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— Ouviram alguma coisa? — perguntou Tas, atrás deles, espreitando. — Acho que ouvi qualquer... coisa.

— Duendes dos esgotos — respondeu Usha com voz abafada, devido ao trapo. — Aponte a luz para ali — indicou a Palin, assinalando a parede superior de um dos túneis que se bifurcavam.

A parede encontrava-se decorada com marcas de dois tipos. Havia uma série obviamente muito antiga. As letras eram constituídas por azulejos multicoloridos que formavam um mosaico. Muitos dos azulejos tinham desaparecido, deixando buracos no padrão, outros encontravam-se cobertos de bolor. Os caracteres pareciam feitos por duendes.

Por baixo dos mosaicos antigos, viam-se marcas mais recentes. Estas não passavam de desenhos, toscamente garatujados nas paredes com algum instrumento pontiagudo, possivelmente a lâmina de uma faca. Lembravam desenhos de blocos e círculos com setas por baixo, feitos por crianças.

Usha examinou-os atentamente.

— Continuo a dizer que ouvi qualquer coisa — sussurrou Tas. — Passos... e talvez vozes.

— Ratos. Por aqui — disse Usha, dirigindo-se para o túnel central, que se curvava ligeiramente para a esquerda.

— Como sabe que é este? — perguntou Palin, hesitante. Ele também achara ter ouvido algo. Olhou por cima do ombro e perscrutou a escuridão nauseabunda.

— Aquela marca — respondeu Usha, colocando o dedo num dos desenhos da parede. — É a Grande Biblioteca.

Palin virou-se e olhou. Tudo o que viu foi um triângulo, com uma série de linhas traçadas por baixo. Abanou a cabeça.

— É o telhado — disse Usha, indicando o triângulo —, e aquelas linhas são as colunas. Que se passa? Não confia em mim?

A jovem largou-lhe a mão. Palin tentou segurá-la de novo, mas Usha recusou-se.

— Claro que confio. Só que... é tão estranho — admitiu ele. — Quem fez esses desenhos, ou o quê?

Usha recusou-se a responder.

— Ladrões, aposto! — exclamou Tas excitadíssimo, analisando as garatujas. — Fazem estes desenhos para poderem encontrar o caminho de volta. Olhe, esta é a casa do suserano... com os seus cinco espigões. E aquele triângulo alto e grande, com o pequeno triângulo no topo... aposto que é a Torre da Feitiçaria Suprema. E a cúpula redonda com as cinco coisas pontiagudas... o Templo de Paladino. Que engraçado! E as setas indicam que caminho devemos tomar. Usha, há mais?

— Pode encontrá-las em cada intersecção. Vem ou não? — acrescentou, lançando a Palin um olhar altaneiro. — Era você quem estava com pressa.

— Eu vou na frente! — anunciou Tas. — Talvez descubra mais desenhos.

Dito isto, irrompeu pela escuridão. Depois de tapar de novo a boca com o trapo, Usha dispôs-se a ir no seu encalço.

Palin segurou-a, impedindo-a de avançar.

Usha debateu-se e, atirando a cabeça para trás, olhou-o com ar sério, como se mais uma vez quisesse dizer algo, embora se sentisse relutante, insegura.

— Usha — disse Palin. — Que foi?

Os olhos dela cintilaram e, baixando o trapo, murmurou:

— Palin, eu...

— Onde vocês dois se meteram? — cantarolou Tasslehoff, e o eco fantasmagórico da sua voz atravessou o túnel.

— Eu... — Houve uma mudança súbita e o eco transformou-se num grito esganiçado. — Fuja, Palin! Fuja... Fuja...!

E seguiu-se o silêncio.

8

O encontro assustador.

O auxílio.

Os amigos de Usha.

Tas? — chamou Palin.

Ouviu o que lhe pareceu uma rixa e a voz profunda de um homem a praguejar. Ia avançar quando algo mais escuro do que as trevas se abateu sobre ele e o agarrou pela garganta.

— Cale sua boca! É um mago — grunhiu uma voz, e Palin sentiu uma mão calosa tapar-lhe a boca.

Enquanto se debatia, conseguiu não largar o bastão, cuja luz se desvaneceu. Mas, ao que parece, o homem que o atacara trazia uma luz qualquer, pois um clarão amarelado derramou-se pela escuridão, sendo logo apagado por ordem da voz rude.

— Quietos! Todos vocês! — gritou Usha. — Jack Nove Dedos, será que não me conhece?

Ouviu-se um som que lembrava o raspar de ferro e voltou a bruxulear um clarão amarelado, vindo do coto de uma vela, que incidiu bem no rosto de Usha. Um vulto sombrio segurava-a pelos braços.

— Por Hiddukel, é a garota do Dougan! — grunhiu a voz rude. — Largue-a. Allen Cicatriz, o que você tem aí?

— Um kender— respondeu o homem, macambúzio. — Esfaqueou-me — acrescentou, melindrado, mostrando um golpe na mão que sangrava.

A luz iluminou um homem grandalhão, com a cara desfigurada por uma longa cicatriz. Debaixo do braço enorme, trazia Tasslehoff, que estrebuchava e dava pontapés. O homem enfiara um lenço na boca de Tas mas, a mordaça não impediu o kender de tecer comentários livremente, se bem que de um modo algo incoerente, a respeito das feições, família e odor corporal do captor.

Ouviram-se da escuridão, risos abafados que ecoaram pelos túneis.

Kender? Bah! Que mais falta? — disse Jack Nove Dedos, cuspindo para o esterco. — Não suporto esses ladrõezinhos.

— É um amigo meu! — protestou Usha. — E o mago também! Sally Dale, largue-me!

Usha libertou-se com destreza das mãos do captor — uma mulher de meia-idade que vestia uma túnica vermelha curta e calças de couro. Esta olhou para Jack Nove Dedos, à espera de ordens.

O homem aquiesceu com a cabeça, acenou com a mão, e a mulher retrocedeu.

— Solte os meus amigos também — insistiu Usha. Jack olhou para Palin com ar circunspecto.

— Largue o pica-pergaminhos. Mas tire-lhe o bastão e os alforjes. E você, Mago, mantenha as mãos à vista e a boca fechada. Sally Dale, ponha esses ouvidos para funcionar. Se disser uma palavra que seja de magia, amarre-o.

A mulher aquiesceu em silêncio e manteve-se de olho em Palin. Quem segurava a lanterna, conhecida por lanterna “escura”, por incorporar um painel de ferro que, quando fechado, bloqueava por completo a luz, era um duende de barba branca. Este, a fez incidir diretamente nos olhos de Palin, quase ofuscando-o.

— O que faz aqui embaixo, garota? — perguntou Jack Nove Dedos, franzindo o cenho. Era um homem de constituição magra, esperto e ágil, todo vestido de couro. A ausência do anelar da mão esquerda, granjeara-lhe o nome. Tinha cabelo longo e negro e barba da mesma cor e uma compleição trigueira. — Não tem marcado nenhum roubo para esta noite, pelo menos nenhum combinado com o Grêmio — acrescentou, proferindo a última frase em tom sinistro. — Não está pensar em se tornar independente, não é, garota?

— Jack Nove Dedos, não ando no “negócio” — respondeu Usha, corando e olhando de esguelha para Palin. — O meu amigo mago tem que estar na biblioteca por volta da meia-noite. Como vê, é um Veste Branca. Não traz documentos.

— Não diga mais nada, Usha — advertiu-a Palin. — Provavelmente nos entregarão aos cavaleiros das trevas, em particular se lhes pagarem pelo incômodo.

— Não, não entregam, Senhor Mago — ouviu-se uma voz, vinda da escuridão.

Quem falara, avançou para a luz. Era uma mulher jovem, com o rosto parcialmente coberto por um xale, que usava na cabeça. Envergava um vestido preto de viúva e trazia um bebê nos braços.

— Não os entregarão aos cavaleiros — disse, com brandura. — Salvaram-me deles, a mim e ao meu bebê. O meu marido era um Cavaleiro da Solamnia. Morreu na Torre do Sumo Sacerdócio.

Estreitou o filho, que dormia um sono inquieto, e prosseguiu:

— Os cavaleiros das trevas apareceram ontem à minha porta e disseram-me para estar pronta para sair nesse dia, que me acompanhariam até a um “lugar de internamento”. Fiquei assustada. Ouvira boatos a respeito desses lugares. Não tinha para onde ir, ninguém que me acudisse. E foi quando, à noite, apareceu ele — acenou com a cabeça em direção a Nove Dedos — e se ofereceu para me levar a um local onde ficasse em segurança. Para mim já nada peço — acrescentou a mulher, derramando lágrimas sobre a roupinha do bebê. — A minha vida terminou com a morte do meu marido. Mas o meu filho...