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Steel olhou rapidamente em volta, interrogando-se se havia mais alguém por perto. As escadas situavam-se numa área escondida de um corredor. A hora do jantar já passara há muito. As únicas pessoas susceptíveis de se encontrarem nesta zona da torre, eram o cozinheiro e os ajudantes. O primeiro pensamento que ocorreu a Steel, foi fazer soar o alarme e mandar prender aqueles dois. Foi o seu primeiro pensamento e o que sabia que devia fazer — tencionava mesmo fazê-lo, mas descobriu que não estava agindo em conformidade.

Segurando a mulher pelo ombro, arrastou-a, e ao kender, de novo para as sombras.

Primeiro irei interrogá-los, disse para consigo, depois, entrego-os aos guardas.

— Em nome de Takhisis, o que fazem aqui? — perguntou Steel em voz alta. Não conseguia se lembrar do nome da mulher nem do kender.

O kender fez menção de falar, mas a mulher, dando-lhe um beliscão, obrigou-o a se calar.

— Não que seja da sua conta — disse ela a Steel, num tom altivo. — Mas, se quer saber, agora sou uma sacerdotisa de Takhisis. Acompanho este prisioneiro...

— Sou eu! — interrompeu-a, solícito, o kender.

— ...à prisão — concluiu a mulher, olhando de cenho franzido para o kender.

— Deve ser um prisioneiro importante — observou Steel —, para obrigá-la a faltar às exéquias fúnebres.

Os olhos dourados da mulher cintilaram.

— Fúnebres? — repetiu, num fio de voz, retorcendo a veste negra de veludo. — Eu... eu não sei de nada. Quem morreu?

— A sua Suma-Sacerdotisa — respondeu Steel, implacável. — Todos os sacerdotes deste lugar estão de luto carregado. Quanto a essa história tola sobre o prisioneiro kender, ninguém lhe dará crédito. Qualquer sacerdote de Takhisis que encontrasse um kender a vaguear por aqui, o despacharia num instante para as mãos de Chemosh. Para a próxima, tente outra.

Mas viu-se forçado a concordar que a mulher merecia respeito. Aceitou com coragem a derrota. Embora até os seus lábios estivessem pálidos e o esforço fosse tremendo, conseguiu readquirir a compostura. Cerrando os maxilares e comprimindo a boca, assumiu uma postura altaneira e encarou-o, com ar digno.

— Que fará conosco? Chamará a guarda?

— Sou eu quem faz as perguntas. O que fazem aqui? Desta vez, quero a verdade.

A mulher mordeu o lábio e, finalmente, admitiu:

— Viemos salvar o Palin. Mas não conseguimos descobrir onde se encontra.

— Não está na cadeia — acrescentou o kender. — Já verifiquei. Está vendo Usha, eu tinha razão! Este é o Steel e deve saber onde o Palin está.

— Sabe? — A jovem inclinou-se para ele e pousou-lhe a mão no braço. — Vai nos dizer? Não precisa nos conduzir até lá. Diga-nos só e deixe-nos partir. Que mal tem? O Palin veio aqui para te salvar a vida. Não pode permitir que morra!

Em silêncio, Steel amaldiçoou a mulher, amaldiçoou o kender e amaldiçoou o fado que o conduzira ao caminho deles, justamente quando começava a pensar que Palin não merecia morrer, que havia algo de ignóbil na sua própria pessoa por permitir que o jovem mago fosse condenado à morte.

O que obrigou Steel a fazer uma pausa para reconsiderar. Seria apenas o azar que o conduzira até àqueles dois? Ou haveria algo mais? Seria por influência da sua Rainha? Com certeza fora Takhisis que o impelira até ali. Sentia-lhe a presença, sentia-a nas trevas que o envolviam. Contudo... O que Sua Majestade queria que ele fizesse? Que prendesse os dois? Ou será que queria que os ajudasse a libertar Palin?

Todos os cavaleiros foram ensinados a, em caso de dúvida, consultarem a Visão da Rainha das Trevas. Steel, que sempre se sentira confuso com a natureza enigmática, intrincada do conceito que tinha da Visão, considerou que, nesta situação, pouco ajudaria. Via-se arrastado em duas direções, uma a pressioná-lo para que atraiçoasse Usha e Tas, a outra a pressioná-lo para que os ajudasse.

A única coisa que Steel tinha como certa, era a história que Palin contara ao Senhor de Ariakan. Ele próprio fora invadido pela inquietude e o mal-estar. A atmosfera estava repassada de perigo, tal como quando crepita durante uma trovoada seca. Passava-se algo de terrivelmente errado em algum lugar.

— Venham comigo — disse, em tom abrupto, dirigindo-se a Usha e a Tas. — Mantenha o capuz bem puxado para frente.

— Obrigada! — respondeu Usha, com fervor.

— Não me agradeça ainda — retrucou Steel, com frio desdém. — Não pretendo libertar o Palin. Preciso ter uma conversa com ele, indagar mais coisas sobre essa história da Pedra Preciosa Cinzenta. Levo-a, e ao kender, só para poder estar de olho em vocês. Talvez decida denunciá-los. E, nem uma palavra! Se alguém nos detiver, deixem que eu falo.

Os dois aquiesceram. O kender fez menção de dizer qualquer coisa, mas Usha o calou. Steel interrogou-se como eles planejariam libertar Palin daquela fortaleza, quase lhes perguntou, mas decidiu que quanto menos soubesse, melhor. Deviam ter um plano, afinal a mulher era feiticeira.

Abandonaram os pisos superiores e embrenharam-se pelas profundezas da torre em direção às armadilhas para dragões, agora abandonadas.

16

A armadilha para dragões.

A Torre da Feitiçaria Suprema não dispunha de lugar, nem o providenciara, para os fazedores de magia. Não constituía surpresa, na medida em que nunca, nos anais da sua longa história, os Cavaleiros da Solamnia se viram obrigados a recorrer a feiticeiros.

Dizia-se que Huma fora para a batalha tendo ao lado um feiticeiro, e que os dois se valeram do aço e da magia para derrotar os inimigos. O feiticeiro chamava-se Magius, um Veste Vermelha que era amigo de Huma desde a infância. O bastão que Palin trazia consigo, pertencera a esse mesmo Magius, cujo destino trágico fora responsável pelo fato de permitirem agora aos feiticeiros de Ansalon o uso de adagas. Mas, quando eram eles a relatar a história de Huma, os cavaleiros quase nunca se referiam a Magius. Ou, se o incluíam na narrativa, era a contragosto e minimizavam o papel que desempenhara. Salientavam sempre que Huma nunca confiara em Magius, mas que, por mais de uma vez, o nobre e valente cavaleiro tudo arriscara pelo fraco amigo.

Claro que os feiticeiros de Krynn tinham uma versão diferente. Segundo eles, o verdadeiro herói fora Magius, que dera a vida pelo amigo e tivera uma morte terrível nas mãos do inimigo. Quando a história era contada na Torre da Feitiçaria Suprema, Huma perfilava-se como um personagem menor — um sujeito simpático, todo coração e músculos, que confiava em Magius para determinar o curso da batalha.

A verdade jaz no túmulo perdido e esquecido onde o corpo de Magius repousa, e no túmulo vazio de Huma. A única certeza é de não existirem lojas de produtos de magiana na Torre da Feitiçaria Suprema, nem laboratórios de feiticeiros, nem estantes de livros de encantamentos.

Assim, os feiticeiros Vestes Cinzentas dos Cavaleiros de Takhisis, viram-se entregues a si mesmos.

Vários motivos os levaram a escolher as armadilhas para dragões, há muito abandonadas, e o principal, é evidente, foi a privacidade. Embora os feiticeiros integrassem os Cavaleiros de Takhisis, e vivessem, treinassem e lutassem com os seus pares, os Cavaleiros Cinzentos eram, acima de tudo, magos, e os feiticeiros precisam de locais secretos, calmos e seguros onde trabalhar.

As armadilhas para dragões preenchiam todos estes requisitos. Ninguém lá se aventurava sem um motivo. Durante a Guerra da Lança, a câmara na qual se erguia outrora o globo do dragão, desabara. Os Cavaleiros da Solamnia haviam retirado as pedras fragmentadas, mas as “pedras evocavam a morte”, pelo menos era o que afirmavam os duendes, porque o sangue que as empapava nunca poderia ser removido por completo. O chão de pedra das armadilhas para dragões achava-se manchado de sangue: dos dragões e dos cavaleiros que ali lutaram contra os gigantescos animais. Tratava-se de um lugar palpitante de morte, um lugar pavoroso, triste e sofrido.