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— Esta é boa — disse Tas, trotando pela taberna e escolhendo uma mesa perto da cozinha.

Era a pior mesa do lugar, mas para Palin servia, pois pretendia poder falar sem ninguém ouvindo. Com efeito, o retinir dos pratos, os gritos da cozinheira, o estrépito das panelas e o chiar dos foles que atiçavam o fogo abafavam a conversa, ao ponto de Palin considerar difícil ouvir a si mesmo.

— A comida é ruim e o vinho, pior — disse Tas alegremente. — Por isso não há Cavaleiros de Takhisis por perto — acrescentou, com uma piscadela de olho.

O estalajadeiro trouxe uma caneca de gasosa de gengibre e um copo de vinho. Bebendo um trago da gasosa, anunciou ao homem:

— Queremos comer.

— Não tenho fo... — Tas deferiu-lhe um pontapé por baixo da mesa, obrigando Palin a se calar.

— Traga-nos pão de cereais e feijão, com muita pimenta — ordenou Tas.

— Vou mandar a garota — murmurou o homem, afastando-se.

— Fale-me da Usha — pediu Palin, inclinando-se sobre a mesa, a fim de ser ouvido.

Tas relanceou demoradamente o olhar pela taberna. Depois, aquiescendo para si mesmo, embrenhou-se na narrativa.

— Onde eu estava? Ah, já sei! Na prisão. Bom, conheci um duende nas celas comuns e, como era ladrão e tudo isso, entretinha muito. Disse-me que o meu pica-fechaduras, que os cavaleiros me tiraram, era um dos mais bonitos que vira e que se eu quisesse vendê-lo, estava interessado em comprá-lo quando saísse, o que não aconteceria tão cedo, pois os cavaleiros tinham muito má opinião sobre a ladroagem e iam se esforçar ao máximo para limpar a cidade. Por isso não havia nenhum kender na prisão.

Tas deu um suspiro, fez uma pausa para tomar mais uma bebida e relanceou o olhar pela estalagem de novo. Nervoso, Palin se remexia, ansioso para ver como terminava a história — se é que terminava.

Limpando a espuma da boca, Tas prosseguiu:

— Bom, lembrei-me que o Dalamar me dissera para procurar a Usha. Não há pessoa mais indicada do que um ladrão para dar umas voltas pela cidade, de modo que perguntei ao duende se conhecia alguém parecido com a Usha e dei-lhe a descrição dela. O sujeito disse que sim, que parecia mesmo uma mulher que entrara para o Grêmio dos Ladrões. Estava se revelando uma aluna aplicada e teria sido na prática se os cavaleiros não atacassem e destruíssem tudo.

— Será que não se enganou? — perguntou Palin, esperançoso. — Talvez haja outra mulher parecida com a Usha...

Tas lançou-lhe um olhar de esguelha por cima da borda da caneca.

— Acho que não — disse Palin, com um suspiro. — Deve ser ela. Sei onde fica o Grêmio dos Ladrões. Eu e o Steel fomos lá. Mas, como nos aproximamos? Deve estar bem guardado. E precisa ser esta noite. Já te disse, prometi... a alguém... encontrar-me com ele na Grande Biblioteca.

— Bom, vai ser perigoso visitar o Grêmio dos Ladrões — respondeu Tas serenamente. — As pessoas dizem que os cavaleiros pretendem atear fogo àquilo.

— Mas, você disse... Usha! Ela...

— Ela está bem — tranquilizou-o Tas. — Pode perguntar ao duende. Está sentado ali, na mesa perto da janela.

Palin virou-se na cadeira para olhar.

O duende, que estivera a observá-los, ergueu a caneca numa saudação.

— Prazer em voltar a vê-lo, menino.

Palin cambaleou sobre a mesa.

— Aquele é... aquele é...

— O Doughan Martelo Vermelho — disse Tasslehoff, acenando com a mão. O duende de roupagens estravagantes levantou-se e encaminhou-se pesadamente para a mesa deles.

— Importa-se que eu me sente, menino? — perguntou, com uma piscada de olho. — Se não estou enganado, é Palin Majere.

Palin engoliu em seco.

— Eu... Eu... o conheço... É o...

— Sim, menino — respondeu Dougan com brandura. — Há olhos observando e ouvidos escutando. Se fosse você, mandaria vir qualquer coisa para mastigar. Parece um pouco pálido.

— Aqui está a criada! — disse Tas, sorrindo para Dougan que, retribuindo-lhe, cofiou a barba luxuriante.

A mulher, que transportava na mão um tabuleiro cheio de pesadas canecas, deteve-se quando se encaminhava para a cozinha. O cabelo tombava-lhe pela cara, úmido do suor e do vapor. Vestia roupas que pareciam de refugo — uma camisa de homem de mangas compridas atada à cintura, uma saia comprida de algodão, atada com nós na frente para não tropeçar. Depois de os olhar fugazmente com uma expressão enfastiada, olhou de novo para a porta da cozinha.

— Sim? Que é que querem? Apressem-se. Tenho louça para lavar.

— Usha! — exclamou Palin, quase sem forças para se levantar. Depois, fazendo um esforço para se afastar da mesa, acrescentou: — Usha, sou eu!

Usha quase deixou cair as canecas, quando ouviu a voz dele pronunciar o seu nome.

Palin ajudou-a a segurá-las, e as mãos de ambos tocaram-se por baixo do pesado tabuleiro.

— Palin! — exclamou ela, sem fôlego. — Pensei que tinha morrido! Nunca pensei vê-lo de novo! Onde foi? Que faz aqui?

— Foi o Tas quem me trouxe. É uma longa história. Não morri! Vim à sua procura.

Os dois ficaram a olhar um para o outro, segurando o tabuleiro com as canecas, indiferentes a tudo e a todos.

— Encontrou-me — respondeu Usha com meiguice.

— E nunca mais vou te deixar — prometeu Palin.

Cofiando os bigodes, Dougan olhou para Palin com ar especulativo.

— Vai uma aposta? — perguntou, fazendo um movimento com o cenho.

7

A zaragata.

A fuga.

O caminho dos ladrões.

— Ei garota, comigo não há confianças com os clientes — disse o estalajadeiro, avançando para eles. — Vá trabalhar!

— Lamento — disse Palin, tirando o tabuleiro das mãos de Usha e entregando-o ao espantado estalajadeiro. — Mas ela vai embora.

— Quê? Palin, não posso ir embora! Eu... Bom, eu... — Usha mordeu o lábio, corou e rematou, pouco convincente: — Preciso deste emprego.

— Ela precisa do emprego! — imitou-a o estalajadeiro com ar de troça. Com um sorriso escarninho, atirou com estrépito o tabuleiro para cima da mesa. — Sim, vai precisar! Para poder ver quem anda com bolsas recheadas por aí e depois indicá-lo aos amigos ladrões! Como o duende ali!

— Tento na língua! — trovejou Dougan, apertando os punhos. — Quem está chamando de ladrão? Pela barba de Reorx, não admito!

Pegando numa cadeira, o duende espatifou-a em cima da cabeça e dos ombros do ferreiro, que se encontrava sentado atrás dele.

Este, já bêbedo, rugiu de fúria, levantou-se com gestos vacilantes e começou a esmurrar à toa. Falhou a pontaria e, em vez do duende, foi acertar no estalajadeiro.

O homem desequilibrou-se para trás, esfregando o maxilar. Tasslehoff pegou nas pontas do avental.

— Pipa de ossos, pipa de ossos! — cantarolou, saltitando em volta do atordoado estalajadeiro como um diabinho com penacho. — Tem medo de comer a comida que faz! Chamam-lhe o Bill Ptomaína!

O ferreiro investia agora a torto e a direito, o que incluía, pelo menos, metade dos clientes. A outra metade fizera um círculo, dando gritos de incentivo e fazendo apostas. Brandindo o atiçador, o estalajadeiro lançou-se na perseguição de Tas.

Virando-se para Palin e Usha, Dougan gritou:

— Mexa-se, rapazinho! E você também, garotinha! Eu trato do assunto!

Um cântaro de faiança acertou na nuca do duende, fazendo derramar a cerveja por cima do seu chapéu. A elegante pena ficou ensopada e o duende, todo encharcado.

— Ah, é assim? — gritou este, soltando perdigotos. Saltando para cima de uma cadeira, arregaçou as mangas e deu um murro certeiro no adversário. — Menino, é melhor se apressar!

— Por aqui — disse Usha, conduzindo Palin para a porta dos fundos. Lá fora, ouviram um assobio estrepitoso. Ao apelo, responderam o som de passos e uma gritaria de ordens. Os dois escolheram-se nas sombras.