Margaret Weis e Tracy Hickman
Dragões de uma Chama de Verão
Cântico dos gelos
LIVRO 1
1
O destacamento de desembarque.
A profecia.
O encontro inesperado.
Naquela manhã fazia calor, um calor atroz.
Muito quente para a Primavera que ia desvanecendo em Ansalon. Um calor daqueles, só em meados do Verão. Sentados à popa do navio, os dois cavaleiros sentiam o quebranto de suor e de mal-estar que a pesada armadura de aço lhes provocava, e olhavam com inveja para os homens seminus que manejavam vigorosamente os remos da embarcação.
As armaduras negras dos cavaleiros, adornadas com caveiras e com o lírio da morte, e que haviam recebido a bênção do sumo sacerdócio, deveriam, pressupostamente, resistir as intempéries do vento e da chuva, do calor e do frio. Mas parecia que a bênção da Rainha das Trevas se revelava ineficaz contra esta onda extemporânea de calor. Quando o barco se aproximou da margem, os cavaleiros foram os primeiros a saltar para as águas pouco profundas e com ela salpicar o rosto avermelhado e o pescoço tostado pelo Sol. Mas não obtiveram o ansiado frescor.
— É como se chafurdássemos em caldo quente — resmungou um deles, patinhando em direção a terra. Mesmo enquanto falava, ia perscrutando cuidadosamente a linha da costa, à procura de sinais de vida entre os arbustos, árvores e dunas.
— Lembra mais sangue — respondeu-lhe o companheiro. — Imagine que se atola no sangue dos nossos inimigos, dos inimigos da nossa Rainha. Avista algo?
— Não — replicou o outro. Esboçou um aceno com a mão e, sem olhar para trás, ouviu o burburinho dos homens que saltavam para a água, as gargalhadas rudes e as palavras que trocavam no seu idioma bárbaro e gutural.
Um dos cavaleiros virou-se para ordenar:
— Tragam a embarcação para terra!
Precaução desnecessária, os homens já tinham içado a pesada embarcação e transportavam-na apressadamente pelas águas pouco profundas. Com um esgar, pousaram-na na areia da praia e olharam para o cavaleiro, aguardando mais ordens.
Este limpou a testa, maravilhado com a força dos homens e — não era a primeira vez — agradeceu à Rainha Takhisis por estes bárbaros se encontrarem do lado deles. Os brutos, como eram conhecidos. Não que fosse o verdadeiro nome da raça, pois esse, que guardavam para si, era indecifrável, de modo que os cavaleiros que comandavam os bárbaros começaram a designá-los pela alcunha: brutos.
O nome ajustava-se bem aos bárbaros, oriundos do Leste, de um continente cuja existência poucos conheciam em Ansalon. Cada homem media bem 1,80 m de altura, alguns chegavam mesmo aos dois metros. Possuíam um corpo corpulento e musculoso como o dos humanos e os movimentos ágeis e graciosos dos elfos. Tinham orelhas pontiagudas como as dos elfos, mas a barba espessa que lhes cobria o rosto lembrava a dos humanos ou a dos gnomos. Eram fortes como duendes e, tal como estes, adoravam batalhar. Ferozes no combate, votavam lealdade aos que os comandavam e, salvo alguns costumes grotescos, como o de retalhar várias partes do corpo dos inimigos mortos para guardá-los como troféus, os brutos constituíam o paradigma dos soldados de infantaria.
— Transmita ao capitão que chegamos sãos e salvos e não deparamos com resistência — disse o cavaleiro ao camarada. — Deixamos alguns homens aqui, com a embarcação, e seguimos para o interior.
O outro cavaleiro aquiesceu com a cabeça. Retirando do cinturão uma flâmula de seda vermelha, desfraldou-a, segurou-a por sobre a cabeça e, lentamente, agitou-a três vezes. Da enorme embarcação negra com uma carranca de dragão, ancorada a alguma distância, avistaram, em sinal de resposta, uma mancha vermelha a tremular. Tratava-se de uma missão de reconhecimento, não de uma invasão. Quanto a esse ponto, as ordens recebidas foram bem explícitas.
Os cavaleiros enviaram as patrulhas, algumas percorreram a praia de alto a baixo, outras se embrenharam pelo interior, de onde se recortavam, das árvores, colinas de rocha calcária, estioladas e sobranceiras, que lembravam as garras de um gato a tentar arranhar o céu. O acesso ao interior fazia-se através de fendas existentes nas rochas. O navio circundara a ilha e sabiam agora não ser esta de grandes dimensões. Em breve, as patrulhas regressavam.
Completada a missão, os dois cavaleiros procuraram, aliviados, a réstia de sombra projetada por uma árvore entroncada e disforme. Dois dos brutos postaram-se de guarda. Os cavaleiros, mesmo em repouso, mantinham-se prudentes e vigilantes. Recostando-se, beberam goles frugais de água potável que traziam consigo. Um deles esboçou uma careta.
— Esta mistela está quente!
— Claro que está quente! Deixou o odre torrando no sol!