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— Montante Luzente!

Steel levantou bruscamente a cabeça.

Era Trevalin, que lhe pousou a mão no ombro, dizendo:

— Meu amigo, vá se deitar. Duvido que nas últimas noites tenha dormido alguma coisa.

Steel obedeceu, mais para fugir da companhia do que por sentir necessidade de descansar. De qualquer modo, era difícil conciliar o sono. O calor tornara-se asfixiante, parecia que chupava o ar dos quartos. Estirou-se na cama, alagado em suor, a interrogar-se sobre o que os Vestes Cinzentas estariam fazendo a Palin. Fosse o que fosse, não seria agradável.

Steel não era melindroso. Já vira homens morrendo, serem torturados antes. Mas este caso era diferente. A Dama da Noite não tentara extrair informações de Palin, obrigara-o, sim, a desistir do bastão, que lhe pertencia por direito próprio. Aos olhos de Steel, constituía um roubo e portanto um ato desonroso. Estava bem ciente de que os Vestes Cinzentas encaravam o confisco do bastão do inimigo como Steel encararia o confisco da fortaleza do adversário, mas não conseguia impedir de sentir repulsa e revolta. O que Trevalin comentara a respeito do elfo Rashas, Steel sentia na presença da Dama da Noite — desejava se afastar e lavar a porcaria que lhe conspurcava as mãos.

O jovem mago comportara-se de uma forma bastante honrosa, e ia receber um tratamento dos mais vergonhosos.

“Ao menos, eu poderia tentar obter uma morte rápida e indolor para o Palin”, pensou Steel, sonolento. “É o mínimo que posso fazer, e ele merece.”

Steel interrogava-se como poderia concretizá-lo, mas quando deu por si, o clarão da tocha fora substituído pela luz do Sol. Dormira o dia inteiro.

O anoitecer não veio abrandar o calor. Durante o dia, a temperatura atingira valores tão elevados que, os que procediam às rondas, fustigados pelo calor tórrido, logo vacilavam e tinham de ser constantemente substituídos por novas tropas. Vários pagens jovens receberam reprimendas por tentarem fritar um ovo nas pedras das calçadas, mas o oficial que os surpreendera, passou o dia a exibir, a quem encontrava, o ovo frito.

Terminada a investigação à morte da Suma-Sacerdotisa, o Senhor de Ariakan ordenara que se procedesse de imediato o funeral e o corpo fosse cremado. Com aquele calor, tornava-se impossível o velório dos cadáveres. Não descobrira nela nenhuma marca nem ferida, como resultado de circunstâncias mágicas ou outras. A mulher era idosa, afirmavam alguns que centenária. Considerou que morrera de causas naturais e passou o resto do dia a tentar acalmar os boatos que fervilhavam entre os supersticiosos Brutos.

Steel acordou na mesma hora em que os camaradas se preparavam para deitar. Não era capaz de retomar o sono, pois sentia-se repousado e transbordante de energia. Procurou Trevalin e perguntou ao subcomandante se sabia o que acontecera ao Veste Branca.

Sem se mostrar particularmente interessado com o assunto, Trevalin respondeu que presumia que a Dama da Noite tinha levado o jovem para as armadilhas para dragões, agora abandonadas, e onde os Cavaleiros do Abrolho haviam assentado arraiais. Em tom breve, Trevalin avisou Steel para não se envolver nem com o Veste Branca nem com os Cinzentos.

Steel refletiu e chegou à conclusão de que se tratava de um bom conselho. Nada podia fazer para salvar Palin, e quem sabe se não agravaria as coisas para o jovem. Era mago, escolhera o rumo a dar à vida, escolhera o seu próprio destino. Determinado a expulsar Palin da mente, Steel decidiu fazer uma visita à Fulgor.

Trevalin contara a Steel que, durante a incursão a Qualinesti, o dragão azul se mostrara extremamente indócil. A fêmea queixara-se contra todos os condutores e nunca encontrara nenhum adequado. Guerreara com o companheiro, inflingindo-lhe uma dentada no focinho que pusera o macho azul fora de serviço durante uma semana. Incapaz de dominar Fulgor, o dono considerara-a inapta para o serviço. Os outros dragões mantinham-na à distância.

Agora que regressara, Steel esperava vê-la retomar a normalidade, embora soubesse que, durante uma semana, a bicha iria possivelmente mostrar-se amuada antes de decidir perdoar-lhe. A fim de apressar as coisas, tencionava passar pela cozinha e ver se conseguia persuadir o cozinheiro do turno da noite a lhe dar um suculento porco. Fulgor adorava carne de porco e Steel estava esperançoso em ver a bicha aceitar o naco como uma oferenda de paz.

Percorria os corredores vazios e silenciosos, a caminho do quarto nível da torre, onde se situavam as cozinhas, quando os seus olhos captaram um vislumbre de cor. Qualquer cor parecia deslocada no meio das sombras profundas e carregadas das vestes negras e cinzentas dos cavaleiros. Não pertencia àquele lugar. E, tratava-se de uma miscelânea de cores que, iluminadas pelo clarão das tochas, pareciam extremamente berrantes, dissonantes e, suspeitosamente, defasadas.

Para aumentar a sua desconfiança, havia o fato do vislumbre de cor se mover e desaparecer quando Steel se virou para olhar. Julgou ouvir um som, como se uma voz se preparasse para falar, logo a seguir abafada..

Desembainhando a espada, Steel foi investigar. O som provinha dos fundos de uma escadaria de pedra, escondida numa área recuada e mergulhada nas trevas. Steel pôs-se a caminhar nas pontas dos pés, a fim de conseguir apanhar o espião — pois concluíra que o intruso decerto era um. Com aquele calor, o cavaleiro não envergava a armadura, pelo que quase não fazia ruído. Contornando a escadaria, avistou dois vultos escuros, que se destacavam das sombras. Um deles, vestia preto e envergava capuz. Não era um fato inusitado, atendendo à presença de todos os sacerdotes de Takhisis, mas o outro, sim. Atônito, Steel avistou... um kender.

— É ele! — dizia o kender em voz baixa, dirigindo-se ao companheiro encapuzado — O reconheceria em qualquer parte! É porque parece mesmo o Sturm, entende? Acho que deveríamos perguntar-lhe...

Movendo-se rapidamente, Steel avançou, a fim de surpreendê-los pelas costas. Estavam tão embrenhados na conversa, que conseguiu se aproximar sub-repticiamente, sem que dessem pela sua presença. Steel agarrou o kender pelo penacho e, com uma torcida, enrolou-o na mão.

— Perguntar-me o quê? — inquiriu.

— Ai, ai! Ah! Fique quieto! Isso dói! — guinchou o kender, estrebuchando e tentando, sem êxito, libertar-se do aperto de Steel.

— Largue-o! — ordenou o vulto encapuzado, com uma voz de mulher. Steel ignorou a sacerdotisa e arrastou o kender, que continuava a protestar, para junto da luz. Reconhecera a voz, mas queria ter certeza.

E tinha.

— O que você faz aqui? — perguntou, dando um safanão no kender.

Ai! Ui! Está arrepiando meu cabelo! — gemeu o kender. Segurando na mão de Steel, a sacerdotisa de vestes negras tentou fazê-lo largar a presa.

— Disse para soltá-lo! — repetiu.

Empurrando o kender contra a parede, Steel virou-se para a sacerdotisa. Na luta, o capuz caíra e o seu cabelo prateado reluziu ao clarão da tocha.

Vendo que Steel a reconhecera, a mulher voltou a cobrir a cara com o capuz.

Muito tarde.

— Você! — exclamou ele, atônito.

A jovem nada disse, mas dardejou-o com um olhar fulminante. Virando-lhe as costas, socorreu o kender, que esfregava a cabeça e, limpando os olhos, perguntou — algo arquejante — se lhe restava algum cabelo.