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Calou-se e escondeu o rosto no cobertor da criança. Sally Dale cingiu-a nos braços e reconfortou-a, tal como faz uma mãe com a filha. Tasslehoff interrompera as imprecações incoerentes e fungava, acompanhado nesta manifestação pelo grandalhão que segurava o kender.

Palin virou-se para Nove-Dedos.

— É verdade? Vai levá-la para um local onde ficará em segurança?

— O que fazemos não é da sua conta — grunhiu Jack e uma careta iluminou-lhe o rosto. — Coloquemos as coisas nestes termos... vai ser uma bela peça que pregamos naqueles demônios de armadura negra quando baterem à porta da dona hoje e descobrirem que o pássaro voou.

— Talvez o tenha julgado mal — respondeu Palin, em tom rígido. — Se foi assim, lamento.

Soltando uma gargalhada, Nove-Dedos inclinou-se para ele.

— Mago, não comece com idéias cor-de-rosa a nosso respeito. Se eu te encontrasse na viela, no escuro, com uma bolsa recheada na cinta, quem sabe se não cortaria sua garganta por causa do dinheiro. O que fazemos não se compadece com nenhum homem. Fazemos como oposição contra aqueles bastardos de armadura preta que nos desgraçaram a vida com as suas patrulhas e os seus recolheres obrigatórios. Planejamos fazer tudo ao nosso alcance para transformar-lhes a vida num inferno enquanto permanecerem na cidade. Aos que sobreviverem.

Nove-Dedos acenou com uma piscadela, olhou de esguelha e passou o dedo pela garganta. Depois, encarando os três, disse carrancudo:

— Como as coisas estão, interrogo-me se não seria melhor garantir que vocês não divulgarão os nossos planos. A garota fez mal em trazê-los aqui para baixo, revelar os nossos segredos.

— O que quer que faça, é melhor que seja depressa — disse Sally Dale em tom crispado. — O barco que vai transportar dona pretende zarpar com a maré. Se pretende silenciar esta gente, apresse-se, para partirmos.

— Jack, deixe-nos prosseguir o caminho em paz — suplicou Usha. — Respondo pelos meus amigos. Não dirão uma palavra.

— Os meus irmãos eram Cavaleiros da Solamnia — acrescentou Palin. — Juro pelas suas almas que repousam no túmulo que nada direi que ponha em perigo esta dama.

Jack continuava a olhar para Palin.

— Um Veste Branca — disse. — Bom, manterá a sua palavra. Parece que ficamos com o coração mole por estas bandas. Mexen-se. E veja se segue os símbolos, garota. Os que se perdem aqui, acabam como alimento para as ratazanas.

Fez um gesto com a mão. O grandalhão da cicatriz largou Tasslehoff, que tombou de nariz nos excrementos. O duende com a lanterna iluminou o caminho. Sally Dale puxou a mulher e a criança para a escuridão. Os outros marcharam atrás dela e vários segundos depois, os ladrões desapareceram tão rápida e silenciosamente como tinham surgido.

Palin manteve-se nas trevas, procurando acalmar as palpitações do coração e readquirir a compostura. Sentia-se muito confuso. O seu conceito de um mundo ordenado e equilibrado desfizera-se em cacos. Lembrou-se do pai dizer que algumas pessoas aplaudiam os Cavaleiros das Trevas por instaurarem a lei e a ordem num território conturbado. E ocorreram-lhe, como num sonho, as palavras amargas do deus Paladino: “A paz da prisão.”

— Já não há perigo, pode reativar o bastão — disse Usha com brandura.

Shirak — pronunciou ele, e o bastão iluminou-se. Perturbado, olhou para Usha. — Parece conhecer bem aquela gente, e eles a você.

Usha empalideceu e retesou os lábios.

— Conheço-os sim. Ajudaram-me. Já te expliquei isso. Será que estou sendo julgada?

Palin deu um suspiro. Mais uma vez, parecia ser ele o mau da fita. Decidiu mudar de assunto.

— Há pouco ia-me dizer alguma coisa. O que é?

Usha recusou-se a olhar para ele.

— Não é importante — respondeu. E afastando-se, inclinou-se para ajudar Tas a se levantar.

— Você está bem? — perguntou, solícita.

Tossindo e cuspindo, o kender levantou-se e limpou o esterco do rosto.

— Usha, ouviu do que aquele homem me chamou? “Ladrãozinho”! — A indignação obrigava Tas a cuspir. — Como se atreve? E ficou com a minha faca! Só que não era a minha faca, reparei que era a sua, Palin. E agora, aquele ladrão também vai dar pela falta da faca dele. A tenho bem aqui. Engraçado, talvez a tenha deixado cair...

9

A grande biblioteca.

Bertrem fica chocado.

Astinus de Palanthas.

— Chegamos — anunciou Usha, com voz suave. Encontrava-se junto de umas escadas que desembocavam em cima. A luz do bastão iluminou um gradeamento, sobre as cabeças deles.

— Vai dar aonde? — perguntou Palin.

— Infelizmente, bem no meio da rua e defronte da biblioteca — respondeu Usha. — Não é necessário dizer que esta saída não é muito utilizada. — A sua voz era fria, como se Palin fosse um estranho.

— Vou lá ver — ofereceu-se Tasslehoff. Trepando desajeitadamente pelas escadas, ergueu um pouquinho a grade, espiou e deixou-a tombar com um estrépito que podia ser ouvido em toda a Ergoth do Norte.

— Patrulha! — avisou, descendo atabalhoadamente as escadas.

Dulak! — exclamou Palin, apagando a luz do bastão.

Por cima deles ouviram o som de botas e um dos cavaleiros parou bem em cima do gradeamento. Àquele som terrível, Usha aproximou-se de Palin. A sua mão encontrou a ele e os dedos se uniram de leve.

Os cavaleiros se afastaram- marchando e todos inspiraram fundo.

— Desculpe — murmurou ele.

— Desculpe — começou ela. Sorrindo, calaram-se.

— Vou outra vez lá em cima. — Tas preparava-se para subir, quando Palin o deteve.

Postado debaixo da escada, olhava fixamente para o gradeamento metálico que tapava a entrada para os esgotos. O mesmo não se encontrava oculto, como o da viela. Situava-se numa rua concorrida do centro da cidade. Teriam que repô-lo, caso contrário, os cavaleiros podiam ficar desconfiados e iniciar uma busca nos esgotos. Encontrariam Palin e, possivelmente, Jack Nove-Dedos, assim como a mulher que este pretendia levar para um local seguro.

— Temos que nos apressar! — lembrou-lhe Usha. Na escuridão, sentia o corpo da jovem contra o seu. — As patrulhas fazem a ronda de quarto em quarto de hora.

— Estou tentando — respondeu Palin, considerando difícil raciocinar sentindo-a tão próximo e a mão dela na sua. As palavras mágicas adequadas ocorriam-lhe à mente como um vislumbre e desapareciam. — Não está funcionando. Fique aqui.

Pegando Usha pelos ombros, colocou-a diretamente por baixo das escadas.

— Tas, fique perto da Usha. Quando eu disser, começam a subir.

— Que vais fazer? — inquiriu Tas, todo excitado. — Vai fazer magia! Posso ir contigo e ver?

— Você fica aqui — repetiu Palin, que já tinha distrações de sobra. Atrapalhado com o bastão, subiu desajeitadamente as escadas. Ergueu por um instante o gradeamento e espreitou.

Bem alto no céu, destacava-se o fulgor prateado de Solinari, que realçava o contorno dos objetos contra o fundo negro. A rua encontrava-se deserta.

Retirando uma pulseira de couro que usava no pulso direito, fez com que lhe ocorressem à mente as palavras do encantamento. Precisava de enunciar adequadamente cada palavra, ao mesmo tempo que esboçava o movimento correto com a mão e utilizava o componente de encantamento da maneira prescrita. De baixo, vieram-lhe os sussurros de Tas e Usha e esforçou-se por ignorá-los.