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— Lillith, se quisesse nos causar agravo, estou certo de que já teria feito. Concedi-lhe o direito de apresentar as suas desculpas ao Montante Luzente, a quem julgou mal. De uma vez por todas, gostaria de ouvi-lo.

Acenando com a cabeça em sinal de agradecimento, Palin foi postar-se diante de Steel.

— Primo, agiu de uma forma honrada e nobre ao restituír os corpos dos meus dois irmãos ao solo da nossa terra, para que ali fossem enterrados. Escoltou-me em segurança até à Torre da Feitiçaria Suprema, onde possivelmente tentei submeter-me aos desejos que estes feiticeiros cinzentos me impuseram. Acho que, no fundo do coração, ambos sabíamos ser a busca falsa, que por um motivo obscuro qualquer nos haviam atribuído...

A Dama da Noite espumava, mas chegados a este ponto, nada podia fazer para obrigar Palin a se calar. Ariakan impusera as suas ordens e ela não se atreveria a desobedecer-lhe.

Palin prosseguiu:

— Cada um de nós entrou na Torre da Feitiçaria Suprema tentando alcançar os seus objetivos. Steel Montante Luzente mostrou-se, nessas diligências, sempre leal à sua Rainha. Eu, possivelmente, não terei sido tão nobre nas minhas. Seja como for, entrei no laboratório do meu tio, plenamente confiado de que o Steel Montante Luzente me acompanharia. Contudo, a porta se fechou com estrépito e não consegui abri-la de novo. Como nada mais podia fazer, procurei e encontrei o Portal. Atravessei-o...

— Mente! — interrompeu-o a Dama da Noite, com voz esganiçada. — Nenhum mago com uma categoria tão baixa como a dele pode atravessar o Portal que dá para o Abismo! Está escrito que apenas um feiticeiro Veste Negra, acompanhado por um sacerdote de Paladino... — Apercebendo-se do que dissera, a Dama da Noite calou-se repentinamente.

Ariakan ergueu de leve o cenho.

— Mas, eu achava que tinha enviado este jovem para que abrisse o Portal. Talvez ele tenha encontrado a chave. Continue, Palin Majere. Quase me faz esquecer o calor.

— Atravessei o Portal — repetiu Palin. — Não precisei de chave. Não me deparei com obstáculos. O Portal se abriu. A Rainha das Trevas o abandonara.

— Mentiras! — murmurou Lillith, sendo apenas ouvida pelos que se encontravam próximos.

Ao escutar esta parte da história, Ariakan carregou o cenho. Os cavaleiros postados no pátio, trocaram olhares inquiridores.

Palin engoliu em seco, tentou prosseguir, tossiu e acabou por dizer, num fio de voz:

— Meu senhor, posso pedir-lhe um copo de água?

Ariakan esboçou um gesto com a mão. Um escudeiro trouxe uma concha cheia de água, que Palin bebeu avidamente. Steel Montante Luzente permanecia imóvel. Recusou que lhe prestassem assistência e os seus olhos mantinham-se fixos em Palin.

— Obrigado, meu senhor — disse este. — Encontrei o meu tio dentro do Abismo. Não estava sendo torturado, como dizem as versões que correm por aí. Levou-me, e ao meu companheiro, o kender Tasslehoff Pés Ligeiros, para que testemunhássemos um acontecimento dos mais extraordinários... um comício dos deuses.

Os murmúrios dos cavaleiros cresceram de tom. Muitos abanaram a cabeça e soltaram exclamações de incredulidade, até mesmo gargalhadas de escárnio. Os comandantes ordenaram aos homens que se calassem.

Ariakan, que fitava Palin com desconfiança agora, murmurou para um ajudante:

— Temos permissão para condenar os loucos à morte?

Palin, que ouvira, espetou com arrogância o queixo.

— Meu senhor, juro por Paladino, por Solinari, por Mishakal e por todos os deuses do Panteão branco, que falei a verdade. Sei que parece incrível — prosseguiu, com redobrada paixão —, mas o que me foi dado ouvir, ainda é mais inacreditável.

— O mundo... O nosso mundo... corre um perigo terrível. Recentemente, os Irdas capturaram a Pedra Preciosa Cinzenta e, na tentativa de utilizarem a magia desta para, meu senhor, te impedirem de invadir a terra deles, inadvertidamente, racharam-na ao meio. Caos, o Pai dos Deuses, encontrava-se aprisionado dentro da jóia. Ao quebrarem-na, os Irdas libertaram o Caos.

— O Pai condenara os Filhos e jurara destruir a Criação destes. Os deuses uniram-se para lutar contra ele e a sua esperança e desejo é que nós, os mortais, nos juntemos a eles. Caso contrário, o mundo estará condenado. Todos nós, todos os seres vivos à face da Terra e, em última instância, o próprio mundo, perecerão.

Das pedras do pátio subiam ondas de calor. As moscas zumbiam incessantemente ao redor do sangue seco que manchava o cepo de mármore. Rolando os olhos e abanando a cabeça, a Dama da Noite esboçou um sorriso escarninho, dando a entender aos presentes o que pensava da narrativa de Palin.

Ariakan carregou ainda mais o cenho.

— Suponho que não dispõe de qualquer prova que corrobore as suas pretensões, não é, Palin? A história que nos relatou é monstruosa, tem que admitir.

— Meu senhor, não disponho de provas consistentes — respondeu Palin em tom sereno. Não estava à espera que acreditassem nele, a não ser, possivelmente, uma pessoa, a única que interessava. Olhando para Steel, acrescentou: — Mas ouvi Paladino estabelecer um acordo com a tua Rainha. Aos cavaleiros das trevas, foi atribuído o controle de Ansalon, a fim de que pudessem unificar todos os povos beligerantes, torná-los coesos para que formassem uma frente contra os exércitos de Caos. A torre caiu nas mãos das suas forças, foi a primeira vez que os exércitos das trevas a conquistaram.

— Gostaria de pensar que a nossa esmagadora superioridade, em termos de armas e de homens, teve algo a ver com a nossa vitória — disse Ariakan, em tom ambíguo.

Steel virou-se para Ariakan.

— Meu senhor, permite que eu fale?

— Claro, Montante Luzente. Surpreende-me que não o fizesse antes.

— Meu senhor, acredito em Palin Majere. Não estou bem certo porquê — acrescentou Steel, com um encolher de ombros —, salvo pelo fato de ter viajado com ele e saber que é um homem de bem. Este ato, apresentar-se aqui com o risco da própria vida para salvar a minha atesta-o. Peço ao meu senhor para recordar um estranho acontecimento ocorrido durante a Batalha da Torre da Feitiçaria Suprema: a retirada dos dragões prateados e dourados. Achamos que batiam em debandada e esperamos que se reagrupassem. Mas não voltaram a aparecer. Que outra explicação podemos dar, a não ser que receberam ordens de Paladino para debandar?

Ariakan ponderou o assunto. Era um homem de fé e ele mesmo se rebelara contra os deuses. Muitos afirmavam que a sua mãe Zeboim, era a deusa dos mares. E há muito tempo, o próprio Ariakan fora honrado ao ser-lhe concedida uma audiência com a rainha Takhisis, de quem obtivera pessoalmente a bênção para formar a cavalaria dedicada à sua régia pessoa.

— Tragam aqui a Suma-Sacerdotisa — ordenou. — Em breve saberemos a verdade.

Um mensageiro partiu no cumprimento da ordem. Os cavaleiros permaneceram no pátio, ensopados de suor e desconfortáveis, fustigados pelo sol infernal.

A quietude foi agitada por um grito estridente e penetrante. Um grito de terror e de angústia, de eriçar os pêlos da nuca e revolver a carne do braço.

— Que temos agora? — perguntou Ariakan.

O frenesi apossou-se de um grupo de cavaleiros que se mantinham à entrada. Estes se afastaram precipitadamente, para desimpedir a passagem.

O mensageiro reapareceu, e o seu rosto estava pálido como a cera.

— Meu senhor! A Suma-Sacerdotisa morreu!

Um silêncio de estupefação abateu-se sobre os cavaleiros. Depois de ouvirem o relato de Palin, a morte repentina da figura suprema do seu sacerdócio parecia-lhes como o pior augúrio possível.

— Como aconteceu? — perguntou Ariakan abalado.

— Meu senhor, trouxe comigo a mulher que, na ocasião, se encontrava com ela. — O mensageiro desviou-se para dar passagem a uma sacerdotisa de Takhisis. A jovem estava lívida, com o cabelo desgrenhado e as vestes rasgadas, a atestarem bem a violência do seu desgosto.