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“Pelo que Gileano concordou.

“— Falaste do assunto ao Pai, é evidente — perguntou Gileano, como se refletisse, sem se preocupar, sequer, em levantar os olhos do livro.

“— Oh, é claro, meu querido irmão! — replicou Takhisis.

“Gileano sabia que Takhisis mentia — Zivilyn advertira-o. Mas a oportunidade de adquirir mais conhecimentos constituía uma tentação muito forte, de modo que Gileano fechou os olhos à verdade.

“Depois de obter o consenso dos irmãos, Takhisis pôs o seu plano em ação.

“No Além vivia um deus chamado Reorx. Nada mais se conhece do seu passado, embora corram boatos sobre a ocorrência de uma tragédia horrível qualquer, que o levou a evitar a companhia dos outros imortais. Vivia sozinho no seu plano, passando o tempo a criar coisas na forja, que eram lindas e horripilantes, prodigiosas e terríveis. O prazer dele residia na criação. Fazia objetos, não lhes dava utilidade e, uma vez acabados, simplesmente jogava-os fora. Ainda os podemos apreciar. De vez em quando, um deles despenca no solo. São conhecidos por estrelas cadentes.

“Takhisis apresentou-se junto de Reorx e elogiou as suas criações.

“— Mas é pena — observou — que as jogue fora! Tenho um plano em mente. Criarás algo que não te enfade e que, em todos os dias da tua vida imortal, te ofereça novos desafios. Vais conceber um mundo, povoar esse mundo de espíritos e transmitir-lhes todas as tuas aptidões.

“A idéia seduziu Reorx. Finalmente o seu ato inesgotável de criação iria ter alguma utilidade, algum benefício. Concordou de imediato.

“— Esclareceste o assunto com o Pai? — perguntou a Takhisis.

“— Sem tê-lo feito, nunca o proporia — respondeu ela.

“Reorx — que era simples e cândido — não fazia idéia de que Takhisis mentia.

“Os deuses reuniram-se. Paladino, Mishakal e os filhos; Gileano e a única filha natural, juntamente com os filhos adotados, e Takhisis, o esposo Sargonnas, e os filhos. Reorx chegou, montou a forja e — no meio da noite escura e infindável do Caos — nela depositou um pedaço de metal fundido, aquecido à brasa, e com o martelo, desferiu o primeiro golpe.

“Nesse instante, os dois irmãos viram-se obrigados a abrir os olhos.

“Takhisis não consultara Caos, o Pai de Tudo e de Nada. Ciente de que este se oporia ao seu plano de introduzir ordem no Universo, evitara deliberadamente comunicar-lhe o seu conluio. E sem dúvida que os irmãos o sabiam.

“Caos podia ter destruído ali mesmo os filhos e o seu brinquedo, mas como faz qualquer pai, decidiu que melhor seria ensinar-lhes uma lição.

“— Na verdade vos digo que criarão ordem! — rugiu. — Mas farei com que essa ordem gere discórdia, tanto entre vós como entre os que povoarem o vosso mundo!

“Nada podia ser feito para alterar o que ocorrera. Havia chispas saídas do martelo de Reorx já transformadas em estrelas. E a luz das estrelas gerara espíritos vivos. O próprio Reorx forjava um mundo onde os mesmos pudessem habitar.

“Foi então que a maldição de Caos adquiriu contornos.

“Takhisis pretendia ver os espíritos recém-nascidos sob o seu jugo, tencionava forçá-los a acatar as suas ordens. Paladino pretendia ter os espíritos sob a sua alçada, tencionava cuidar deles e conduzi-los pela via da retidão. Gileano — no sentido acadêmico — não conseguia descobrir vantagens nestas intenções. Pretendia que os espíritos permanecessem livres, que escolhessem o caminho a trilhar. Deste modo, o mundo seria muito mais interessante.

“Gerou-se a discórdia entre os irmãos. Os respectivos filhos e os deuses de outros planos viram-se envolvidos na contenda. Eclodira a Guerra de Todos os Santos.

“O Pai de Tudo e de Nada riu, e as suas gargalhadas causavam pavor.

“Por fim, Paladino e Gileano perceberam que a batalha podia muito bem destruir toda a Criação. Aliaram-se contra a irmã, e embora não alcançassem uma vitória absoluta, pelo menos a obrigaram a chegar a um acordo. Com relutância, esta concordou em que os três deveriam governar juntos o novo mundo, mantendo entre si o equilíbrio. Deste modo, esperavam esconjurar a maldição que Caos, seu Pai, lhes lançara.

“Os três deuses decidiram que cada um concederia aos espíritos dons que lhes permitissem viver e prosperar no mundo recém-formado.

“Paladino atribuiu aos espíritos a necessidade de controle. Assim, iriam trabalhar no sentido de assumirem o controle sobre o seu habitat e introduzirem ordem no Mundo.

“Takhisis dotou os espíritos de ambição e desejo. Estes não só controlariam o mundo como procurariam constantemente torná-lo melhor — e melhorarem-se a si mesmos.

“Gileano concedeu aos espíritos a dádiva da escolha. Cada um teria livre arbítrio na tomada das decisões. Nenhum deus seria dono do poder absoluto.

“Todas estas dádivas eram boas, nenhuma perniciosa — a menos que levadas ao extremo. A necessidade de controle, quando levada ao extremo, redunda na aversão às mudanças, na supressão de novas idéias, na intolerância contra tudo o que seja diferente.

“A ambição, quando levada ao extremo, redunda na determinação de assumir o poder a todo o custo, na escravidão. Os desejos podem converter-se em obsessões, levar à cobiça, à concupiscência, à avareza e ao ciúmes.

“A liberdade — quando levada ao extremo — é anarquia.

“Aos espíritos foi atribuída uma forma física, nascida da imaginação dos deuses. Da mente de Paladino emanaram os Elfos — na sua óptica, a raça ideal. Adoravam controlar o mundo físico, moldando-o a seu bel-prazer. Eram longevos, quase imutáveis.

“Takhisis concebeu uma raça de criaturas dotadas de uma beleza suprema, todas tão ambiciosas e egoístas como ela própria. Tratava-se dos Ogros e, à medida que os seus anelos cresciam, a sua beleza ia se consumindo. Mas, além de dotados de uma força imensa, eram muito poderosos.

“Nós, os Irdas, podemos afirmar sermos criações de Takhisis, pois formamos os Ogros originais. Vimos o que estava acontecendo ao nosso povo, e alguns de nós viraram-se para Paladino, suplicando-lhe auxílio. Este permitiu-nos quebrar os elos com a Rainha das Trevas, mas o preço foi elevado. Não podíamos viver perto de outras raças, a fim de não sucumbirmos à tentação e cairmos de novo. Formaríamos um povo isolado, só, que celebraria o isolamento e perpetuaria a sua própria solidão. Até o fato de nos juntarmos para conceber descendência se revelaria difícil, pelo que o nosso povo nunca viria a ser numeroso. Aceitamos todas estas condições, a fim de escaparmos ao destino dos nossos irmãos. Por isso, o mundo nada sabe a nosso respeito. Ou quanto se sabe é falso.

“Gileano idealizou a raça dos Humanos. Têm o ciclo de vida mais curto, são mais atreitos a mudanças e a influências.

“O Pai, para júbilo próprio e para aumentar a verossimilhança com a confusão, criou os animais. Irritou de sobremaneira os filhos, ao conceder benesses a muitos animais. Entre estes, destacam-se os Dragões, dotados de sabedoria, inteligência, longa vida, magia, força e armas formidáveis.

“Desde a chegada dos Dragões a Krynn, as outras espécies mortais ou os combateram ou diligenciaram no sentido de se aliarem a eles.

“Assim, surgiu a criação do equilíbrio no mundo. Os Elfos consideravam-se a personificação do “Bem”, ao passo que os Ogros constituíam o paradigma do “Mal”. (Importa realçar que, segundo a óptica que o ogro tem do mundo, acontece justamente o oposto. São os Ogros quem se vêem como sendo o “Bem”, ao passo que os Elfos e quejandos, que defendem a exterminação da raça dos Ogros, personificam o “Mal”.) Situando-se no meio, os Humanos eram passíveis de se aliarem a uma ou a outra das facções, o que acontecia com freqüência.

“Assim, são os Humanos, cujo sangue combina os dons dos deuses — a necessidade de exercer controle, a ambição, os desejos e o livre arbítrio, para utilizá-los por vias favoráveis ou desfavoráveis —, quem continua na corrida através do Tempo, criando, mudando, alterando, destruindo. Tal designa-se por Progrosso.