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— Os cavaleiros! — informou Palin, espiando por uma esquina da parede. — Aí vem uma patrulha!

— E o Dougan? — perguntou Usha com voz ansiosa. — Não podemos abandoná-lo! E o Tas?

— Estou aqui! — ouviu-se uma voz alegre.

Tasslehoff emergiu de trás do monte de adubo. Estava ligeiramente desgrenhado, com a cara suja, as bolsas pendendo de lado e com o penacho de lado.

— Estou ótimo — declarou.

— Aproximam-se quatro cavaleiros — disse Palin. — É melhor partirmos já antes que apareçam mais.

Usha deteve-se.

— O Dougan! — exclamou, com voz aflita. — Ele foi formidável para mim...

— Oh, ele vai ficar bem — tranquilizou-a Tas. — Afinal de contas, é um deus.

Usha fitou-o de olhos arregalados.

— O quê? — exclamou.

— É melhor nos apressarmos! — insistiu Palin, puxando Usha.

— É um deus — respondeu Tas, em tom desprendido, e saltitando ao lado deles. — É o Reorx. Eu sei porque ando muito com os deuses. Eu e o Paladino somos grandes amigos muito íntimos. A Rainha das Trevas simpatizou tanto comigo que queria que eu ficasse no Abismo com ela. E agora o Reorx, que na realidade é o Dougan. Tivemos uma conversinha interessante, antes de alguém lhe acertar na nuca com uma caçarola.

— Sabe do que ele está falando? — perguntou Usha a Palin, baixando a voz.

— Depois te explico — sussurrou este.

— Para onde vamos agora? — perguntou Tas, excitado.

— Para a Grande Biblioteca.

— Ah! O Astinus! — respondeu Tas, com ar de triunfo. — Estão vendo? Quando eu estive no Abismo... da segunda vez, não da primeira... finalmente percebi de onde o conhecia. Também me conhece.

Do interior da estalagem, vieram-lhes gritos, guinchos e o estrépito do aço contra o ferro.

Chegando ao fim da viela, Palin aventurou-se pela rua afora. Usha deteve-o.

— Onde vai? — perguntou. — Não pode andar assim sem mais nem menos!

— Minha querida — respondeu-lhe Palin em tom gentil mas firme —, estamos com pressa. Não se preocupe. Se os cavaleiros nos avistarem, não nos relacionarão com a confusão. Hão de julgar que somos cidadãos comuns dando o seu passeio noturno.

— Exatamente — contrapôs Usha. — Os cidadãos comuns já não passeiam pelas ruas à noite. Olhe à sua volta. Vê alguém nas ruas?

Palin sobressaltou-se ao verificar que Usha tinha razão. Excetuando os cavaleiros, as ruas encontravam-se desertas.

— Leia seus documentos de identificação — disse Usha com brandura. — Acontece haver certas pessoas que têm permissão para sair à noite. Se for assim, está carimbado nos teus documentos.

Palin fitou-a, de olhos arregalados.

— Que documentos de identificação? Do que está falando?

— Eu não preciso de identificação! — afirmou Tas. — Sei quem eu sou. A noite passada disse isso na cadeia.

— Todo mundo em Palanthas precisa ter documentos. — Usha olhou um e outro com ar consternado. — Até os visitantes. Os cavaleiros entregam-nos junto ao portão. Tem certeza de que não te entregaram nenhum documento? Como entrou na cidade sem eles?

— Bom — começou Tas. — O Dalamar disse qualquer coisa parecida com uugle, bugie, bugie e...

— Não interessa! — interrompeu-o Palin. — Digamos que entramos na cidade por meios muito pouco convencionais. E não, nenhum de nós possui documentos. Não compreendo. Quando começou tudo isto?

A porta da estalagem se abriu. Os cavaleiros obrigaram vários homens a sair — incluindo o ferreiro e o estalajadeiro, que suplicava para não lhe fecharem o negócio. Saíram mais quatro cavaleiros, segurando pelas mãos e pelos pés o duende inconsciente. Os clientes restantes desapareceram na escuridão.

Tas, Palin e Usha mantiveram-se imóveis até os cavaleiros se afastarem. Dentro da estalagem, as tochas ainda ardiam. Com ar receoso, a cozinheira assomou à porta, espreitou para fora e, arrancando o avental, correu para casa.

— Está vendo — disse Usha. — Todo mundo anda aterrorizado. Quando os cavaleiros ocuparam a cidade, obrigaram todas as pessoas de Palanthas a apresentar-se na casa do suserano — que é agora o quartel-general dos cavaleiros — para se recensearem. Obrigaram-nos a dizer onde vivíamos, quem eram os nossos pais, há quanto tempo nos encontrávamos na cidade. Se as pessoas dessem informações erradas, eram levadas... ninguém sabe para onde. Todas as famílias dos Cavaleiros da Solamnia desapareceram. As casas deles foram ocupadas... Chiu!

Os três sumiram na viela. Passou uma patrulha de três cavaleiros, marchando em cadência e os seus passos pesados ressoaram nas pedras.

— Os cavaleiros impuseram o recolher obrigatório — prosseguiu Usha baixinho, depois dos cavaleiros passarem. — É exigido a todos os cidadãos que, a partir da meia-noite, não saiam de casa. A fim de reforçar o recolher obrigatório e “proteger os cidadãos bem comportados dos ataques dos larápios”, os cavaleiros decretaram que não podíamos continuar a acender os lampiões das ruas.

— Os lampiões — murmurou Palin. — Agora percebo a diferença! Mesmo à noite, Palanthas costumava estar iluminada como se fosse dia.

— Agora ninguém mais sai. A taberna está tendo prejuízos. Só os locais paravam para beber um trago e, se calhar, agora nem isso fazem. Ninguém deseja esbarrar com as patrulhas.

Usha esboçou um gesto na direção da rua por onde os cavaleiros tinham desaparecido.

— Mesmo que não passe de um inocente transeunte, levam-no para um dos quartéis-generais dos cavaleiros e o submetem a um interrogatório que nunca mais acaba. Pedem para ver os documentos. Querem saber para onde vamos e porquê. Depois, se as respostas os satisfizerem e se os papéis estiverem “em ordem”, escoltam-nos até o nosso destino. Se nos apanharem mentindo, que os deuses nos valham. Palin, e se te apanharem sem documentos, na companhia de um kender...

Estremecendo, Usha encolheu os ombros.

— Já não permitem a presença de kenders na cidade — acrescentou Tas. — Despejaram-me esta manhã, juntamente com mais alguns. É claro que voltei logo, mas já não é tão fácil como antes. A maior parte das velhas fendas e buracos foi reparada. Mas deixaram alguns esquecidos...

— Não podemos continuar aqui escondidos na viela — murmurou Palin. — À meia-noite tenho de me encontrar na biblioteca. Precisamos arriscar e seguir pelas ruas. Já estamos atrasados.

— E o teu anel mágico? — perguntou Tas, ansioso. — Podia transportar-nos num abrir e fechar de olhos. Adoro que me joguem encantamentos.

— O anel poderia transportar-me — respondeu Palin — mas não a você nem à Usha. Temos que partir agora, enquanto está tudo calmo, antes que os cavaleiros voltem.

Usha manteve-se por uns momentos em silêncio e depois disse:

— Há outra maneira, mais segura, mas não vai gostar.

— Porquê? — perguntou Palin, desanimado. — O que é?

Sacudindo o cabelo prateado, Usha respondeu:

— É conhecido por Trilho dos Ladrões. Pronto... eu disse que não ia gostar.

Palin vislumbrou-lhe o rosto sombrio, mesmo banhado pelo tênue clarão esbranquiçado de Solinari. Sem o encarar, a jovem retirou a mão, que estivera presa na do mago.

— Usha — começou Palin em tom desajeitado.

— Estava com fome — acrescentou ela, com ar de desafio. — Não tinha para onde ir nem onde dormir. Dougan Martelo Vermelho, o duende, encontrou-me e foi simpático comigo. Levou-me para o Grêmio dos Ladrões. Eles não fizeram perguntas. — Usha lançou um olhar de censura a Palin. — Eles me aceitaram logo, me fizeram sentir em casa. Me deram um lugar para dormir e me arranjaram trabalho, o que é muito mais do que algumas pessoas fizeram por mim.