro? E se Jim Cleary aparecer por lá? Será que ele faz idéia do quanto me magoou? Será que liga para isso? Ou não vai sequer se lembrar de mim? Na noite anterior à data marcada para a viagem, Ashley não conseguiu dormir. Ficou tentada a cancelar o vôo. Mas que besteira! Pensou. O passado é o passado.
Quando pegou a passagem no aeroporto, Ashley a examinou e disse:
- Acho que houve um erro. A minha passagem é para a classe turística. Este bilhete é para a primeira classe.
- É, sim. A senhora mudou.
Ela olhou para o funcionário.
- Eu o quê?
- A senhora telefonou e mandou mudar para a primeira classe. - Ele mostrou uma folha de papel para Ashley - Esse não é o número do seu cartão de crédito?
Ela olhou para o número e disse, bem devagar:
- É, sim...
Não tinha dado aquele telefonema.
Ashley chegou a Bedford cedo e se hospedou no Bedford Springs Resort. As festividades do encontro só teriam início às seis horas da tarde. Ela resolveu, então, explorar a cidade. Parou um táxi em frente ao hotel.
- Para onde, madame?
- Eu só quero dar um passeio.
A cidade natal de uma pessoa costuma parecer ainda menor quando esta volta para visitá-la muitos anos depois, mas, para Ashley, Bedford pareceu maior do que em suas lembranças. O táxi percorreu ruas conhecidas, passou pela sede da Bedford Gazette, pela estação de TV WKYE e por uma dúzia de restaurantes e galerias de arte que lhe eram familiares. O Baker's Loaf de Bedford ainda estava lá, assim como o Clara's Place, o museu do forte de Bedford e a Old Bedford Village. Eles passaram em frente ao Memorial Hospital, um simpático edifício de três andares, com fachada em tijolo aparente e um pórtico na entrada. Seu pai se tornou famoso ali. Ela voltou a se lembrar das terríveis discussões entabuladas aos berros entre a mãe e o pai. Sempre a respeito da mesma coisa. Mas que coisa? Ela não conseguia se lembrar as cinco da tarde, Ashley voltou para o hotel e foi para o seu quarto. Mudou de roupa três vezes antes de decidir o que usar. Optou por um vestido simples e liso, preto. Ao entrar no ginásio da Escola de Segundo Grau da Região Administrativa de Bedford, todo decorado para as comemorações, ela se viu cercada por 120 estranhos de aspecto remotamente familiar. Alguns de seus antigos colegas de turma estavam absolutamente irreconhecíveis; outros poucos haviam mudado. Ashley estava procurando uma única pessoa: Jim Cleary. Será que ele mudou muito? Estaria acompanhado da esposa? Muita gente começou a abordá-la.
- Ashley, eu sou Trent Waterson. Você está ótima!
- Obrigada! Você também, Trent.
- Eu gostaria de lhe apresentar minha mulher...
- Ashley! É realmente você, não é?
- Sou eu, sim. Ahn...
- Art. Art Davies. Você se lembra de mim? - Ele estava mal vestido e parecia pouco à vontade.
- Claro. Como vão as coisas, Art?
- Indo. Você sabe que eu queria ser engenheiro, mas não deu.
- Que pena!
- Mas, enfim, virei mecânico.
- Ashley! Eu sou Lenny Holland. Pelo amor de Deus, como você está linda!
- Obrigada Lenny! - Ele engordara e estava usando um enorme anel de diamante no dedo mínimo.
- Estou trabalhando com imóveis; estou indo muito bem! Você se casou?
Ashley hesitou.
- Não.
- Você se lembra de Nicky Brandt? Nós nos casamos. Temos gêmeos.
- Parabéns!
Era impressionante como as pessoas podiam mudar tanto em dez anos! Estavam mais gordas mais magras... Bem de vida, arrasadas. Casadas, divorciadas... Com filhos, sem filhos...
Conforme a noite foi passando, o jantar foi servido, a música começou, e muita gente dançou. Ashley conversou com muitos dos antigos colegas de classe e se inteirou de suas vidas, mas sua mente estava em Jim Cleary. Ainda não havia sinal algum dele. Ele não vem, concluiu. Ele sabe que eu posso estar aqui e ficou com medo de me encarar.
Uma mulher atraente veio se aproximando.
- Ashley! Eu estava torcendo para encontrar você.
Era Florence Schiffer. Ashley ficou realmente feliz. Florence fora uma de suas amigas mais intimas. As duas encontraram uma mesa ao canto, onde poderiam conversar.
- Você está ótima, Florence - disse Ashley.
- Você também. Sinto muito por ter chegado tão tarde. Meu bebê não estava passando muito bem. Desde a última vez em que nos vimos, eu me casei e me divorciei. Agora estou namorando um cara espetacular. E você? Desapareceu depois da festa de formatura! Eu tentei encontrá-la, mas você tinha ido embora da cidade.
- Eu fui para Londres - disse Ashley. - Meu pai me matriculou numa faculdade de lá. Nós fomos embora na manhã seguinte à formatura.
- Mas eu tentei encontrá-la de todas as maneiras. Os detetives acharam que eu talvez soubesse onde você estava. Estavam à sua procura porque você e Jim Cleary eram namorados.
Ashley falou devagar:
- Os detetives?
- Claro! Que estavam investigando o assassinato.
Ashley sentiu o sangue fugir-lhe do rosto.
- Que... Assassinato?
Florence estava olhando bem para ela.
- Meu Deus! Você não sabe?
- Sabe do quê? - perguntou Ashley, tensa. - Do que você está falando?
- No dia seguinte à festa de formatura, os pais de Jim chegaram em casa e encontraram o corpo. Ele foi morto a facadas... E castrado.
O salão começou a girar. Ashley se agarrou à borda da mesa.
Florence segurou-lhe o braço.
- Mas... Ashley desculpe! Eu achava que você teria lido em algum lugar... Claro que não... Você tinha ido para Londres.
Ashley fechou os olhos, bem apertados. Ela se viu fugindo de casa naquela noite, rumando para a casa de Jim Cleary. Mas tinha voltado, preferindo esperar por ele de manhã. Se ao menos eu tivesse ido até lá, pensou, agoniada, ele ainda estaria vivo. E durante todos esses anos, eu só senti ódio por ele! Ai, meu Deus! Quem o teria matado? Quem...?
Ela chegou a ouvir a voz do pai: Mantenha as mãos longe da minha filha, entendeu bem?... Se eu vir você por aqui outra vez, vou quebrar todos os ossos do seu corpo.
Ela se levantou.
- Você vai me desculpar, Florence. Eu... Eu não estou me sentindo muito bem.
E Ashley fugiu.
Os detetives. Devem ter entrado em contato com seu pai. Por que ele não me falou?
Ela pegou o primeiro avião de volta para a Califórnia. Só conseguiu dormir de manhã cedo. Teve um pesadelo. Um vulto na escuridão esfaqueava Jim, e gritava com ele. O vulto saiu do escuro.
Era o pai dela.
Capítulo Cinco
Os meses que se seguiram foram de absoluta tristeza para Ashley. A imagem do corpo de Jim Cleary mutilado e ensangüentado repassava a toda hora por sua mente. Ela pensou em se consultar com o Dr. Speakman outra vez, mas sabia que não ousaria discutir esse assunto com mais ninguém. Sentia culpa só de pensar que o pai poderia ter feito uma coisa tão terrível assim. Afastava esse pensamento e tentava se concentrar no trabalho. Era impossível! Ela olhou com desânimo para um logotipo que acabara de esboçar.